Durante o dia, um policial de alto escalão. Durante a noite, o responsável pelo website Danlan.org, em que homossexuais compartilhavam secretamente suas experiências. Por 16 anos essa foi a rotina de Ma Baoli, um oficial da cidade costeira de Qinhuangdao, na China. Ma desenvolveu seu site sob o pseudônimo de Geng Le, até que em 2012 o projeto começou a atrair a atenção da mídia, e os superiores de Ma Baoli descobriram que seu subordinado era o responsável pela empreitada. Ele recebeu duas opções: fechar o site ou deixar de ser policial. “Eles consideravam essa uma questão muito complicada… um policial ser gay”, Ma declarou à revista The Economist. “Então eu resolvi deixar de ser policial.”
A aposta se provou certa. No ano seguinte Ma Baoli fundou a empresa Blue City, e lançou um aplicativo de encontros para gays chamado Blued, nos moldes do Grindr, Scruff e tantos outros. Hoje o Blued conta com 15 milhões de usuários (para se ter uma ideia, as estatísticas oficiais do Grindr afirmam que ele tem por volta de 5 milhões), 60 funcionários, e acabou de receber 30 milhões de dólares de fundos de investimento internacionais.
Esse feito é particularmente impressionante quando se considera que a China está longe de ser amigável com os homossexuais. Até 1997 ser gay ou lésbica ainda era um crime no país. Ser pego em atividades homossexuais recebia uma acusação de “desordem”, e podia mandar o condenado a campos de trabalhos forçados. O governo chinês vigia com suspeita qualquer tipo de ativismo, e no país há várias clínicas que prometem “curar” homossexuais, na base do eletrochoque se for necessário.
Ma Baoli conseguiu erguer seus negócios, em parte, mostrando ao governo chinês que consegue realizar um trabalho de conscientização pública de que as vias oficiais de comunicação não são capazes. Ma coloca em seu site informações sobre a prevenção do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. O aplicativo, além de permitir que seus usuários combinem atividades como caminhadas e jogos de basquete, informa a localização de centros de saúde e locais em que se pode fazer o diagnóstico e tratamento do HIV.
Em 2012, Ma Baoli foi recebido por Li Keqiang (hoje premiê da China) graças ao trabalho que fazia pela prevenção da Aids. Wu Zunyou, o diretor do núcleo de combate à Aids e DSTs do Centro Chinês de Prevenção de Doenças, elogiou o alcance do Blued. “Nenhum dos nossos sites governamentais recebe esse tipo de atenção”, afirmou.
O relacionamento mais amistoso com o governo ajuda o próprio Ma, claro. Cinco anos atrás, o Danlan.org era derrubado frequentemente. Isso não acontece mais, apesar de discutir-se em seus fóruns questões como o casamento igualitário. “Eu gostaria de usar o poder econômico para promover a comunidade LGBT”, ele disse à Associated Press. “De muitas maneiras, a economia pode disparar mudanças em políticas públicas. Então, por exemplo, se eu faço isso muito bem, se meus usuários crescerem de 15 milhões para muitos mais no futuro, se eu puder vir a público, eu posso dizer ao governo: veja, nós fomos capazes de vir a público sendo uma ‘companhia gay’ e não lhes causamos problema algum.”
Mesmo com todo o sucesso, Ma Baoli ainda sente falta dos tempos de policial, o emprego que sonhava ter desde criança. Ele diz que muitos de seus ex-colegas não aceitam o que ele faz hoje porque pensam que a homossexualidade é “anormal”. Mas ele ainda tem a esperança de mudar suas opiniões: “Hoje eu estou mais confortável em dizer, ‘sim, eu sou gay, e sim, o que eu faço é comandar um website de temática gay.” Se o sucesso nos negócios der uma forcinha para que isso aconteça, seus ex-colegas vão rever seus conceitos logo: entre os planos de Ma estão expandir seu público para 20 ou 25 milhões de usuários, lançar até o fim do ano uma versão de seu aplicativo para lésbicas (chamado Pinkd) e abrir versões internacionais do Blued. A versão em inglês será lançada até o final desse mês.