Traduzido do artigo de Richard Morgan para o jornal The New York Times
Logo antes da meia-noite, numa quinta-feira, aqui no Malecón, a calçada que corre por oito quilômetros ao longo da costa, Wilder Calderon Peña, 24 anos, bartender e agente do Airbnb, fazia sua dança do trovão.
“É pro relâmpago me acertar e acender meu cigarro”, dizia. E, sem dúvida, logo um desconhecido caridoso lhe fez as honras. “Bem vindo ao Planeta Cuba”, disse Calderon, que se identifica como bissexual, depois de seu primeiro trago. “É assim que o universo funciona aqui. Você faz o bem. Alguém te faz bem. É carma. É a lei da atração.”
Ele então atravessou a rua para assistir a um show de drag no mYXto, um bar gay-friendly, onde ficaria até as 5 da madrugada.
A lei da atração rege o Malecón, um local popular para todos os habaneros, especialmente para os gays – inclusive para os garotos de programa. Outro habitué, Jorge Luis Ramos Medina, 30 anos, um engenheiro de informação gay, descreve esse lugar de atrativos variados como “o sofá de Havana”.
É o que cidades dos Estados Unidos e da Europa, antes da internet, chamavam de “áreas de pegação” – locais que, em grande parte, tornaram-se artefatos pitorescos do passado gay, substituídos por aplicativos de pegação como o Grindr, Jack’d e Scruff. Havana é como a vida noturna era antes do Grindr.
Numa ilha de comunistas, os cubanos gays foram por muito tempo os despossuídos de Havana, os últimos dentre iguais. Isso começou a mudar em 2008, quando, depois de um discurso sobre direitos LGBT feito por Mariela Castro Espín, a filha do presidente Raúl Castro, a capital presenciou sua primeira parada do orgulho gay, que veio a se repetir anualmente, não tanto como um espetáculo de homens sem camisa e mais como um protesto. Kingbar, estabelecimento aberto no ano passado em Vedado, o bairro do momento, remete a uma época em que os bares norte-americanos ainda tinham um certo ar clandestino.
“Liberdade de expressão!”, comemora Manuel Subarez, 27 anos, sanduicheiro num café e também um “superfã de Lena Dunham em tempo integral”. “É como se hoje a gente pudesse fazer qualquer coisa, porque a gente é gay”, declarou durante a parada desse ano, mostrando com orgulho sua regata com estampa de Keith Haring. A homossexualidade foi legalizada em Cuba em 1979, mas uma lei de 1988 proíbe que sua presença seja “manifestada publicamente”.
“A revolução continua”, clama a dra. Castro, 53 anos, educadora sexual, no festival pós-parada oficial enquanto erguia uma placa com as cores do arco-íris em que se lia o lema desse ano, “Yo Me Incluyo” (Eu me incluo). “Até que haja igualdade e diversidade para todos os cubanos em todos os aspectos de nossa sociedade.”
Um bar totalmente dedicado aos gays – ao contrário de outros que têm apenas, digamos, uma noite dedicada à clientela gay – abriu aqui em 2013, o primeiro na história de Havana. A reação a seu fechamento em outubro do ano passado foi um dar-se os ombros coletivo, vindo daqueles que estão acostumados a lidar com reveses. Mais estabelecimentos dedicados a gays estão por vir, para juntarem-se a dúzias de festas semanais e a Mi Cayito, uma praia popular entre os gays. E o Malecón por si só é uma cena vital demais para se encerrar. Frequentemente os clubes gays enchem-se com o canto em plena voz de um hino pop de Jacob Forever: “hasta que se seque el Malecón!”.
O wi-fi já são outros quinhentos. Cuba tem por volta de 4 mil usuários ativos do Grindr todos os dias, afirma Jennifer Foley Shields, relações públicas do aplicativo. Mas uma série de check-ins feitas recentemente por esse repórter revelou, em média, 11 usuários online nessa cidade de dois milhões de habitantes.
Mesmo num hotel cinco estrelas na beira do Malecón, com recepção de wi-fi que chegava a quatro barras, fazer um check-in, depois de várias tentativas em vão, exigia 14 minutos.
Essa experiência é ainda mais custosa para os nativos, que pagam 2 pesos cubanos conversíveis por hora para utilizar a internet. (Os salários cubanos são, em média, de 20 pesos cubanos conversíveis por mês.) Usuários de produtos da Apple, além disso, depois de destravarem seus iPhones, têm que pagar para que intermediários instalem aplicativos. Vários gays cubanos dizem que ou lhes falta dinheiro, ou lhes sobra vergonha, para pedir que alguém instale o Grindr ou algum de seus competidores.
Joel Simkhai, 39 anos, fundador do Grindr e seu chefe executivo, já se vangloriou do alcance de seu aplicativo em nações com dificuldades tecnológicas. Esse ano, depois de visitar a ilha, Simkhai declarou à revista On Cuba que os gays cubanos “ainda não conseguem usufrui-lo 100 por cento”. Durante sua visita, ele promoveu uma festa patrocinada pelo Grindr em um bar durante uma noite gay.
Em entrevista por telefone, Simkhai negou-se a dizer qual é a banda mínima necessária para que o Grindr funcione, e completou: “nossos números estão OK. Esse não é um grande mercado para nós”. Cuba, considera, “é uma oportunidade para expansão em um mercado que está morrendo de vontade de ter o Grindr.”
Ano passado o governo cubano criou áreas de wi-fi públicas pagas. A companhia telefônica Verizon iniciou o primeiro acordo de roaming de dados entre Cuba e os Estados Unidos em setembro. Em março, Google anunciou planos de criar um centro de tecnologia aqui, oferecendo 70 megabytes por segundo (diferente da velocidade normal daqui, de um megabyte por segundo).
Calderon, que atende pelo apelido de Wild, tem contas no Grindr, no Hornet, no PlanetRomeo Uncut e no Scruff, e afirma ser o único homem de Havana no Daddyhunt. Ele não vê graça nos aplicativos.
“A vida gay é uma questão de ser aberto, de ser ilimitado”, insiste. “Sou bissexual, porque prefiro o ilimitado. Por que é que alguém – bissexual, gay, seja o que for – gostaria de se aprisionar a uma foto, como um perfil de internet num aplicativo? Essa é apenas uma forma diferente de armário, uma caixa. Que tédio.”
Seu amigo Juan Carlos Godoy Torres, 25 anos, saxofonista e flautista, e pai de um garoto de 8 anos, concorda.
“Eu não lutei por cinco anos de desenvolvimento lento da comunidade gay para acabar gastando dois ou três CUCs por hora e quem sabe talvez acabar encontrando uma pessoa virtual”, diz Godoy. “Prefiro a magia das ruas, alguém que me aprisione com o olhar, capaz de dançar comigo, de tocar meu rosto. Quero mais que sexo.
“Eu já fui casado, e quero aquele momento de revelação daquele dia em que você conhece alguém pela primeira vez, aquela surpresa. Isso não é possível se estão me mandando mensagens que começam com fotos de seu peitoral. Isso não é romance. É mercado.”
Queria saber mais. Para mim, a reportagem foi bem rasa neste aspecto. Acho curioso essa tendência de ressignificação da chamada pegação gay. Pegação, para mim, não é ter conta em rede social e a partir daí marcar encontros. Achei romântico as opiniões dos cubanos em relação ao uso do aplicativo. Será por que em Cuba a população seja mais sofisticada, em um sentido cultural/educacional/espiritual? No fim das contas, para mim, ser humano, continua sendo puramente ser humano. É uma condição, infelizmente. Acho que esses aplicativos vieram atender uma demanda que agora está figurando no palco das ramificações evolutivas das praticas de relacionamento sexual. E não é para todo mundo, como pode querer parecer, com certeza. Observo que esses aplicativos otimizaram muito a caça de pessoas mais exigentes e sem quase nenhuma paciência para a diversidade e adiversidade. É o empoderamento aberto de uma classe. Mais um reflexo da dureza desses novos tempos que todos podem perceber, se assim desejarem. Mas as formas antigas, ainda sobrevivem. Sempre estarão em qualquer lugar, enquanto existirem diferenças e diferentes.
Aqui no Rio de Janeiro, os bares de frequência Gay estão cada vez mais reduzidos. Em São Paulo, no Arouche vi bares abertos a tarde onde pude ir com um então namorado. Aqui, os bares só tem participação gay durante a noite. A famosa Farme de Amoedo é financeiramente inviável para um cidadão médio. A falta de opções diurnas é fato… e não lido bem com aplicativos…