Traduzido do artigo de Lindsay Skinner para o jornal The Guardian
“Professora, você é lésbica?”
Essa é uma pergunta que você nunca gosta de ouvir de um aluno. Mas a essa altura, o que poderia ser pior? Nós estávamos no meio da filmagem de um documentário, Mr Drew’s School for Boys, num acampamento de verão para garotos com problemas de comportamento. Essa era a pergunta que eu estava torcendo para que não fosse feita na frente das câmeras.
Eu já trabalhava com esses alunos fazia apenas três semanas, e minha sexualidade era algo com que eu não queria lidar no momento. Eu não havia dito qualquer mentira, mas sem dúvida eu havia sido econômica – talvez até evasiva – com a verdade.
Agora aqui estávamos nós, na frente das câmeras de TV, e aqui estava Tom, um garoto com TDAH e um senso de certo e errado que não admitia qualquer tipo de negociação. Sua pergunta não podia ser ignorada. Eu quase era capaz de ouvir o zunido das lentes se aproximando de meu rosto enquanto eu fazia uma pausa para avaliar as consequências do que eu estava prestes a dizer, provavelmente para dois milhões de telespectadores.
“Professora, você é lésbica?”
“Sim”, eu respondi.
“Você é uma mentirosa”, ele retrucou. E era verdade – eu vinha mentindo por omissão.
Como professora, quando você está rodeada de crianças ou adolescentes o dia inteiro, ser declaradamente homossexual pode ser bastante assustador. E nesse momento também havia as câmeras. Mas pronto, eu já havia dito que era lésbica e não havia como voltar. Eu queria, com todas as forças, que isso não fizesse diferença para as crianças. Eu não necessito da aprovação deles, mas seria doloroso ser rejeitada pelos alunos.
O documentário foi ao ar e o canal Channel 4 decidiu não me tirar do armário na frente do país inteiro. Mas eu aprendi que, para mim, é melhor ser aberta quanto à minha sexualidade. Na maior parte do tempo eu tive sorte: todos os lugares em que trabalhei foram escolas com equipes realistas e alunos de mente aberta. Até mesmo Tom, do acampamento de verão, levou tudo numa boa depois que eu me expliquei. Ele supostamente era uma das crianças mais problemáticas do país, mas não sentiu a necessidade de me desafiar. Ele me disse que minha sexualidade não importava, que estava tudo bem e que eu nunca deveria tentar escondê-la. E essa é a alegria de ser professora: às vezes, seus alunos são mais sábios que você.
A recordação da primeira vez que um aluno me chamou de “sapatão de merda” ainda faz meu rosto se contorcer, então eu decidi que, enquanto a filmagem durasse, eu permaneceria no armário. Eram apenas alguns meses no acampamento de férias. Os garotos não precisavam conhecer minha orientação sexual para tentar melhorar seu comportamento e aprimorar seus conhecimentos de matemática. Mas esconder uma parte tão integral de mim ficava difícil quando meus colegas Mark, Ben, Dom e até o próprio Sr. Drew falavam abertamente de seus entes queridos. Então eu me referia à minha parceira como “uma pessoa” ao invés de “ela”, na esperança de que ninguém adivinharia. Você pode pensar que isso é ridículo na Grã-Bretanha do século 21. Mas esse mesmo conflito interno é sentido por professores de todo o país todos os dias.
Muitos (muitos mesmo) simplesmente sentem pânico do que aconteceria com eles caso saíssem do armário para todos na escola. Eles têm medo de tornarem-se vulneráveis a comentários de cunho pessoal – ou de alunos peçam para que eles sejam proibidos de entrar nos vestiários durante as aulas de educação física. Esses professores têm medo de que os pais vão pensar que, ao falarem abertamente sobre sexualidade, eles estarão falando de sexo, e não sobre as pessoas por quem alguém se apaixona.
Ao longo dos meus dez anos de carreira, eu já experimentei com várias maneiras de lidar com isso, escondendo minha sexualidade e, a certa altura, saindo do armário em diferentes escolas – às vezes por escolha, às vezes porque dei o azar de ser vista num bar pelo pai de um aluno. A notícia se espalha rapidamente.
Quando era professora recém-formada, minha saída do armário foi precipitada quando um garoto de oito anos deu um murro na cara de outro aluno. O garoto que deu o soco chegou em minha sala de aula, agitado, falando sem parar que seria expulso.
“Por que você bateu nele?”, eu perguntei.
“Ele estava xingando você. Ele disse… Ele disse que você é lésbica.”
O menino estava chorando. Eu coloquei meu lanche sobre a mesa, criando coragem para responder à pergunta dele e torcendo para que minha resposta não fizesse com que ele pensasse que seu ato de cavalheirismo foi totalmente desperdiçado.
“Eu sou lésbica”.
Silêncio.
“Puta merda”, ele disse.
Eu não consegui conter o riso.
Ele foi suspenso por alguns dias e eu fui o alvo de um enxame de perguntas de todos. Mas o bafafá durou apenas uma semana: essa era uma escola liberal, afinal de contas.
A escola em que eu lecionei em seguida era um pouco menos descolada. Eu contei para os alunos na metade de meu primeiro ano lá. A resposta de todos foi um unânime “e daí”. Várias professoras da escola, por outro lado, foram menos blasé. Não seria errado ter uma foto de minha namorada na minha mesa? Não havia qualquer problema em terem os retratos de seus maridos e filhos em suas salas, claro.
Um dia, uma coordenadora me chamou em sua sala para me pedir para ser “menos lésbica”. Sério mesmo. Agora, como eu já sou uma lésbica que usa vestidos e salto alto, tem cabelo louro comprido e pinta as unhas, a única maneira de ser “menos lésbica” seria deixar de ser lésbica. Talvez fosse isso o que ela esperava.
Isso me ensinou a não tolerar homofobia. Desde então, eu saio do armário em todas as escolas e falo abertamente com meus alunos sobre o que estão fazendo quando usam a palavra “gay” como xingamento.
Acho que eu normalizei a homossexualidade para eles. Eu não sou a professora lésbica: eu sou uma professora que calha de ser lésbica. Ninguém está nem aí. Ou, pelo menos, é o que parece. Mas quando se escava um pouco, descobre-se um grupo de alunos e adultos para quem, sim, isso importa: a menina que está descobrindo se é bissexual na oitava série; o garoto no último ano do Ensino Médio que acabou de sair do armário; o aluno transgênero no segundo ano do EM; a funcionária da limpeza que tem uma filha que acabou de ir morar com a namorada. Todas essas pessoas passam a se sentir mais seguras e aceitas porque eu saí do armário, estou bem e sou aceita. Não há dúvidas de que ter uma professora que é declaradamente homossexual na escola é valiosíssimo quando se discute diversidade e se combate a homofobia.
Infelizmente, ainda é um fato que, de todos os professores homossexuais que eu conheço, eu sou a única que é declaradamente homossexual dentro da sala de aula. A triste realidade é que nem todo professor homossexual sente-se capaz de sair do armário para seus colegas de trabalho, muito menos seus alunos, e pedir que eles se declarem para o bem das futuras gerações é pedir muito. Significa pedir que aqueles mais vulneráveis em nossa profissão se joguem na linha de tiro.
Qual seria a solução, então? Para que as coisas continuem a melhorar não há dúvida de que alguns docentes vão ter que aguentar o tranco, certo? Na verdade, é isso mesmo. Mas também é necessário que os docentes heterossexuais ergam sua voz ainda mais. É necessário que eles mostrem pôsteres sobre Stonewall, refiram-se abertamente a amigos e parentes homossexuais, eliminem o estigma sobre se dicutir a sexualidade – porque eles reconhecem que, apesar do casamento igualitário e a adoção por homossexuais ter sido legalizada, encarar a própria sexualidade pode ser difícil – junto a alunos e colegas.
Se conseguirmos isso, daí quem sabe teremos feito algo para reduzir a estatística de que 90% dos alunos LGBT declaram terem sofrido bullying por causa de sua sexualidade, ou de que 40% deles consideram se suicidar. Quem sabe assim nós alcançaremos um ponto em que a maioria dos professores LGBT não sintam-se obrigados a mentir ou se esconder. Sem dúvida, em 2015, essa é uma meta razoável.
[…] Por Marcio Caparica, do LadoBi […]
Acho muito importante essa ideia de visibilidade. Precisar dar bons exemplos, digo, precisamos ser vistos pela sociedade como pessoas comuns, que estão do lado deles, trabalhando e cuidando pela sociedade. Acho que isso ajuda acabar com estigmas.
Putz, que nostalgico! Me lembrei da minha professora do Ensino Médio, que era lésbica e um certo dia estavamos na aula de Fornação cidadã e um uno também soltou comentários a respeito da mesma, o bixo pegou… minha professora soltou os cachorros e ficou super brava, mas todo mundo sabe da orientação sexual dela.