Traduzido do artigo de Rachel Thompson para o site Mashable
Aquele cheiro familiarde água com cloro. A sensação do ar gelado contra a pele. A cacofonia das risadas, da água espirrando e respiração súbita. E o nervoso quando se mergulha.
Uma piscina costuma ser o lugar em que a água faz com que alguém se sinta livre e seguro. Para a maioria de nós, ir nadar é algo que envolve pouca reflexão ou ansiedade.
Mas e se o mero pensamento de ir nadar provoca medo? E se a ideia de entrar num vestiário é impedimento para se exercitar?
Esse temor do que deveria ser um espaço público seguro é algo com que pessoas transgênero e fora da conformidade de gênero têm que conviver todos os dias.
Um grupo está tentando eliminar o medo da natação com o Transgender And Gender-Nonconforming Swimming group (TAGS) (Grupo de natação transgênero e fora da conformidade de gênero).
Toda sexta-feira na piscina Glass Mill em Lewisham, Londres, pessoas trans e não-binárias de toda região sudeste da Inglaterra se reúnem para fazer algo que pessoas cis fazem sem qualquer preocupação – nadar. Cada membro está num ponto diferente de sua jornada, mas a meta do grupo é oferecer um local onde pessoas trans possam se exercitar, socializar e sentirem-se seguras.
Alguns nadadores entraram no TAGS bem no começo de sua transição. Alguns nunca haviam encontrado outras pessoas trans antes, e só se sentiam segures para interagir com outras pessoas trans pela internet.
A fundadora do TAGS, Roberta Francis, descreve o grupo como “um lugar seguro para se socializar e nadar”. Mas ele é mais que isso. TAGS é um lugar onde membros da comunidade trans podem fazer amigos, obter apoio, construir sua autoconfiança e sentirem-se parte d euma comunidade.
Francis tem formação para ser uma professora de ensino básico, mas teve que parar de lecionar depois que deu início a sua transição, porque não conseguia emprego por ser uma mulher trans.
Francis não é a única a lutar para conseguir trabalho. De acordo com uma pesquisa do governo britânico, 88% dos trabalhadores transgênero passam por discriminação ou abuso no ambiente de trabalho. Isso vai contra a lei desde que o governo britânico aprovou a Lei da Igualdade em 2010.
Um relatório recente do Comitê das Mulheres e da Igualdade do governo britânico apontou que as pessoas trans no Reino Unido encaram “altos níveis de transfobia” diariamente, e “são sujeitas a hostilidade e discriminação rotineiramente”. E, de acordo com a polícia britância, crimes de ódio contra pessoas trans estão aumentado dramaticamente a cada ano.
Francis, no entanto, decidiu fazer algo construtivo com o tempo livre que passou a ter. Em 2014 ela decidiu montar um grupo de natação transgênero, e conseguiu transformá-lo em realidade depois de se reunir com autoridades de sua subprefeitura. Desde então, ela já montou grupos de natação em Birmingham, no norte de Londres, e está prestes a estrear outro em Liverpool.
Encontrar um lugar para o grupo se reunir não foi problema – as pessoas trans são um grupo protegido pela Lei da Igualdade e têm que ter acesso a bens e serviços. O verdadeiro desafio foi encorajar as pessoas trans para que tivessem a autoconfiança de vir a um lugar público.
“Ir para uma piscina é um grande passo para uma pessoa trans”, explica Francis. “Quando saem para nadar, elas precisam considerar: ‘qual vestiário eu uso?’, ‘será que serei aceite nesse vestiário?’, ‘minha aparência está OK?’, ‘será que passo por uma pessoa cis?'”.
Para a maioria das pessoas, entrar num banheiro ou num vestiário que corresponde a seu gênero não é problemático. Mas acontecimentos recentes em dois estados norte-americanos transformaram o simples ato de ir ao banheiro em um campo de guerra para pessoas transgênero.
Em março o governo do estado da Carolina do Norte aprovou a House Bill 2 (HB2), uma lei que impede que cidades e condados aprovem suas próprias leis antidiscriminatórias, e impõe que cidadãos transgênero utilizem os banheiros de acordo com o sexo que lhes foi diagnosticado ao nascerem, não o gênero com que se identificam. O estado do Mississippi aprovou uma lei regulamentando os banheiros de forma semelhante, e impede que o governo entre com processos contra estabelecimentos que se neguem a atender pessoas LGBT.
Esse tipo de legislação torna a vida de pessoas transgênero mais difícil.
“Não faz muitos anos, mesmo estar em público era algo difícil para pessoas trans. Mesmo agora é bastante complicado”, lamenta Francis.
Mas – apesar de seu nome – nadar é apenas um dos aspectos do TAGS.
“O TAGS não serve apenas para que pessoas trans consigam ir para a piscina. Ele forma comunidades”, continua.
Esse espírito comunitário é parte integral do TAGS. Todas as sextas-feiras, enquanto membros do TAGS se reúnem na lanchonete da piscina para conversar enquanto tomam café, a equipe local prepara o espaço para o grupo. As persianas são baixadas sobre as paredes de vidro ao redor da piscina, tornando o espaço completamente privado e segregado. Quando a piscina e os vestiários são completamente desocupados, o grupo toma conta do espaço.
Para nadadores trans, entrar no vestiário de uma piscina é um dos momentos mais temidos, aponta Francis.
O TAGS removeu essa barreira. Há três vestiários na piscina, e nadadores usam aquele que corresponde com sua identidade de gênero – seja ela mulher, homem, ou não-binário.
Dentro da piscina, nadadores alternam entre nadar e conversar em grupos, ou em conversas particulares.
Num canto, Alex White, um membro do TAGS, aprende a nadar com o auxílio de um professor.
Fica claro, mesmo para alguém de fora, que esse não é apenas um lugar onde nadadores se reúnem – é um grupo de amigos próximos.
Megan Zoe Faulkner frequenta o grupo de natação transgênero desde que ele teve início no final de 2014, quando ela havia acabado de começar sua transição. Faulkner recorda-se de ter sido recebida com muito “carinho e apoio” quando entrou para o grupo; algo, afirma, que manteve-se constante desde então.
“Nunca na minha vida eu havia me sentido tão querida por um grupo de pessoas como eu me sinto aqui”, comemora Faulkner.
Ela descreve sua vida antes de realizar sua transição como “excepcionalmente limitada”.
“Eu realmente havia desistido da vida. Eu percebi, há três anos, que eu tinha que começar a viver como um ser humano genuíno, e viver minha vida da maneira como sentia ser certo. Mas eu não sabia muito bem como”, recorda-se Faulkner.
“O TAGS me deu incentivo. Naquele momento da minha vida, eu não havia ainda encontrado outras pessoas trans, e encontrar um ambiente onde todos eram tão tranquilos e sossegados foi maravilhoso”, continua.
Desde que entrou para o grupo, Faulkner fez amigues e recebeu apoio e aconselhamento. Nos quase dois anos desde seu início, Faulkner tornou-se secretária do grupo e regularmente comanda as aulas de natação. Ela também coordena aulas de ioga amigáveis para todos os corpos.
“Aqui estamos auxiliando pessoas que nunca haviam encontrado outras pessoas transgênero; pessoas que não nadavam há dez anos por causa do medo que sentiam de serem agredidas”, conta Faulkner.
Para ela, o TAGS foi importante para que ela descobrisse quem é, alcançar seu crescimento pessoal, e apoiar outros membros.
“É uma forma de ativismo. É uma forma diferente de ativismo que sair numa parada. Mas o que fazemos aqui transforma vidas. Ajuda pessoas, e faz com que suas vidas sejam melhores e maiores”, celabra Faulkner.
Apesar do ativismo do grupo, essa ainda é uma atividade que segrega as pessoas trans das pessoas cis, ao invés de integrá-las. Mas eliminar a transfobia de todos os espaços públicos é um objetivo de grande escala a longo prazo; algo que o TAGS não é capaz de conseguir por si só. Eles estão lidando com a transfobia em pequena escala, construindo um ambiente fechado em que esse preconceito não existe.
Quando aumenta aos poucos o número de grupos de natação transgênero ao redor do país, as necessidades de nadadores transgênero chegam à atenção de subprefeituras e prefeituras e de gerentes de centros de lazer, o que pode levar a mudanças maiores. Para o TAGS, o importante é aos poucos causar um grande impacto nas vidas de muitos.
Zoe Elizabeth James nunca nadava antes de fazer parte do TAGS. Ela não sentia-se confortável na piscina por causa de seu peso. James frequenta o TAGS porque precisa perder peso antes de realizar sua cirurgia de adequação de gênero.
James vem de Essex, a quase uma hora de distância de Londres. Ela não é a única que viaja uma boa distância para nadar nas noites de sexta-feira. Outros integrantes vêm de Kent e outras regiões fora de Londres.
“Quando estou lá, sinto que ninguém está me olhando, ninguém está me julgando; todes são como eu”, comemora James.
James vem ao TAGS toda sexta-feira à noite porque sabe que pode “vir e ser eu mesma”. Depois de fazer várias piscinas, ela volta para casa.
Francis pretende levar o TAGS para mais cidades através do Reino Unido, algo que acredita ser possível e muito necessário. Em cinco anos, Francis tem como meta que haja um grupo TAGS em cada cidade do país.
No momento, pessoas trans que vivem longe das grandes cidades, em áreas rurais, têm que viajar de 80 a 120 km – mais, às vezes – para ter acesso a grupos de natação transgênero e a grupos de apoio transgênero, algo que precisa ser resolvido urgentemente, considera Francis.
“Eu não paro de bater nas portas das pessoas. Eu não desisto. Eu não aceito não como resposta. E por que deveria? Nós não estamos pedindo muito. Só queremos um espaço seguro para socializarmos e nadarmos.”
O TAGS já transformou as vidas de pessoas transgênero e fora da conformidade de gênero dentro das principais cidades britânicas.
Para Megan Faulkner, fazer parte do TAGS significa combater o binarismo de gênero.
“Reduzir-nos todes a essas caixinhas nos causa tanto mal. Acaba com nossas perspectivas. É algo que tem que ser combatido. Eu vejo isso como parte da luta dos direitos humanos para todas as pessoas”, explica.
“Estamos mostrando a todes que fazemos parte do cotidiano, e está se tornando impossível não nos dar mais ouvidos”.