Traduzido do artigo de Nico Lang para o site Ravishly
É apenas questão de tempo. Depois que o casamento homoafetivo é legalizado – seja no Brasil, nos EUA ou, mais recentemente, na Colômbia – a comunidade LGBT celebra esse momento histórico e prepara-se para aquele golpe inevitável: a onda de divórcios homoafetivos.
A enxurrada de separações parece tão inevitável que algumas firmas de advocacia dos EUA estão abrindo divisões especializadas em divórcio homossexual. Em junho de 2015, Conor Corcoran, um advogado da Filadélfia, anunciou que sua firma tinha o “orgulho de ser… a primeira companhia dos EUA a atuar no campo do divórcio homossexual”. Corcoran oferece “Serviços domésticos privados para clientes, 24 horas por dia, 7 dias por semana, de costa a costa, não importa qual seja sua orientação sexual”.
Estudos recentes mostram, no entanto, que o divórcio homossexual pode não ser esse filão promissor que tantos esperam.
O Departamento Central de Estatísticas da Holanda descobriu que, nos 15 anos desde que o país aprovou o casamento igualitário, os casais homoafetivos exibem uma taxa de divórcio inferior que a média dos casais heterossexuais. De acordo com uma pesquisa realizada em 2013 pelo órgão, a taxa de divórcio para os casais como um todo é de 36,3%.
Os casamentos entre dois homens têm uma taxa de sucesso comparativamente maior: desde que homossexuais tiveram permissão para casarem-se em 2011, apenas 15% dos casamentos entre dois homens chegaram ao fim. A taxa de divórcio entre casais formados por duas mulheres é mais alto – mas ainda modesto: 30%.
Essa pesquisa é confirmada por outra realizada recentemente pelo Williams Institute, que demonstrou que a taxa de separação entre homossexuais é aproximadamente metade da taxa de casais heterossexuais: em geral, aproximadamente 2% dos casais heterossexuais casados divorciam-se por ano, enquanto a cifra é de 1% entre os casais homossexuais. Essas taxas mantêm-se na Inglaterra e no País de Gales: estatísticas computadas pelo Escritório Nacional de Estatísticas britânico demonstram que, desde 2005, os casais héteros têm propensão duas vezes maiores que os homossexuais a se separarem.
Por que os casais gays não se separam?
Esse fenômeno acontece, em parte, por pura decorrência demográfica. Apesar de pessoas LGBT enfrentarem níveis desproporcionalmente alto de pobreza, a realidade de casais homoafetivos que estão juntos a muito tempo é outra: em média, casais homossexuais têm níveis maiores de educação e de renda que casais heterossexuais. Esses fatores têm forte correlação com relacionamentos bem-sucedidos por razões que deveriam ser óbvias – todos conhecem casais que brigam por causa de dinheiro, e quando se tem menos dinheiro, se tem mais motivos para conflito.
No caso da Holanda, um dos fatores que colaboram para os níveis invejáveis de casamentos homoafetivos bem sucedidos do país é o fato de que os casais homossexuais costumam esperar mais tempo até casarem-se, e em média trocam alianças quando são mais velhos. Enquanto 64% dos casais heterossexuais subiram no altar antes dos 35 anos, quase 75% dos gays que se casaram esperaram até depois dos 35 para fazer o mesmo.
Há uma lenda popular de que 50% dos casamentos civis acabam em divórcio, mas isso não é verdade há décadas. A onda de divórcios teve seu pico na década de 1970, quando a separação de Elizabeth Taylor e Richard Burton – que divorciaram-se duas vezes – tomou conta do noticiário. Sarah Aslanian, da rede NPR, considera que esse foi o momento da “revolução do divórcio”: “os papéis dos gêneros estavam mudando. Não havia mais problema se a mãe era médica e o pai era enfermeiro. Cada vez mais, não havia problemas em se abandonar o confinamento do casamento.” Essas mudanças nos padrões e expectativas para os gêneros levaram a casamentos mais felizes e mais saudáveis para todos.
Como muitos já perceberam, os relacionamentos duram mais tempo hoje em parte devido a fatores como o controle de natalidade e a igualdade cada vez maior entre os gêneros dentro do lar. Os casais de hoje em dia também tendem cada vez mais a coabitarem antes de se casarem, e esperam mais tempo antes de colocar tudo no papel. Os casais também dispõem da opção de simplesmente não se casarem, o que significa que aqueles que decidem fazer esse gesto tendem a investirem mais em seu casamento.
Esse último fator em parte explica por que os níveis de divórcio são tão baixos nessa primeira leva de casais homoafetivos que se casaram nos EUA. Muitos daqueles que oficializaram suas relações no último ano são aqueles que estão esperando a tempo – às vezes, décadas – para que o Estado reconheça suas uniões.
Jack Evans e George Harris, um casal octagenário, está junto a mais de 50 anos e só conseguiu trocar alianças em Dallas no ano passado. Muito dificilmente o casal vai precisar dos préstimos de Conor Corcoran tão cedo. Tudo indica que, conforme aumenta o número de casais homossexuais que se unem a Evan e Harris nos sagrados laços do matrimônio, essas cifras devem se manter estáveis, especialmente entre os gays.
O psicólogo dinamarquês Vibeke Nissen disse à revista Psychology Today que as mulheres tendem a se divorciar mais que os homens. “As mulheres simplesmente têm expectativas diferentes quanto ao casamento que os homens”, explica. “E se elas não têm essas expectativas cumpridas, elas preferem ficar sozinhas”.
A principal vantagem que os casais homoafetivos têm sobre os heterossexuais, no entanto, é a falta de expectativas sociais pesando sobre suas uniões.
Como o casamento é um conceito ainda bastante novo para os casais queer, os parceiros que constituem essas uniões são forçados a estabelecer seus próprios limites e suas próprias regras quando a questão é compromisso – e até monogamia. Um estudo realizado na década de 1980 descobriu que 80% dos homens em um relacionamento duradouro com outro homem já haviam feito sexo com alguém fora desse relacionamento. Uma pesquisa conduzida três décadas mais tarde por pesquisadores da Universidade Estadual de San Francisco descobriu que quase metade dos casais gays viviam em relacionamentos abertos.
Sejam casamentos abertos ou apenas parceiros comprometidos que se divertem de vez em quando, “os relacionamentos abertos gays, na verdade, duram mais tempo”, afirmou Scott James em seu artigo publicado em 2010 no jornal The New York Times. Isso não quer dizer que a não-monogamia seja melhor – apenas que os relacionamentos têm muito a ganhar quando os envolvidos decidem mutuamente qual é o tipo de relação que é melhor para todos.
Como os heterossexuais herdam de seus pais as definições do que é casamento, eles podem não ter a mesma flexibilidade quanto aos limites sexuais ou até mesmo para comunicarem-se.
O temor renitente dos conservadores é que reconhecer os relacionamentos homossexuais pode destruir a instituição do casamento – mas, se o casamento homoafetivo afetou a instituição de alguma maneira, foi tornando-a mais forte. Pode parecer anátema para os conservadores, mas os heterossexuais poderiam aprender muito com os casais homossexuais sobre o que significa permanecer junto ou como definir seu próprio relacionamento por conta própria.
Há uma razão por que o divórcio provou ser uma mudança tão grande na história do casamento: antes de terem permissão para abandonar seus relacionamentos, muitos casais sequer percebiam que essas uniões eram uma escolha.
Quatro décadas depois que Richard Burton e Elizabeth se separaram pela primeira vez, a revolução continua em curso.