Soropositivo conta em carta como passou a se cuidar mais depois do HIV

Embora a Aids e o HIV ainda sejam indesejáveis, muita gente melhorou sua relação consigo mesma, com os outros e com a própria saúde após contrair o vírus.

por Marcio Caparica

Quando se fala em HIV, há em torno do assunto uma aura de negatividade e lamentação, talvez herança do boom da epidemia de Aids na década de 1980, quando a infecção com o vírus era uma sentença de morte.

Hoje, embora a Aids e o HIV ainda sejam indesejáveis, não é mais assim. E, como acontece com várias pessoas que recebem notícias e diagnósticos indesejáveis, muita gente melhorou sua relação consigo mesma, com os outros e com a própria saúde após contrair o vírus.

Um soropositivo faz exames médicos com maior frequência que a maioria das pessoas. Além disso, depois de descobrirem serem portadores de uma doença crônica que pode causar a morte se não controlada, muitas pessoas passaram a valorizar mais a vida. No texto abaixo, um escritor faz uma carta de “agradecimento” ao vírus por tudo de bom que ele conseguiu após ser infectado.

Traduzido do artigo de Kevin Varner para a revista The Advocate

Caro HIV

Espero que você esteja bem. Faz um tempo que não lhe escrevo, e no começo de mais um ano eu quero tirar um momento para reconhecer sua presença.

Você há de se recordar do contrato que eu fiz que você assinasse sete anos atrás, quando você se instalou em meu corpo. Nesse contrato, eu concedi que a sua presença continuada acontecesse sob os seguintes parâmetros:

Você vai ficar quieto. Você não vai procriar. Você não vai irritar, molestar, envenenar, ou influenciar de qualquer outra maneira as células e funções de outros órgãos e sistemas no meu corpo. Você vai ocupar um espaço pequeno, sem portas nem janelas, aproximadamente do tamanho da ponta de um alfinete num reservatório nos confins do meu corpo, onde você não terá nutrição nenhuma, nenhum visitante, e de onde não terá qualquer esperança de escapar.

Obrigado, HIV, por respeitar os parâmetros simples desse contrato. Estes foram seta anos saudáveis e produtivos, e eu estou ansioso para que nossa cooperação siga em frente. Estou ciente que você não sai muito, se é que sai, e achei que seria bacana da minha parte lhe fornecer algumas notícias. Veja aqui o que você fez por mim – sem saber – nos últimos anos.

Você me deu uma intuição aguda sobre o que ocorre com meu corpo. Mais do que nunca, agora eu consigo monitorar como me sinto. Eu estou consciente de cada espirro, dor, resfriado, e glândula inchada muito mais rapidamente do que no passado, e mantenho contato com profissionais da saúde com mais frequência que a média das pessoas. Como resultado, meu médico me informou que eu tenho os exames de um homem de 30 anos com plena saúde, tirando, é claro, o HIV. Eu já disse que eu completo 44 anos esse mês? Cada aniversário é cada vez mais saboroso. Obrigado por isso.

Você me forneceu uma compaixão por outros que eu não tinha antes. Eu me tornei capaz de conversar com outros que acabaram de receber o diagnóstico, ou que vivem com o HIV ou outras condições médicas crônicas, e realmente me colocar em seus lugares. Eu escuto as pessoas melhor e aconselho melhor também. Eu sou grato por essa capacidade.

Graças a você, eu vivo no presente. Quando encarei minha mortalidade, eu comecei a ver como é importante ser grato por cada dia que nasce, novinho em folha. Eu compreendo agora: tudo que importa é esse momento, e o seguinte, e o que vem depois. Eu desacelerei, e deixei de perder o sono por causa do que passei a chamar de “Problemas de Primeiro Mundo”. Eu inspiro, expiro, descubro, decido, e controlo.

Eu falo com compaixão. Eu não entro em discussões raivosas, fofocas, ou dramas. Eu mantenho minha palavra impecavelmente. Eu não levo mais as coisas para o lado pessoal. Para falar a verdade, eu nem levo você, HIV, para o lado pessoal. Você está aqui, e, até onde eu consigo prever, aqui você vai continuar. Não há nada que eu possa fazer para me livrar de você, pelo menos não no presente.

Eu eu consigo suprimi-lo.

Obrigado por colaborar com a supressão. A supressão enveredou para muitas áreas do que já foi minha “vida louca e preciosa”. Eu suprimi a “negatividade” em troca de uma vida positiva e construtiva. Eu suprimi o medo e abri os braços para a curiosidade e o amor. Eu pus fim a hábitos destrutivos em favor de projetos criativos. Eu passei a buscar conexões, ao invés de cortar laços. Eu fui muito além da minha zona de conforto, porque eu percebi que minha zona de conforto não é nada confortável. Ela é segura e restrita, mas, assim como o lugar em que você vive no meu corpo, HIV, ela é um cômodo pequeno, escuro e sem janelas. Eu prefiro a incerteza e a aventura dos espaços abertos e amplos. Eu prefiro visitar as beiradas e os rebordos, as periferias das cidades onde mora Deus.

Eu vou mantê-lo nesse espaço para que eu possa partir e viver a vida apesar de você, e, ainda assim, por sua causa. Minha vida como um homem soropositivo é, realmente, uma vida positiva. Eu não preciso de negatividade, não preciso me depreciar, e não tenho espaço em minha vida para o estigma que é lançado sobre mim pela comunidade em geral por causa do meu status sorológico e minha homossexualidade. Em seu rastro, eu aceitei o amor. Eu sou positivo. Eu sou um filho de Deus, belo e divino. Foi necessário que você tomasse residência em meu corpo para que eu percebesse isso, e por isso eu sou grato.

Eu o perdoo, e também lhe agradeço. Você buscou me destruir de dentro de fora, e ao invés disso você me tornou mais forte do que eu jamais julguei ser possível.

Sinceramente,

Kevin

Kevin Varner é um escritor e educador. Saiba mais em seu blog, Life With A Plus Sign

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8 comentários

Dany

Foi um susto qnd tive o diagnostico positivo há cinco anos vivo c essa informação, minha família foi mnha base tenho duas filhas lindas fui mãe aos 14 hj entendo Prq fui precoce, rs.. Mnhas filhas são td pra mim e o melhor presente q o pai delas podia me dar, já q ele n ama nem ele mesmo é usuário de drogas e mesmo eu desconfiada de ele esta me traindo c um rapaz q era soro positivo, n sei se ele tinha conhecimento no momento, mas ele negou, passando algm tempo esse rapaz veio falecer e eu já estava separada dele fui procura lo para perguntar, ele já sabia o motivo e até hj ele nunca foi capaz de admitir. Ou seja ele me expôs e nem teve a hombridade de me alertar pra q eu me cuidasse sendo mãe e pai das filhas dele, já q n me ajuda c nada. Enfim graças a Deus eu me cuido vivo bem, n tive sorte no amor ainda.. As pessoas tem muito preconceito. Isso é o mais triste, parece q uma pessoa c HIV é só isso ‘algm c HIV’ temos sentimentos cm qq pessoa, queremos uma vida normal e plena. N converso c ngm sobre o HIV é difícil. Adorei o texto ele realmente diz muito sobre td oq vivemos e passamos após o resultado soro positivo. Parabéns Kevin!

Janete

Descobri a 6 meses que sou portadora do hiv ainda não sei muito,meu marido tbm porém já desenvolveu a doença segundo os médicos.Ele me culpa pois em uma separação tivemos outros namoros, eu tive sempre cuidado mas falhei e tbm com ele ao voltar então não se sabe quem passou. Mas hoje houvi as piores palavras. .Podre, aidetica..Nossa como dói ….É agora como continuar com uma pessoa assim?

Kelvin Rosa

Que orgulho ter o nome desse autor. Sendo soronegativo, espero algum dia chegar à este nível impressionante de idade mental.

E à todos os soropositivos, tudo que eu desejo é apenas sorte, amor, sexo e tudo de bom. E gostaria de ressaltar: ser um soropositivo não é sinônimo de ser uma pessoa desgraçada na vida, e absolutamente não quer dizer que você tem que viver a sua vida nas sombras por medo do que pode acontecer. Muito pelo contrário: o HIV vai te dar uma oportunidade para começar a ver a vida por outra perspectiva.

Vocês são sempre as melhores pessoas com quem podemos contar, pois entendemos de sua dor apesar de não compartilharmos dela. Vocês são verdadeiros. Vocês são corajosos. Vocês são um orgulho. E eu amo cada um de vocês por isso.

Junior

Lindo texto! Mudei muito depois do HIV, mas me sinto perdido ainda após 5 anos de convivência com ele… Sonho um dia em chegar a esse nível de maturidade…

Junior

5 anos que descobri que ele se hospedou aqui e há pelo menos 10 anos de alojamento… rsrsrsrs

Alex

Na verdade esse relato pode ser para qualquer pessoa que passou e passa por uma doença grave e de qualquer natureza….eu depois que fiquei em coma por uns meses e venho a 3 anos tratando de uma má formação arteriovenosa cerebral, muda o olhar de como a gente vê e participa do mundo e das pessoas…hoje sou muito agradecido a ter passado por isso….

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