Como gays estão fazendo os relacionamentos abertos funcionarem

Novo estudo aponta que casais não-monogâmicos tendem a tornarem-se mais próximos, a despeito daqueles que pensam que humanos não conseguem separar amor do sexo

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Spencer Macnaughton para o jornal The Guardian

Hugh McIntyre, um compositor de 26 anos, e Toph Allen, um epidemiologista de 28, estão apaixonados e vivem numa relação “incrível” há dois anos e meio. Uma das chaves para seu sucesso: dormir com outras pessoas.

“A gente não mudaria nada”, afirma Allen, que vive em Nova York com McIntyre. “A gente consegue satisfazer nosso desejo de fazer sexo com outras pessoas. A gente evita as traições e os ressentimentos que surgem em relacionamentos monogâmicos quando não se pode ir atrás de suas necessidades sexuais.” Relacionamentos como esses não são incomuns entre gays. Em 2005, um estudo descobriu que mais de 40% dos gays tinham um acordo que permitia que se fizesse sexo fora do relacionamento, enquanto menos de 5% dos casais heterossexuais e de lésbicas afirmavam o mesmo.

McIntyre e Allen acreditam que a força de sua união se deve à comunicação clara e aberta. Esse conceito pode causar perplexidade ou até ser tabu para muitos casais monogâmicos, mas um novo estudo sobre relacionamentos abertos de casais gays sugere que tanto ceticismo é injustificado. O estudo afirma que, na verdade, casais não-monogâmicos muitas vezes são são até mais próximos que seus equivalentes em relacionamentos fechados.

Em junho de 2015, Christopher Stults, um pesquisador do Centro de Estudos de Saúde, Identidade, Comportamento e Prevenção da Universidade de Nova York, deu início a um estudo qualitativo com 10 casais gays que vivem em relacionamentos abeftos. Eles conduziu entrevistas individuais de 45 minutos com cada um desses homens e seus parceiros, cujas idades variavam dos 19 aos 43 anos.

O estudo, bancado pelo Centro Rural de Prevenção de DSTs/Aids da Universidade de Indiana, tinha várias metas. “Queríamos conferir como esses relacionamentos se estabelecem e evoluem com o passar do tempo, e examinar as percepções sobre a qualidade da relação, satisfação na relação, e riscos em potencial para infecção por DSTs/HIV”, explica Stults, que essa semana terminou de analisar as entrevistas  na Universidade de Nova York e espera ter seu estudo publicado no começo do ano que vem.

Segundo Stults, seus estudos indicam que relacionamentos não-monogâmicos levam a uma relação mais feliz e plena. “Minha impressão até o momento é que os entrevistados não parecem estar menos satisfeitos, e pode ser até que sua comunicação seja melhor que a comunicação entre membros de casais monogâmicos, porque eles tiveram que negociar detalhes específicos de sua relação.”

Além disso, relacionamentos abertos “não parecem expor gays a riscos maiores de contrair HIV ou outras DSTs”, continua Stults. “Pelo que pude apurar, nenhum dos entrevistados contraiu HIV e apenas um dos casais contraiu outra DST.”

Apesar dos resultados da pesquisa de Stults, ainda há muito estigma associado a esse tipo de relação. Quatro estudos realizados pela Universidade de Michigan em 2012 descobriram que a percepção que entrevistados têm de relacionamentos monogâmicos é “avassaladoramente mais favorável” quando comparada à percepção que se tem de relacionamentos abertos.

“Gays sempre se envolveram com maior frequência em relacionamentos não-monogamicos consensuais, e a sociedade consistentemente estigmatiza sua decisão de fazê-lo”, acredita Michael Bronski, um professor do departamento de estudos femininos, de gênero e de sexualidade de Harvard.

McIntyre e Allen lembram que já vivenciaram esse tipo de estigma em suas próprias peles, mas que uma relação aberta é a maneira mais honesta que encontraram de permanecerem juntos. “Já encontramos várias pessoas, gays e héteros, que supõem que nossa relação é ‘inferior’ apenas porque não somos monogâmicos. Eu acho que isso é ridículo e ofensivo”, lamenta McIntyre.

E o que faz, então, um relacionamento aberto funcionar? Os participantes do estudo de Stults enfatizam que o sucesso deriva de se criar regras e segui-las. Para McIntyre e Allen, há duas regras essenciais: “Sempre contar para o outro quando você sai com alguém, e sempre fazer sexo seguro”, conta Allen.

Para David Sotomayor, um estrategista financeiro de 46 anos residente em Nova York, ater-se a regras específicas é fundamental para o sucesso de seu casamento aberto. “Essas regras foram construídas para proteger o amor em nosso relacionamento”, afirma. “Nós podemos tocar outros homens e fazer sexo oral, mas não podemos beijar, fazer sexo anal, ou sair em encontros com outros caras. Nós damos muito valor emocional para o beijo – é algo especial e único.”

Seguir as regras não é sempre fácil, no entanto. Sotomayor já as quebrou várias vezes, o que foi causa de conflito. “Isso cria uma sensação de dúvida quanto à capacidade do outro de dizer a verdade”, explica.

Brian Norton, um psicoterapeuta que se especializa em casais gays e professor adjunto do departamento de aconselhamento e psicologia clínica da Universidade de Columbia, afirma: “o sexo é uma experiência emocional. Há sempre emoções em jogo, e as pessoas podem criar vínculos mesmo nas vivências mais corriqueiras”.

Norton acredita que buscar sexo fora do relacionamento pode levar a insegurança emocional. “Acho que não ser capaz de prover tudo para o parceiro é uma pílula difícil de engolir”, pondera. “Um relacionamento se constitui de equilibrar o tempo todo duas necessidades humanas conflitantes: a autonomia e a necessidade de intimidade.”

Allen reflete: “é verdade que o amor e o sexo estão entrelaçados, mas eles não são a mesma coisa. O amor é muito maior que o sexo. Há intimidade, amizade, cuidado mútuo e respeito.”

Não chega a ser surpreendente que os casais gays estão na vanguarda dos relacionamentos sexualmente progressivos, aponta Bronski. “Como eles foram excluídos das noções tradicionais de comportamento sexual, eles tiveram que abrir caminho e forjar seus próprios padrões de relacionamento”, afirma.

Norton acredita que a facilidade com que os gays entram em relacionamentos abertos pode estar associada ao medo de intimidade. “A vivência de entender sua vivência homossexual pode muitas vezes vir associada ao abandono emocional, à vergonha e à rejeição”, considera.

“Nossas vivências ligadas ao amor e à intimidade na juventude muitas vezes é distorcida e avariada, então, quando alguém tenta se aproximar de nós na vida adulta, as defesas se erguem”, continua. “Faz parte da natureza humana evitar revisitar sensações de abandono, e os relacionamentos abertos podem ser uma maneira de se manter a distância entre dois homens.”

Allen, no entanto, afirma que abrir o relacionamento fortaleceu seu elo com McIntyre e aproximou os dois. “Eu sinto uma conexão muito maior com Hugh, porque eu vejo como ele explora sua sexualidade com outras pessoas e sinto gratidão por ele permitir que eu faça o mesmo”, comemora.

Todos os experts entrevistados para essa matéria afirmam que relacionamentos abertos podem funcionar quando construídos com honestidade e boa comunicação.

Apoie o Lado Bi!

Este é um site independente, e contribuições como a sua tornam nossa existência possível!

Doação única

Doação mensal:

7 comentários

Iago

Só pra deixar registrado.. O estudo do Prof, Stults não informa muito. Dez casais e 45 min. de entrevista não é amostragem suficiente pra informar sobre chances na contração de DSTs. Não mesmo. Seria necessária uma amostragem beeeeem maior que isso pra determinar uma hipótese viável. E individuos não-monogâmicos possuem chances maiores de contágio por conta do nível de exposição a situações de risco.

E sobre serem mais felizes ou qualquer coisa parecida é inviável afirmar………. Primeiro, que seria precisar o parâmetro dessa felicidade, e a quem pertence esse parâmetro. E para tanto, ele precisaria observar dois grupos-controle, um monogâmico e um poligâmico. Assim é possível fazer comparativos.

Resumindo… No máximo dá pra dizer: que bom que existe dez casais felizes com este tipo de relacionamento… ^^

tá, eu sei que muita gente tem um grande estigma com relação a relacionamentos abertos e julgam mal quem está dentro deles, mas também acho que tem muita gente que adora forçar a barra também pra falar que relacionamentos abertos são maravilhosos e muito mais melhores que qualquer relacionamento monogâmico, até esse pesquisa feita com meros 10 casais e que diz que casais abertos são mais felizes é algo muito forçado.
Tem vários casais que depois de abrir ou de por um a mais dá merda, e também tem seus problemas de parceiros que quebram regras o que é uma traição, problemas como qualquer casal.
Então não é questão de um ser melhor que o outro, e sim de escolher a dinâmica e acordo que mais vai satisfazer o casal, não é todo mundo que vai se sentir bem, feliz e confortável em relacionamentos abertos, eles não são um ideal de algo melhor pra todos, é apenas outra forma de relacionamento que vai funcionar melhor pra algumas pessoas.

Breno Silva

Sei lá. Achei os argumentos dos casais não-monogâmicos muito fracos. Penso que é inato a não-monogamia. A pessoa simplesmente não consegue ter só um parceiro. Pra mim, só assim pra explicar.

Juan

O que eu vejo são pessoas com esse discurso seu que traem os parceiros sistemáticamente.

Paulo B.

Cada um é cada um!
Estou em um relacionamento que em novembro completa 09 anos e já tivemos uma conversa sobre relacionamento aberto, depois de papear um bocado chegamos a conclusão que não daria certo.
Tentamos uma vez, apimentar o relacionamento convidando um terceiro para uma noitada. Conclusão, os dois se arrependeram disso, e decidimos nos manter no tradicional.

Comments are closed.