Mulher trans mantém a barba e desafia os padrões de feminilidade

Mulher trans mantém barba e desafia a passabilidade compulsória

“Quero aumentar a amplitude do gênero”, afirma Alex Drummond, lésbica que vive como mulher há seis anos; "Ninguém deveria sentir-se forçada a adaptar seu corpo aos padrões"

por Marcio Caparica

Quando Caitlyn Jenner veio a público com sua transição, muito se falou do quão feminina e linda ela estava – muitos até chegaram a compará-la com Jessica Lange. Elogios merecidos, aliás. Mas fica a impressão de que grande parte da aceitação de Jenner se deve à conformidade aos padrões estéticos que ela escolheu seguir quando adotou seu gênero feminino. Outras mulheres trans que não têm os meios financeiros e/ou não querem encarar todos os procedimentos médicos, cirúrgicos e estéticos podem pensar que não têm opções. Alex Drummond, uma psicoterapeuta e fotógrafa da cidade de Cardiff, no País de Gales, decidiu desafiar essas convenções e, com isso, os padrões estabelecidos sobre o que é feminino ou masculino.

Alex é uma mulher trans de 51 anos que passou a viver no gênero feminino há seis. Ela, no entanto, optou por não fazer tratamentos hormonais nem submeter-se a cirurgias de adequação de sexo. Ela acredita que, dessa forma, ela abre espaço para que “mais pessoas declarem-se transgênero e vivam vidas autênticas”, como declarou ao site BuzzFeed News.

“Eu estava ciente de que era muito improvável que eu jamais conseguiria me passar por alguém que nasceu no gênero feminino, então queria descobrir se era possível criar um outro espaço. Simplesmente cortar a barba e colocar peitos não faria com que eu passasse por cisgênero. Eu costumava trabalhar para um arquiteto que dizia ‘quando se cria algo, deve-se alinhar tudo perfeitamente, ou desalinhar totalmente os elementos’. Essa foi a filosofia que eu segui.”

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Drummond espera que, com seu exemplo, pessoas trans não pensem que apenas aquelas que conseguem seguir a estética dominante, como Laverne Cox, Caitlyn Jenner ou Janet Mock, podem viver no gênero com que se identificam. “Se tudo o que se vê são mulheres trans que são completamente convincentes como mulheres que nasceram no sexo feminino, aquelas de nós que não tiveram esse tipo de sorte não terão a autoconfiança de declararem-se. Eu posso dizer para as pessoas que não conseguem passar por cisgênero: não tenham medo. Eu descobri que não é necessário passar por cis, é necessário agir autenticamente.”

Ela acredita que também pode expandir as possibilidades nas mentes de outras pessoas que não estão considerando fazer a transição de gênero. “Se uma criança olhar para mim e pensar ‘Caramba, quer dizer que as coisas não são tão simples como rosa ou azul, futebol ou balé, deve haver 101 possibilidades entre esses extremos’, acho que terei servido o bem maior.”

Drummond compartilhou sua história em um livro, entitulado Grrl Alex, e em um vídeo do canal My Genderation, no Youtube. “Eu nunca havia ouvido sobre o que era ser transgênero até meus 40 anos. Apenas quando comecei a pesquisar teoria de gênero para meu mestrado que eu descobri toda essa ciência incrível, e comecei a compreender coisas com que havia lutado por anos.”

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Alex deixou a barba crescer quando estava nos 30 anos, numa tentativa de parecer “mais macho”. “Cresci durante os anos 1970, e sofria muito bullying por ser visto como gay. Eu passei anos tentando me fazer passar por homem, construindo uma fachada, fazendo coisas hipermasculinas. Agora, depois da transição, eu posso viver autenticamente. Eu tenho mais amigos. Eu ainda tenho um bom emprego, e posso olhar no espelho e verdadeiramente gostar de quem eu vejo.” E qual foi sua reação quando viu Conchita Wurst pela primeira vez? “A vaca roubou meu visual!”, brinca. “Gostaria muito de conhecê-la, porque ela também questiona os padrões de gênero.”

“Por outro lado, eu fiz tratamento para remover os pêlos dos meus braços, porque eu não gostava de braços peludos, não sentia que eram femininos. Vai entender!”, ela ri.

A psicoterapeuta defende que aquelas mulheres trans que não sentem necessidade de submeter-se à cirurgia de adequação genital não devem fazê-lo. “O prospecto da cirurgia me aterroriza. Sabe, a ideia de que, para ser aceita como mulher, eu tenha que submeter meu corpo à medicina para que ele entre em conformidade com os padrões chega a ser ofensivo. As pessoas podem optar pela cirurgia, mas acho errado que sintam-se obrigadas ou forçadas a fazê-la. Se eu tivesse 19 anos hoje em dia, e tivesse crescido dentro de uma família que me apoiasse, eu provavelmente faria uma transição mais convencional: com essa idade eu poderia passar por cisgênero mais facilmente, e seria mais seguro para meu corpo lidar com o impacto da cirurgia e dos hormônios.”

Sendo uma mulher que sente atração por outras mulheres, Alex identifica-se como lésbica. “Eu estou num relacionamento sério há bastante tempo, mas sem dúvida faço a lésbica dentro das mulheres aflorar! Não faço o tipo de todas, mas recebo bastante elogios. Eu nunca era elogiada quando vivia como homem e tentava me fazer passar por homem, e no entanto, como mulher, eu regularmente sou elogiada por minha aparência.”

“Meu visual funciona porque cria algo explicitamente transgênero”, finaliza. “As pessoas percebem que eu tenho uma história como homem, mas que eu me apresento como mulher. Meio que desconstrói o gênero, torna-o mais queer.”

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