Marcos Pasquim é primeiro ator a interpretar “ex-gay” na TV

Homofobia gerou mudanças na sinopse da novela "Babilônia"; mas o método usado para reconquistar o público conservador não apenas falhou como também afastou a audiência progressista

por James Cimino

Desde que as lésbicas Teresa (Fernanda Montenegro) e Stela (Nathalia Timberg) resolveram se beijar no primeiro capítulo da novela “Babilônia”, aconteceu um daqueles fenômenos bizarros que só a censura da ditadura militar era capaz de promover. Com a ajuda da histeria de fanáticos religiosos, criou-se uma novela cuja história é tão inconsistente e trivial que surgiu, no meio dessa bagunça, o primeiro personagem ex-gay da teledramaturgia brasileira.

Na sinopse original, o Carlos Alberto, interpretado por Marcos Pasquim, era para ser um gay enrustido que se apaixonaria pelo personagem de Marcelo Mello Jr., este sim um gay assumido desde o princípio da novela. A trama dos dois discutiria as impossibilidades de um relacionamento com um dos membros dentro do armário.

Acontece que os níveis históricos de rejeição à trama de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga fizeram a emissora reescrever a sinopse da novela após pesquisas com os cada vez mais poderosos grupos de discussão — mais ou menos como aconteceu com outra novela de Braga, “O Dono do Mundo”, de 1991, que coincindentemente está sendo reprisada no canal pago Viva e que também foi alvo do conservadorismo da audiência.

Carlos Alberto agora virou hétero. E, olhem que legal, vai se interessar pela protagonista Regina (Camila Pitanga). Super coerente, só que não. Já me disse uma vez Manoel Carlos: “o problema da ficção é que, diferentemente da realidade, ela precisa fazer sentido”. E Pasquim pegando a Pitanga neste contexto não faz o menor sentido.

É verdade que muita gente diz por meio de comentários em portais de notícias que “o problema da novela não eram as lésbicas”, mas também porque a trama tinha “muita maldade” e as pessoas estariam cansadas disso. Basicamente, o recado do público é: queremos na ficção aquilo que a realidade não tem nos proporcionado.

Parte desse desejo, no entanto, inclui a inivisibilidade dos LGBTs. Por mais que o público diga que “não é homofóbico, meu amigo é gay e minha cabeleireira é travesti” e que o problema nem era o casal de lésbicas (apenas o beijo entre elas), não parece ter sido isso que a Globo interpretou de seu grupo de discussão.

Aparentemente a emissora atendeu à reivindicação de que “tem muito gay” nas novelas, por mais que dos 40 personagens de “Babilônia”, apenas cinco seriam LGBTs (duas lésbicas, dois gays e uma trans). Daí para a frente, a sequência de fatos só prova que sim, a homofobia foi um dos principais pilares da rejeição à novela.

Primeiro foram vetados os beijos entre Teresa e Stela, inclusive em uma cena onde o beijo é essencial: o casamento das duas. Alguém aí já viu casamento sem beijo após a benção?

Em seguida, quem foi limada do elenco foi Rogéria, justo ela que sempre se gabou de nunca ter sido vítima de preconceito, que fazia novela até no horário das 18h (“Lado a Lado”) e blá blá blá… Disse que já recebeu os capítulos, mas que não a chamaram para gravar. E pelo jeito nem vão chamar…

Aí você vai dizer: “ai, novela é uma obra aberta”. OK, é uma obra aberta, mas daí a mudar a sinopse levando em conta todos os delírios de realidade que o público acha que deveria ver? Sim, porque a boa ficção tem que ter um dos pés na realidade e outro na fantasia, nunca os dois pés em um ou em outro, senão vira documentário ou novela da Glória Perez. Outra questão: Afinal, quem escreve a novela? O autor ou a dona Yolanda de Higienópolis? O autor ou o pastor-deputado? Aliás, onde está esse limite?

Já que a novela é um produto, uma obra aberta, é preciso mais cuidado na hora de divulgar esse produto. Eu duvido que qualquer trama que envolva o Marcos Pasquim, como essa história de ele se atrair pela Regina, vai ser comprada pela audiência. Todo mundo sabia que ele ia ser um gay enrustido e agora todo mundo sabe que ele só vai dar em cima da Regina porque o povo “não aguenta mais essa modinha de gay na novela”. Neste ponto, o fim que Silvio de Abreu deu às lésbicas de “Torre de Babel” foi mais digno. Pelo menos ele não teve de escrever personagens tão inconsistentes quanto a falsa de ideia de que existam ex-gays. Não que eu não acredite na fluidez da sexualidade. Tanto acredito que acredito em bissexuais, não ex-gays ou ex-lésbicas.

Também não estou dizendo com isso que os autores não têm responsabilidade. Têm. Acho inclusive que o problema da novela desde o começo foi ter um primeiro capítulo incrível e começar com a barriga a partir do segundo. Acho que toda novela tem que ter pelo menos duas semanas de capítulos impactantes, centrados nos protagonistas, mas isso não aconteceu. Tivessem ocupado a cabeça do telespectador com a “bitch fight” que se esperava entre Beatriz, Inês e Regina, nem teriam dado tanta atenção aos gays.

E minha crítica nem é tanto por causa da rejeição aos personagens LGBT, porque no Brasil de hoje isso até é esperado. O problema é como essas mudanças deixaram o enredo inconsistente. A rejeição à ninfomania da Beatriz, por exemplo (também fruto do conservadorismo, afinal mulher não pode ser comedora), esses enxertos no roteiro, amplamente divulgados nos sites e nas redes sociais previamente tiram qualquer credibilidade sobre a história. As reviravoltas (ou “plots”) devem fazer sentido dentro da narrativa proposta, não ser motivada por fatores externos a ela. Isso quebram o contrato implícito da audiência de se abrir à supresa e de ouvir uma história contada por outra pessoa. Nem sempre a gente gosta do que ouve, mas a história não é nossa, é de outro. É preciso ouvir primeiro e depois julgar. É como assistir a uma série já sabendo de todos os spoilers, inclusive os de bastidores. O interesse diminui. Quem fabrica salsicha não come salsicha.

Outro exemplo: a personagem da Débora Duarte, que deu entrevista dizendo que “caiu de para-quedas” na história. Não precisava nem dizer. Todo mundo percebe que ela caiu de para-quedas na história, que foi enfiada ali para que a personagem da Adriana Esteves tivesse seu grilo falante e pudesse antecipar sua vingança soltando o vídeo que foi o motor inicial da trama que deveria uni-la a Beatriz e a Regina (Camila Pitanga). E por mais que essa história de o pai dela ter sido morto por culpa da Beatriz já estivesse na sinopse, da forma como foi jogada repentinamente na trama, ficou parecendo encheção de linguiça.

“Babilônia” estreou agradando um público mais progressista, mas que ainda não é suficiente para atingir os níveis de audiência esperados para o horário. Na tentativa de recuperar aquele público que já havia rejeitado a história, a Globo acabou desgradando progressistas e não conquistando conservadores por um motivo comum: a história não cola mais. Tanto é verdade, que a novela foi encurtada.

Agora, certamente tem gente que deve estar feliz com o resultado, como a bancada evangélica, por exemplo. Pelo menos eles conseguiram provar que, nem que seja no campo da fantasia, ex-gays são possíveis.

Apoie o Lado Bi!

Este é um site independente, e contribuições como a sua tornam nossa existência possível!

Doação única

Doação mensal:

12 comentários

Guto

Há anos não assisto TV nacional, novela então está quase completando uma década. Eu até dei uma chance para a história do Roni em Avenida Brasil, acompanhei um pouco pelo youtube, mas virou barriga e eu desisti.
Na verdade, não me sinto bem representado nem mesmo nos seriados americanos. Na maioria esmagadora, o gay se limita a um coadjuvante sem muita expressão.
Sinto falta de algo voltado para o público LGBT, e acho que essa é uma das principais razões que não leio romances com mais frequencia.

Dante

James, ótimo texto, e essa história de novela ser obra aberta e de o autor, por isso, ficar sujeito a ter a autenticidade de suas ideias espoliada é profundamente de amargar. Isso dá uma ótima discussão, não dá? Em todo caso, vou mais fundo: quem ainda perde tempo vendo novela da Globo? Ou melhor: quem ainda perde tempo vendo Globo? Ah, e SBT, Record, Band, et caterva? Abraços querido!

Alejandrobaby

Mesmo eu não sendo brasileiro, percebi que as pessoas que mandan na rede globo SÃO FALSAS, esa emissora É TÓXICA. Com o FALSO DISCURSO de ‘Somos a favor da diversidade’ ‘somos liberais’ ‘colocamos LGBTS nas novelas para dar visibilidade e ajudar a causa’ MENTIRA! ACORDEM BICHAS essa emissora só quer ibope e por isso colocam LGBTS para serem RIDICULIZADOS. Percebi isso desde a novela ‘amor à vida’ o que que foi aquilo? Sempre dando a entender, mesmo que sutilmente que ser gay é uma opção, ridiculizando etc depois veio essa otra novela ‘imperio’ denovo colocam o gay como casado con mujer, que trai, promíscuo , e dando a entender subliminalmente que ser gay é falta de uma mulher ‘pra te virar homem’ e adivinha só, o senso comum da sociedade brasileira Grita mais forte, a falta de informação sobre o asunto é gritante sem contar outros fatores como a HIPOCRISIA FUNDAMENTALISTA Daqui. A GLOBO SÓ PIORA AS COISAS, se vão fazer direito façam mas se vão ATRAPALHAR nem coloquem LGBTS nas novelas. Desculpem meu portugués. Ps: Não tenho palavras para explicar quanto adoro Vocês e esse Blog/Programa fico até emocionado, sério mesmo. (me identifico com a personalidade forte do James, isso mesmo bee, continue dando a cara a tapa y o Márcio é um fofo) Saludos deste Uruguayo <3

Marcia

A novela se perdeu. A história é chata os capítulos são com diálogos repetitivos demais. Não acredito que seja por culpa dos personagens gays. Mas por pura incompetência dos autores.

Alex Machado

a novela tinha tudo para ser uma trama das boas ,só que para agradar uma parcela da conservadora, foi jogadas as ratos , é dai olha que aconteceu ….acho interessante ,que muitos reclamam das maldade da protagonistas de babilônia,mas niquem diz um piu para as atrocidade de gots….. se bem que falam, tb,só que povo esquece ,depois ….

Tom

Eu discordo quando diz que o interesse do público diminui se ele já sabe o que vai acontecer (spoiler). Pelo contrário. Tanto que a Globo divulga todos os episódios antes de irem ao ar, sabe-se que o público de novelas adora sentar pra assistir já sabendo tudo, conheço gente que adora ler os diálogos inteiros antes de ir ao ar. Existe toda uma indústria que gira em torno disso, a começar por Sonia Abrão, que fica horas no ar falando do que vai acontecer.
Já sobre o conservadorismo, eu acho que é um mar de ondas menores e maiores, mas a maré não pára.

James Cimino

Acontece Tom que quando você lê um spoiler de algo que faz sentido na trama é uma coisa. Spoiler de que o personagem era gay e agora não é mais por algo EXTERNO ao roteiro original tira qualquer tesão de ver a história…

Tom

Ah mas deve ter gente adorando essa “conversão”.

Assim como alguns gays adoram quando descobrem que um homem casado curte homem tbm.

All

Mas pelo que sei, nao deu tempo de o personagem se revelar gay na novela, por isso mudaram. De todo modo, quero que apos esse show de retrocesso a audiencia caia ainda mais. A Globo merece! Ao apertar a mao dos conservadores, ela virou a bunda para progressistas, uma bundona que fazemos questao de chutar!

thiago

Como explicar o olhar do personagem do Marcos Pasquim para outro homem em um festa e se sentindo confortável? Ou até outras vezes que ele se sentia desconfortável com conversas sobre mulheres ou insinuações dessas?

Comments are closed.