Traduzido do artigo de Christina Cauterucci para o site Slate.com
O mundo conheceu poucos superastros com uma personalidade capaz de se equiparar à extravagância de Prince, capaz de fluir entre gêneros. O ícone do pop e do R&B, falecido na última quinta-feira aos 57 anos, enchia seus álbuns com uma pansexualidade descarada e descaso pelas normas de gênero – provocações tornadas ainda mais potentes por seus talentos acachapantes como cantor, criador de melodias, e guitarrista. Anos antes dos líderes das comunidades gays e lésbicas começarem a aceitar uma noção mais cheia de nuances e menos binária do que é ser queer – e décadas antes das políticas transgênero e genderqueer tornarem-se tópicos de interesse para a cultura mainstream – Prince apresentava um estudo vivo do que um mundo sem rótulos rígidos poderia oferecer.
“Eu não sou mulher. Eu não sou homem. Eu sou algo que você jamais será capaz de compreender”, cantava Prince em “I Would Die 4 U”, de 1984. Ele estava certo – poucos podiam se dizerem capazes de compreender completamente a maneira como Prince facilmente incorporava a masculinidade e a feminilidade ao mesmo tempo. A maneira como cuidadosamente evadia as classificações convencionais provocavam fascinação sem fim. A capa de Lovesexy, de 1988, oferece uma expressão clássica da bricolagem de gênero aparentemente incongruente que ele fazia tão bem.
A forma recatada e sexual de Prince sobre um mar de flores sinaliza a feminilidade. Mas ele também exibe suas características masculinas: Prince cobre seu mamilo como se fosse um seio, mas expõe o peito cabeludo. Suas pernas parecem lisas e depiladas, mas um bigodinho à John Waters aparece em seus lábios.
Assim como David Bowie fez antes dele, Prince era extravagante tanto em sua masculinidade como em sua feminilidade. Ele portava suas guitarras absurdas como se fossem extensões de seu membro, ao mesmo tempo que seduzia com seus olhos pintados e cascatas de joias. Ele até se vangloriava de que suas características traducionalmente femininas lhe traziam um poder sexual particular: “A maneira como eu visto calcinhas nessa bundinha dura / faz as minas me ligarem todas as noites”, ele cantava em “Prettyman”, de 1999. “Onde quer que eu vá, as pessoas param e ficam olhando / Elas só querem me ver agitando esse cabelo lindo”. Mais do que desprezar as fronteiras de gênero e sexualidade, Prince as destroçava com o pé no peito (e salto plataforma), esfregando o volume visível em suas calças na cara de quem se recusava a ver.
Essa concepção caleidoscópica de gênero tornou-se integral à própria essência de sua identidade. Quando Prince abandonou seu nome artístico e passou a adotar o “símbolo do amor” em 1993, ele incluiu elementos dos símbolos de Marte e Vênus, ou masculino e feminino, em seu design. Hoje, símbolos similiares são utilizados para designar pessoas trans, genderqueer ou intersexo.
Muitos consideram que uma das faixas de Prince, “If I Was Your Girlfriend” (“Se eu fosse sua namorada”), de 1987, é uma maneira de explorar tangencialmente a questão da identidade transgênero. “Se eu fosse sua namorada / você se lembraria de me contar as coisas que você esqueceu de dizer / quando eu era seu homem?”, cantou. “Você me deixaria lavar seu cabelo / Será que algum dia faria café da manhã para mim / Ou então, a gente poderia apenas ficar junto, quer dizer / a gente poderia ir ver um filme e chorar juntos?… quer dizer, a gente não tem que fazer filhos para fazer amor / e mais, a gente não tem que fazer amor para ter um orgasmo”.
Para os fãs, a apresentação ampla de gênero e sexualidade que Prince oferecia prometia uma existência mais honesta e aberta. “Eu perdi o medo de exibir muitas das qualidades estereotipicamente femininas que estavam em mim”, escreveu StainedGlassBimbo, que se declara heterossexual, num fórum para fãs de Prince. “[Ele me mostrou que] você não tem que ser masculino para ser homem”. Outro membro do fórum se encantava com a masculinidade fanfarrona de Prince, envolta pelos ornamentos do “sexo frágil”: “Lá estava esse cara vestindo renda e joias – e cantando de maneiras de se fazer sexo com mulheres que eu nem sabia que existiam!”.
A androginia e sexualidade desenfreadas de Prince inspiraram gerações de músicos. Adam Levine, que já gravou covers de Prince e já declarou que o artista era alguém “sem limite… sem temores, e sem constrangimentos”, posou nu para a edição britânica da revista Cosmopolitan em 2011, com apenas as mãos de sua esposa Behati Prinsloo cobrindo sua genitália. A imagem remetia a uma capa da revista Notorious que Prince fez décadas antes, vestindo um casaco de pelúcia, um brinco de argola gigante, e as mãos de uma amante. Em 2006, o músico gay Rufus Wainwright escreveu em um artigo para o jornal britânico The Guardian que a maneira como Prince maltratava as noções de gênero permanece sem igual na música pop moderna. “Parece estranho falar hoje que Prince é um ícone gay, mas temos que aplaudir um homem negro na indústria fonográfica norte-americana que brincava tão livremente com a androginia”, comentou. “Justin Timberlake é incapaz de fazer isso. Ele é um soldado fantasiado de estrela pop”. Em tributo, na quinta-feira, o rapper bissexual Frank Ocean escreveu:
Ele era um homem negro e hétero que apareceu na TV pela primeira vez vestindo a parte de baixo de um biquíni e botas de salto alto: épico. Ele fez com que eu me sentisse mais confortável com minha identidade sexual simplesmente por exibir sua liberdade e pela irreverência como tratava ideias obviamente arcaicas como a conformidade de gênero.
Apesar de aceitar abertamente o conceito de fluidez de gênero, a sexualidade pessoal de Prince sempre foi uma incógnita. As letras de suas músicas demonstravam um tipo de sede onissexual pelo prazer, mas alguns versos faziam com que alguns fãs se perguntassem sobre suas preferências sexuais. Em “Controversy”, de 1981, Prince examinava sua etnia multirracial juntamente de sua sexualidade: “Sou negro ou branco? Sou hétero ou gay?”. Em “When You Were Mine”, ele cantava sobre estar na cama com uma amante, mas com o novo namorado dela entre eles. Prince às vezes respondia para os jornalistas curiosos que era hétero, mas, na maioria das vezes, ele se esquivava dando de ombros ou respondendo “Por que isso importa?”. Isso não impedia que homens que se identificam como heterossexuais o desejassem. Num fórum chamado Testosterone Nation – testosterona para ganhar músculo, não para fazer terapia de adequação de sexo – um usuário com o nick byukid resumiu bem como se sentiam milhares de caras héteros que se pegavam babando por Prince na plateia de seus shows: “Eu me tornaria gay pelo Prince, mas não sei se ele tem um gênero definido”.
Prince, no entanto, provavelmente não responderia de maneira recíproca. Ele se tornou testemunha de Jeová em 2001, e começou a soar cada vez mais homofóbico conforme envelhecia. A revista New Yorker perguntou-lhe suas opinições sobre o casamento igualitário e aborto em 2008; Prince bateu o dedo sobre sua Bíblia e disse, “Deus veio à Terra e viu as pessoas metendo em qualquer lugar e em qualquer um, e limpou tudo. Assim, ele disse ‘Chega’.” Em 2013, o artista lançou uma faixa chamada “Da Bourgeoisie” que continha versos que muitos consideraram anti-gay ou bifóbicas: “Ontem eu vi você mandando ver com outra garota / Você estava agarrada na cintura dela / Na última vez que eu conferi, você tinha me dito que havia abandonado o mundo sujo… Parece que eu só sirvo quando você está por baixo / Quem sabe você é apenas outra mulher barbada no cabaré”.
Ainda assim, a fluidez de gênero e ambiguidade sexual de Prince tornaram possíveis que músicos futuros, queer ou não, explorassem novas formas de expressão de suas identidades e sexualidades. O fato de ser ao mesmo tempo um ícone gay idolatrado e talvez um pregador antigay é apenas uma gota num oceano vasto de contradições que faziam que Prince fosse um artista tão magnético, um performer virtuoso tanto da música quanto do gênero.
O erro está no absurdo de o quererem classificar porque a sociedade não consegue libertar-se de estereótipos. Abstraiam-se, libertem-se e deixem fluir o ser que há em cada um de vós em cada momento do vosso percurso na vida. Não se rotulem e não se tornem imutáveis!
Ele não se tornou homofóbico, as testemunhas de Jeová respeitam as pessoas, minha prima é lésbica e a mãe dela é testemunha de Jeová. homofobia é quando a pessoa desrespeita a outra, ou se acha superior pela sua sexualidade, procurem saber mais antes de publicarem coisas desse tipo.