No dia 2 de outubro vão acontecer as eleições para prefeito e vereador por todo Brasil. Depois do turbilhão político dos últimos meses, esse pleito parece ao mesmo tempo insignificante (perante a movimentação em nível nacional) e importantíssimo (uma maneira da população se manisfestar oficialmente, com seu voto). Não estamos acostumados a pensar nas câmaras de vereadores como uma força para mudança – e é isso que o projeto #MeRepresenta quer mudar.
Gerado a partir da ação conjunta de várias organizações de ativismo pelos direitos civis e humanos, o #MeRepresenta quer mapear o posicionamento dos candidatos a vereador de algumas das principais cidades do país, para que os eleitores possam fazer escolhas bem informadas quando chegarem às urnas no início do mês que vem. Seus voluntários prepararam um questionário com perguntas sobre vários assuntos relevantes para movimento como o LGBT, feminista e negro. As repostas (ou falta delas) serão divulgadas no site do projeto antes das eleições. Nós todos que vamos votar ganhamos, assim, mais uma arma para nos fazermos ouvir. O LADO BI entrevistou por e-mail alguns dos coordenadores do #MeRepresenta: Gui Mohallem, Evorah Cardoso e Felipe Oliva.
LADO BI Quando comparado a legisladores nas esferas estaduais e nacionais, um vereador tem mais ou menos capacidade de efetuar mudanças concretas nas vidas dos eleitores que representa? Que exemplos vocês podem dar de decisões municipais que afetaram LGBTs recentemente?
#MEREPRESENTA Antes de destacar a importância do legislativo municipal em relação ao legislativo das demais esferas, é preciso dizer que o legislativo municipal merece uma especial atenção em relação ao próprio executivo municipal. Normalmente nas eleições os eleitores dedicam muito mais atenção à escolha do candidato do executivo que aos do legislativo. Não só por que são mais expostos às propostas do executivo (debates televisivos, propaganda eleitoral), mas porque há uma cultura política personalista, de escolher “uma pessoa para governar”, como se do executivo derivasse todo o restante. E não é assim.
Se há algo que estamos começando a aprender é que a política do legislativo é tão ou mais importante que a do executivo. O legislativo pode barrar o avanço de pautas progressistas de direitos humanos e as políticas executivas criadas por decretos pelo executivo municipal têm a limitação de só durarem o tempo de um mandato, são frágeis. Precisamos de políticas permanentes de direitos humanos, garantidos por órgãos especialmente dedicados a essas questões. Um exemplo disso é o programa Transcidadania da prefeitura de São Paulo, que corre o risco de acabar com esta gestão, justamente por ser uma política de gestão e não uma lei aprovada pelo legislativo. Hoje, os interesses minoritários não ganham corpo em um espaço político em que a maioria vence.
O plano municipal de educação foi outro episódio interessante pra ilustrar o poder do legislativo na nossa vida. Um estudo realizado em 44 escolas públicas de 11 capitais brasileiras confirmou o que todos já sabemos: a escola é um ambiente extremamente hostil a LGBTs, o que contribui fortemente para a evasão escolar, especialmente por travestis e transexuais, cuja imensa maioria não conclui educação formal. É importante que a escola sensibilize profissionais da educação e esteja preparada para receber crianças e pré-adolescentes LGBT, que muitas vezes sequer podem contar com a própria família.
Em 2015, essa oportunidade, no entanto, foi jogada no lixo por várias câmaras municipais no País, inclusive da cidade conhecida pela maior Parada do Orgulho LGBT do mundo. Grupos conservadores contrários à chamada “ideologia de gênero” pressionaram e conseguiram excluir educação em igualdade de gênero e diversidade sexual dos planos municipais de educação, que contêm diretrizes gerais para o ensino. Em São Paulo, mesmo vereadores progressistas acabaram por baixar a cabeça para as lideranças partidárias, temerosos da repercussão entre o eleitorado conservador. Assim, para garantir que as novas gerações não reproduzam os preconceitos herdados e sofram menos LGBTfobia, é importante que nossos vereadores lutem pelos nossos interesses nas câmaras.
Muitas pessoas defendem o voto nulo ou em branco como forma de protesto. Vocês acham que esse tipo de atitude é válida?
Antes de tudo, é preciso lembrar que a lei não diz que, diante de certo número de abstenções, votos nulos e brancos, as eleições vão ser canceladas. Independente se a pessoa escolhe “não fazer parte desse processo”, ele vai continuar a ser usado para escolher quem vai regular parte importante da nossa vida e administrar orçamentos bilionários (São Paulo tem orçamento de cerca de 50 bilhões de reais por ano).
Entendemos a dificuldade de se identificar com um sistema político viciado. Mas ao votar nulo a gente aumenta o poder do voto das outras pessoas. E essas outras pessoas podem escolher mal, têm escolhido mal, têm escolhido candidatos contrários aos nossos direitos. A gente precisa se organizar e se unir pra mudar o cenário político. Se abster pode até te dar uma certa “paz na consciência”, como se “não compactuasse com esse sistema”. Mas você não muda NADA não votando. Pode ser que seja justamente isso que as pessoas que estão no poder querem, que pessoas como nós, as minorias todas, desistam de participar da política, deixem de votar.
Na pesquisa que a gente fez na Parada do Orgulho LGBT e na Caminhada das Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo este ano, a gente descobriu que 25% ia votar nulo ou não votar. VINTE E CINCO PORCENTO!!! Gente, com 25% de votos a gente pode eleger muita gente legal. Não faz o menor sentido esse comportamento. Minoria não vota nulo!
Realmente acreditamos que a plataforma #MeRepresenta pode ajudar a perceber que não estamos sós, nem eleitores, nem candidatos pró-direitos humanos. Nós vamos nos encontrar, nessas e em futuras eleições. Vamos retomar o gosto pela política, pra fazermos a nossa política, inclusiva e verdadeiramente representativa.
O #MeRepresenta vai se preocupar exclusivamente com a pauta LGBT, ou vai tentar mapear candidatos comprometidos com outros movimentos sociais também?
A idéia do #MeRepresenta é justamente juntar forças, juntar lutas. Entendemos a luta pelos direitos LGBT como parte de um guarda-chuva maior dos direitos humanos. Por isso, fizemos grandes movimentos no sentido de nos alinharmos com os movimentos de luta pelos direitos das mulheres e do direito à cidade. Incluímos também no #MeRepresenta algumas pautas do movimento antirracista. Nossas lutas, se não são exatamente as mesmas, porque vêm de dores diferentes, vão na mesma direção. Vale lembrar que pessoas LGBT podem sofrer conjuntamente outros tipos de discriminação, por também serem mulheres, por também serem negros e negras, por também serem pobres e morarem longe do centro, etc.
O #MeRepresenta vai ganhando cada vez mais corpo e voz justamente da soma dessas pautas e movimentos, que têm perdido sistematicamente espaço no poder legislativo. Justamente pelo sentimento comum de forçada alienação das decisões legislativas foi que esses grupos se juntaram para construir uma plataforma compartilhada. O próprio nome da plataforma já vem pra resignificar a expressão #nãomerepresenta. Estamos muito felizes com a adesão de tanta gente em torno dessas pautas, o que só evidencia o quanto as pessoas querem ver seus direitos ouvidos pelo sistema representativo.
Como está sendo o retorno ao lançamento do #MeRepresenta?
O engajamento tem sido imenso! Em São Paulo, Rio, Recife e Porto Alegre já são mais de 400 voluntárias e voluntários. Recentemente, novos grupos de pesquisa estão sendo abertos em Salvador, BA e Campinas, SP. (aliás, atenção soteropolitanes e campineires, cadastro aqui: www.merepresenta.org.br)
As candidaturas pró-direitos humanos tem visto na plataforma uma oportunidade de ganhar visibilidade. São necessários cerca de 100 mil votos pra eleger um vereador ou uma vereadora em São Paulo, por exemplo. Se pensarmos em quantos LGBTs votantes temos na cidade, não é absurdo pensarmos que poderíamos eleger não apenas uma, mas várias pessoas comprometidas com nossos direitos. A gente só precisa se organizar!
O que vão fazer os voluntários do #MeRepresenta?
A Justiça Eleitoral divulgou uma lista oficial com os emails de todos os candidatos do país. Alguns desses contatos, porém, parecem ter sido atribuídos pelos partidos a vários candidatos. Portanto, não correspondem aos emails individuais dos candidatos. Para garantir que alcançaremos o número mais próximo do real dos candidatos, os voluntários estão fazendo uma busca ativa por candidatos nas cidades da pesquisa. Estão buscando contatos complementares (emails, página pessoal ou de campanha do candidato no facebook), para convidá-los a participar da plataforma e tirar suas dúvidas. Para garantirmos a metodologia de aplicação da pesquisa nas várias cidades, limitamos a forma e o número de vezes que entraremos em contato com os candidatos, pois para nós a não resposta também é uma informação de pesquisa relevante. Quais partidos e coligações têm mais candidatos pró-direitos humanos? E quais têm mais candidatos que não participaram da pesquisa? Isso pode indicar uma rejeição ao tema dos direitos humanos.
Que cuidados o eleitor deve ter na hora de escolher seus candidatos para as eleições municipais?
É importante saber com quais pautas o candidato se identifica e ver se elas são compatíveis com o que você acredita. O #MeRepresenta está aí pra isso, pra facilitar essas informações e esse “match” político. Mas da forma como sistema eleitoral funciona hoje, não basta encontrar um candidato, é preciso olhar com bastante cuidado quais os partidos que compõem sua coligação, se são partidos com histórico pró-direitos humanos. Caso contrário, a gente pode escolher uma candidata ou um candidato que combina muito com nossas crenças, de um partido que a gente curte, mas no final, acabar ajudando a eleger alguém totalmente contrário ao que a gente acredita de outro partido da coligação. Alguém contra as LGBT.
Outra coisa importante é, sempre que possível, votar numa mulher. Representatividade importa. A taxa de participação de mulheres no legislativo no Brasil é uma das menores do mundo, abaixo de toda a América Latina e também de muitos países do Oriente Médio onde, segundo a Anistia Internacional, a situação da mulher nem sempre é de igualdade de condições com os homens.