O surfe é um esporte individual que, no entanto, cria uma comunidade unida, coesa – e machista. Em um ambiente como esse, as mulheres que se apaixonam pelas ondas têm de aceitar encaixarem-se em um papel de “garota da prancha”, ou veem-se isoladas desse convívio social que é tão importante para o esporte. (Uma busca de imagens para esse post encontrou uma infinidade de fotos que destacavam as bundas das garotas surfando de forma nada, nada sutil.) Mas agora existe uma alternativa: a Brazil Ecojourneys, agência de ecoturismo sediada em Florianópolis, está promovendo um surf camp exclusivo para lésbicas.
O evento vai acontecer de 9 a 15 de maio na Praia do Rosa, em Santa Catarina. O programa está aberto para surfistas de todos os níveis, e também inclui aulas de ioga e baladas opcionais à noite. Infelizmente as inscrições já estão encerradas.
Marta Dalla Chiesa, proprietária da Brazil Ecojourneys, já havia promovido eventos de surfe para a comunidade LGBT antes, mas constatou que eles foram frequentados apenas por homens. Sua aposta é que, num ambiente livre dos preconceitos contra mulheres que impregnam o surfe (vindo de héteros e gays), lésbicas possam começar a mudar a cultura do esporte e, aos poucos, torná-lo amigável às pessoas de todas as sexualidades. Numa entrevista exclusiva, Marta explica por que promoveu esse surf camp e analisa o turismo LGBT no Brasil e no mundo.
Por que fazer um evento de surfe exclusivo para lésbicas?
Eu surfo o tempo todo, e eu sou geralmente a única mulher gay no mar, cercada por homens héteros. Eu vejo que não há muitas oportunidades para mulheres para se reunirem e aprenderem a surfar em um ambiente amigável. Depois de ter 2 eventos LGBT de surfe “mistos” que só tiveram homens, achei que deveríamos criar um evento exclusivo para as mulheres ficarem mais à vontade.
Existe hostilidade no surfe quanto à homossexualidade? E quanto à presença de mulheres? Ser lésbica, e portanto uma combinação das duas coisas, torna tudo ainda mais difícil?
Existe homofobia e machismo no surfe. O tema da homofobia foi discutido num documentário muito bacana chamado Out In the Line Up no ano passado, que acabou ganhando vários prêmios por trazer a homofobia no surfe à tona. A questão do machismo é evidente, principalmente na mídia. As pouquíssimas surfistas mulheres que chegam ao nível profissional acabam sendo submetidas a ser sex-symbols, senão não recebem patrocínio. Como elas têm que apelar para o público hétero masculino, acabam ficando no armário. No nível amador, acaba que ser mulher e gay acaba te deixando totalmente invisível. Então uma lésbica que queira aprender este esporte lindo acaba se sentindo sozinha e desencorajada.
Infelizmente as inscrições já se encerraram para esse evento. Há como conseguir vagas ainda? Haverá outra edição?
Planejamos que seja um evento anual – as datas para 2016 serão confirmadas logo, mas devem ser em final de abril e maio. Além disso, faremos a 3a. edição do evento misto LGBT no 2o. Semestre, de 26/9 a 3/10. Esperamos que este ano venham mulheres também! No blog do #GaySurfBrazil podem encontrar as datas e o programa completo.
No que gays e lésbicas são diferentes quando decidem viajar?
Existem várias pesquisas que mostram algumas peculiaridades: homossexuais viajam mais, e mais fora de temporada, que os héteros. Entre o que nos leva a algum destino entram vários fatores que são relevantes para todos (sol e praia, cultura etc), mas também os que nos definem como comunidade – queremos ir para lugares friendly, que tenham uma cultura, uma vida noturna ou uma comunidade LGBT atuantes. Interessante é que ser gay-friendly está entre os motivos mais fortes, mas a questão de vida noturna vem bem mais embaixo na lista. Mas o importante é ter claro que não somos um grupo homogêneo! Lésbicas são diferentes de gays e gays da geração “milênio” são bem diferentes de gays mais velhos, tanto na escolha dos destinos como em preferirem ou não lugares exclusivamente gays (os mais velhos preferem lugares exclusivamente gays, ao contrário dos mais jovens).
Você acha que eventos de turismo exclusivamente para homens gays têm “vibes” diferentes dos voltados exclusivamente para lésbicas? Um evento que misturasse os dois tem chance de dar certo?
Depende do evento. Onde existe o foco no sexual, como festas de circuito, claramente existe uma vibe que atrai um certo tipo de gay – as famosas barbies – que vai excluir os outros nichos LGBT: nem ursos, nem lésbicas, nem famílias gays vão curtir muito. Mas nas Paradas os grupos se misturam, não? E em eventos esportivos também, como Gay Games e Out Games. A tendência do turismo LGBT é diversificar o foco além das baladas e dos cruzeiros. Muitos operadores estrangeiros oferecem pacotes de aventura, de cultura e de gastronomia para gays, e recebem grupos mistos. Nossa operadora aposta nisto também.
Como você avalia o turismo LGBT no Brasil? Quais destinos você recomendaria para LGBTs brasileiros?
Estamos engatinhando, tanto a nível institucional como a nível do empresariado. Mas com certeza estamos evoluindo – veja hoje as parcerias que a ABRAT GLS ( Associação Brasileira de Turismo GLS) está fazendo com grandes empresas como o Delta Airlines, a Rede Meliã etc. No Brasil sempre recomendamos os destinos com mais foco no segmento como São Paulo, Rio, Florianópolis, Salvador, Recife. Mas há outros destinos que já estão se preparando melhor para receber bem a nossa comunidade. como Noronha, Praia do Rosa, Foz do Iguaçu, Bonito… No exterior há os ícones de sempre : Nova York, San Francisco, Londres, Barcelona & Sitges, Mikonos… Mas tem muito destino surpreendente que precisa ser descoberto ainda pelo brasileiro: Berlim, Viena, Las Vegas e Madri, por exemplo, são destinos que começam a fazer um marketing específico no Brasil e devem entrar na lista de favoritos logo.