Lembram quando a gente publicou aqui que o filme Stonewall, que pretendia recontar a revolta dos LGBTs novaiorquinos contra a opressão policial no fim da década de 1960, estava sendo boicotado por ativistas por colocar as figuras históricas do movimento (em sua maioria transgêneros, travestis, lésbicas caminhoneiras e negr@s) como coadjuvantes de um personagem branco e fictício?
Na época – e em entrevistas coletivas posteriores – o diretor do longa, Roland Emmerich, disse que essas críticas eram feitas por pessoas que não tinham visto o filme. Pois é, só que agora essa desculpa não cola mais. O filme estreia nesta semana aqui nos Estados Unidos e foi detonado por vários críticos de cinema que assistiram ao filme e o classificaram como “terrível, ofensivo e desastroso”. Aliás, desastroso é um adjetivo quase que premonitório – afinal de contas, por que diabos um estúdio resolve colocar um diretor de filmes de desastre (como Independence Day, O Dia Depois de Amanhã, 2012 e Godzilla) para conduzir uma história sobre direitos humanos? Surfar no hype da diversidade que tomou conta de Hollywood?
Qualquer que tenha sido a “boa intenção” por trás disso, no entanto, não convenceu os críticos. E, pelos argumentos que eles usam, não vai nos convencer também. Pode convencer alguns de nosso leitores machões que odeiam pintosas, no entanto. Vejam o que a Vanity Fair disse:
Acontece que Stonewall é talvez ainda pior do que alguns temiam que seria, mais ofensivo, mais “embranquecido”, mais mal feito. É tão ruim que é difícil saber por onde iniciar a lista de pecados do filme. Talvez com o seu olhar sexualmente envergonhado, que tem Danny (Jeremy Irvine), o pobre galã com cara de bebê Johnsson – chutado para fora de sua casa por seu pai treinador de futebol americano depois que ele é pego pagando um boquete para o quarterback e que, ao chegar a Nova York, é devorado homens mais velhos e brutos. Em duas cenas diferentes, Danny chora lamentavelmente quando um desses homens o chupa – por dinheiro, claro! Danny também evita os avanços de qualquer homem mais jovem que não seja branco, particularmente o personagem de Jonny Beauchamp (Ray/Ramona), um menino de rua latino que se apaixona por ele.
Neste momento, a mensagem que filme passa é a de que Danny nunca poderia se apaixonar, ou fazer sexo, com alguém cujo gênero seja tão fluido como Ray. Não, não, pessoas como Ray são destinadas a viver sempre nas sombras dos bons americanos como Danny. Mas quando o personagem de Jonathan Rhys Meyers o seduz ao som de “A Whiter Shade of Pale”*, isso é entendido como sendo OK, porque ele é, pelo menos, um cara branco um pouco masculino.
*N. do T.: Sucesso de 1967 da banda Procol Harum que, em tradução livre, significa “Um Tom de Pálido Mais Claro”
Afinal de contas, certamente todos nós desejamos ter um namorado com certificado da Bel-Ami como Danny, certo? Bem, alguns de nós, com certeza, mas é claro que muitas outras pessoas não estão nem aí para a ideia que Ray está vendendo, especialmente qualquer um dos outros garotos de programa não-brancos ou não-masculinos que povoam Stonewall, mas que, no filme, não recebem um mínimo de atenção. O filme nunca poderia sequer considerar essa possibilidade, claro.
Stonewall segue em frente com a sua história piegas sobre o crescimento pessoal de Danny – afinal,só importa o drama quando há um homem branco, jovem e bonito no centro da história. Porque o que poderia ser mais maravilhoso e atraente do que isso? Esta pode, infelizmente, ser a opinião de alguns no mercado, mas quem se importa com essas pessoas? Eles já têm filmes feitos para eles de sobra.
O que isso significa é que os cineastas tendem a validar suas preferências e preconceitos pessoais culpando o sistema. É assim que tem que ser, porque é assim que o mundo é. Por isso temos que ver, literalmente, a mão de um personagem negro entregar a Danny o tijolo que irá iniciar a revolta após Danny gritar “Gay power!”
O The Wrap foi menos apaixonado, mas igualmente crítico ao teor heteronormativo e racial do filme. E deu um título que também faz piada com a biografia do diretor, dizendo que este “é um novo gênero de filme de desastres” e que intenções não são suficientes para atingir resultados.
Stonewall de alguma forma consegue ser simultaneamente inchado e anêmico, populoso e despovoado. É uma história sobre um verdadeiro acontecimento histórico que gasta tempo demais em seu personagem principal fictício; o tom é tão errático e artificial que não seria surpreendente se o filme se tornasse de repente um musical. E como o filme fica mais e mais maçante, você acaba desejando que esses personagens comecem mesmo a cantar, nem que seja para variar um pouco.
Mesmo se a devoção do filme por seu protagonista foi concebida como uma estratégia para vender a história para o público heterossexual, que poderia evitar um filme sobre um momento chave na luta pelos direitos LGBT, Stonewall é um serviço tão porco que você não pode imaginá-lo sendo atraente para qualquer pessoa, gay, hétero ou transgênero.
E teve também a Variety, que embora tenha dito que o filme não é tão horrível quanto se pensa, escreveu o seguinte, após sua exibição no festival de Toronto.
Com Stonewall, o diretor abertamente gay coloca a fantasia especulativa de lado e opta por se envolver com uma crise do mundo real mais intimista , utilizando o enorme dinamismo de 1969 da histórica revolta de Greenwich Village como uma plataforma para abordar a epidemia dos sem-teto entre os jovens LGBT do passado e do presente. Embora seja encorajador ver tal assunto tratado com a mesma grandiosidade que proporcionou invasões alienígenas, particularmente num momento em que os direitos dos LGBTs estão em evidência, o público carente de representação merece mais do que esta coleção problemática de estereótipos, que não têm o mesmo poder de catalizar emoções universais como Selma ou Milk, e não vai chegar perto de suas bilheterias.
Minha opinião? Não vi e não gostei, mas vou assistir.
Quem se sente incomodado com o fato de se reclamar do protagonista branco precisa rever seus conceitos URGENTEMENTE. Estamos falando de um filme baseado em fatos reais, um filme sobre um momento histórico, qualquer outro filme teria a preocupação de ser realista e minucioso colocando os personagens certos em seus lugares devidos, mas esse filme é uma piada pronta, primeiro pegam o diretor péssimo que só faz filmes pipocas e depois enbranquecem o elenco em nome do público? Que público? O público que é racista velado e não quer admitir?
Tá, que todos acham que o filme é uma droga e tudo o mais. E que a única função desta postagem é vender essa ideia mais ao fundo. Mas precisa monopolizar no fato de o protagonista ser um cara branco? (E vocês vão ter que adimitir que o Jeremy é um dos atores mais lidos dos últimos tempos). Tipo, isso é como a criminalizão da pobreza. Você não pode fazer juízo em cima disso, e em nenhuma cor ou raça. Seria como se as pessoas estivessem criminalizando o fato do protagonista ser branco. O fato de o filme ser ruim, nada tem haver com a raça ou cor do ator. Porquê até eu, que sou uma adolescente de 13 anos, percebi que esse post é puro e simplismente feito pra vender a ideia de que o filme é ruim. Pelo amor de Deus, né?
Esses comentários parecem ser todos enviesados pela indisposição prévia com o filme a partir das pressões anti-gay LBT. Personagem por personagem fictício, que reclamassem tanto desse protagonista quanto de Sylvia Rivera, cuja presença nos motins não passa de um mito, cuja presença no filme não tem outro motivo a não ser agradar as transativistas.
Segue um artigo a respeito dos motins.
https://waltersilvablog.wordpress.com/2014/03/20/um-mito-chamado-stonewall/
Gente, dá prá conter as lágrimas de homem gay cis não? Pelo amor né. A maioria ali era preta, era afeminada, era andrógina, era drag, era caminhoneira, era latina, era travesti e kd, mais uma vez subrepresentades. Não eram as gays brancas universitárias e de classe médias o grosso da população de rua LGBT. Qualquer revisionismo como o que vc postou não se sustenta sociologicamente, levando em conta a realidade concreta da sociedade noa iorquina dos anos 60/70, em especial a LGBT. Além disso, essa coisa higienista e normativas nas relações e afetividades LGBT’s se deu a partir do final dos anos 80 e anos 90, após o boom da epidemia de HIV/AIDS quando a campanha moralista e higienista tornou-se fortíssima, além do medo e desinformação, levando a um vitória – que graças a Cher agora está caindo por terra no momento que estamos vivendo novamente – de que bicha tinha que ser comportada, limpinha, normativa, machinha, discreta e fora do meio, sem fetiches, se dar ao respeito, monogamica e por aí vai. As pessoas simplesmente se pegavam enlouquecidamente e transavam enlouquecidamente, alô alô graças a Deus, sobretudo numa metrópole do mundo como Nova Iorque. Carolinhas como esse protagonista do filme é que eram a minoria.
Vamos ter que esperar por um real filme de Stonewall, quem sabe um pelo Gus Van Sant ou até lá um mais experiente Xavier Dolan! Pena!
não houve um outro filme chamado “stonewall, o lugar dos meus sonhos”, acho que no final dos anos 1990? tb não era a história de um garoto branco e gay do interior dos eua que vai vai pra ny e é “educado” pela “fauna” lgbt local – principalmente pelas trans que frequentavam o bar? como esse filme foi recebido na época? se o de 2015 é um “remake”, não estariam repetindo o mesmo erro? abs
Pelo que diz o The Guardian (reproduzo no final), ele botou grana dele e ele decidiu que caminho tomar. Sendo inclusive um diretor gay assumido, será que está sendo massacrado porque o filme é ruim ou porque não atendeu a agenda gay? E tinha que atender?
O trecho final da crítica do Guardian:
“It’s still difficult for gay cinema to pass into the mainstream. Emmerich, who put his own money into making the film, should be cheered for giving it a shot. Unfortunately the compromises he’s made leave Stonewall feeling neutered. A member of the Mattachine Society makes a speech about how gay men should assimilate. “Wearing a suit and tie will make them realise they’re just like you,” he says. Stonewall tries the same trick. By trying to disguise itself as a coming-of-age romance, it hides the real story underneath.”
Gato, acho que não se trata de agenda, mas de misrepresentation. Ele fez uma ficção sobre um fato histórico. E isso que tá pegando. Vou ver essa semana e analisar. Se tiver algo a acrescentar eu coloco aqui. Beijo.
Não vai ser a primeira vez que alguém fez ficção em cima de um fato real, não é? Não estou “defendendo”, mas botando num contexto inclusive de cinema em que realidade sempre foi algo subjetivo. Sabemos, por exemplo, que a Evita do Andrew Lloyd é uma personagem da cabeça dele, ainda que bastante parecida com a verdadeira, nem por isso o filme com Madonna ficou lixão. Não sei se o exemplo serve para ilustrar, talvez devesse pegar outro em que erraram feio na mão, por isso que perguntei se não estariam criticando por ser ruim, independente de não ser fiel.
Esperando suas impressões sobre o filme, mas já imaginando quais serão rs.
Evita foi xoxadíssimo pela crítica, pelo público e sobretudo pelo povo argentino.
Lamentável.
Não vou perder meu tempo e também não gasto meu dinheiro com esse filme, acho que vou ver O Pequeno Príncipe que é melhor! 🙂