A Bíblia é, sem dúvida alguma, um dos textos mais importantes do mundo. Seja você cristão ou não, as ideias registradas no Antigo e no Novo Testamento (e suas interpretações) afetam de alguma maneira sua vida. Ela é uma das armas mais usadas para se destilar preconceitos que prejudicam as vidas de milhões de pessoas ainda hoje. O que a maioria das pessoas não entende é que o texto impresso hoje é resultado de milênios de traduções, interpretações e adaptações de discursos criados para contextos bem diferentes dos atuais. Faz-se necessária uma nova interpretação da Bíblia. E é aí que entra Robert Whitehead.
Whitehead é um poeta norte-americano que lançou recentemente uma campanha de financiamento coletivo para que possa se dedicar a criar uma nova tradução inclusiva da Bíblia. A auto-intitulada Bíblia Queer tem como objetivo, ele explica, “criar um espaço inclusivo e festivo dentro desse texto, que desfaça o sexismo, misoginia, heterosexismo, opressão hierárquica e vergonha sexual implícitos [nas traduções atuais], e reconstitua o feminino, o queer, os renegados, os estranhos. Estou criando uma tradução radical que é radicalmente inclusiva.”
O autor explica como isso será feito: “farei alterações nos pronomes, nas escolhas de palavras, e na retórica, para que se permita interpretações queer. Quero revisar as metáforas, alegorias, e a narrativa, para desfazer os problemas criados pelo olhar masculino, redistribuir a atenção para personagens marginalizados, e varrer a ideologia heterosexista das histórias”.
“A Bíblia não foi escrita no vácuo”, continua. “Assim como qualquer outro ciclo mítico, ela foi escrita como parte das tradições que a antecederam (muitas vezes pagãs, tribalistas, ou culturais, e frequentemente queer). Com o passar do tempo algumas foram incorporadas, outras rejeitadas, mas ela sempre se alterou com o passar do tempo.”
Em entrevista ao site Dazed Digital, Whitehead lista alguns dos trechos que receberão maior atenção: “É claro que o Levítico tem alguns versículos em particular que são excepcionalmente violentos para o corpo queer, e a história de Sodoma e Gomorra tipicamente associa a homossexualidade com a destruição daquela sociedade (apesar de que isso não está explícito no texto). Mas há alguns momentos, como o relacionamento entre Davi e Jônatas no livro de Samuel, ou a relação entre Rute e Noemi no livro de Ruth, que podem tornar-se muito mais explícitos e demonstram o potencial queer da Bíblia“.
Com 22 dias de campanha ainda pela frente, o projeto já ultrapassou sua meta de arrecadação. Whitehead afirma que não cuidará sozinho dessa empreitada: “Espero envolver outros pensadores, escritores e artistas queer nesse projeto, porque eu sei que não posso ser o único a definir o que significa ser queer. A pluralidade de expressão é um conceito-chave para esse projeto, e, por ser uma pessoa queer, eu quero garantir que toda minha comunidade estará representada, em todos seus tons e variedades.”
Apesar de não ser religioso, Whitehead garante que respeitará a obra. “A Bíblia é um texto maravilhoso, mas infelizmente vem sendo usada há séculos para apoiar ou oprimir pessoas queer. Assim como ela já foi usada para justificar a colonização, ou para defender a escravidão. Quando líderes religiosos, políticos e culturais usam a Bíblia em prol de causas que, ao meu ver, são injustas, ela nos falha.”