O que levaria alguém a “escolher” ser homossexual?

Quem luta contra os direitos LGBT gosta de descrever a homossexualidade como uma escolha. Mas nunca explica por que essa escolha seria feita

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Dean Burnett para o jornal The Guardian

Eu trabalho como psiquiatra. Eu não menciono esse fato quando encontro as pessoas a não ser que perguntem, porque muitas vezes as pessoas ficam desconfortáveis ao saberem disso. Isso acontece por inúmeras razões, mas uma paranoia recorrente entre muitos que encontrei (todos homens, caso lhe interesse) é o medo que eu diga que eles são gays. Porque, aparentemente, ser gay é ruim.

Eu não sei bem como esses caras acham que a homossexualidade funciona ou como é que você vira gay, mas uma coisa que eu posso atestar é que não é decisão minha. Eu não saio por aí ditando as orientações sexuais das pessoas só porque eu tenho algum conhecimento dos processos mentais e neurológicos. Isso seria um superpoder muito sinistro.

Além do mais, mesmo que eu pensasse que a pessoa é gay, com certeza eu não diria isso quando a encontro pela primeira vez, já que isso a) é irrelevante, e b) não é da minha conta.

Outras pessoas não pensam assim, no entanto. Os membros homossexuais da nossa sociedade infelizmente têm a expectativa de que serão regularmente desafiados, escrutinizados e condenados por sujeitos agressivos, que ao que tudo indica estão convencidos de que a homossexualidade é uma “escolha de estilo de vida”.

Essa questão veio à tona (possivelmente pela 12,456,987,332ª vez) por várias razões. Recentemente foi publicado um estudo que sugere que a homossexualidade está ligada ao cromossomo X, sendo portanto genética, ou seja, inerente, não uma escolha. O primeiro-ministro britânico David Cameron há pouco tempo fez declarações que sugerem que ele pensa que a homossexualidade é uma “escolha” (apesar de que isso pode ser também o resultado de uma escolha infeliz de palavras). Ainda por cima, Stephen Fry acabou de  se casar com seu namorado Elliot Spencer. Um homossexual famoso que faça isso (ou qualquer outra coisa) sem dúvida é alvo das reclamações daqueles que “desaprovam”.

O debate sobre essas coisas é inevitável, assim como toda essa balela de que “ser gay é uma escolha”. Mas por que ela persiste? Quem diz isso parece acreditar com toda sinceridade, mas qual é a lógica? Basicamente, por que alguém “escolheria” a homossexualidade, da mesma maneira que você escolheria um carro novo ou uma tatuagem? Só para constar, muitos apontam que a sexualidade é na verdade um espectro com muitas manifestações possíveis (como, por exemplo, a bissexualidade), mas isso não é levado em conta na discussão sobre “escolha”.

O que faz com que as pessoas pensem que a homossexualidade é uma escolha, em primeiro lugar? A maioria menciona crenças religiosas, apesar de que essa noção de que religião é cegamente oposta à homossexualidade está longe de ser correta, e se torna cada vez mais incerta com o passar do tempo. Preconceitos e paranoias antigos são os reais atores nesse caso, parece.

Também pode-se culpar a mídia, e esse pode ser um argumento válido. A mídia de massa sempre foi avessa a nuances mesmo na maneira em que retrata relacionamentos heterossexuais (como indício, é só observar qualquer casal em comerciais), então seria muito improvável que ela representasse homossexuais com precisão. Esse assunto rende muito mais que o espaço disponível nesse artigo, mas vamos citar apenas o uso descarado que se faz de relações lésbicas (que são consideradas excitantes por homens heterossexuais) para despertar interesse. Uma tática comum hoje em dia é fazer que personagens até então heterossexuais passem a exibir tendências homossexuais de uma hora para outra quando se precisa aumentar os índices de audiência, então dá para entender como isso pode induzir muitos a pensarem que isso é uma “escolha”, na falta de exemplos mais realistas.

Apesar de que a afirmação de que a sexualidade é definida no momento do nascimento e absolutamente imutável também não ser muito correta, a ênfase principal de quem afirma que a homossexualidade é uma escolha é que os homossexuais avaliaram todas suas opções e conscientemente decidiram: “a partir de hoje, eu vou ser gay”. Mesmo que isso fosse verdade (obviamente não é), POR QUE eles fariam isso?

Se formos muito generosos, poderíamos dizer que a afirmação da escolha presume que as pessoas não têm qualquer orientação sexual até o momento em que escolhem uma. E daí algumas pessoas escolhem a homossexualidade. Isso aconteceria durante a adolescência quando a maturidade sexual tem início, e você sabe como são esses adolescentes. Seria a homossexualidade apenas mais um exemplo da vontade de se rebelar, assim como raspar a cabeça ou vestir roupas absurdas?

A falha dessa linha de raciocínio é que a rebeldia adolescente na maior parte das vezes é temporária; o cabelo cresce de volta, as roupas mudam. Mas quem “escolhe” a homossexualidade, ao que tudo indica, não larga dela nunca mais. Então quem sabe é um “estilo de vida”, como muitos insistem? Isso sugere que aqueles que estão prestes a escolher sua orientação sexual analisam as consequências da homossexualidade e consideram essa a melhor opção. Eles veem a opressão, as taxas de suicídio, a discriminação e as agressões, a desigualdade, o risco maior de problemas de saúde mental, ou o abandono da família; eles pesam isso tudo e pensam “quero um desse!”. Parece improvável, para ser educado.

Além do que, como muitos já apontaram, se a orientação sexual é uma escolha, então o sujeito deveria ser capaz de optar por voltar a ser heterossexual se ser homossexual não está “dando certo”. E, logicamente, uma pessoa heterossexual deveria ser capaz de se tornar homossexual também. O comediante Todd Glass chama a atenção em seu livro para o fato de que, se você realmente acredita que a homossexualidade é uma opção, então você não é heterossexual de verdade: você apenas não encontrou ainda alguém com muito poder de persuasão.

Mas quem afirma que a homossexualidade é uma escolha invariavelmente assegura que essa é uma escolha errada. Isso dá a entender que acreditam que na realidade todos são, num nível fundamental, heterossexuais. Portanto pessoas que optam pela homossexualidade estão conscientemente buscando ter toda sua vida sentimental – de relações íntimas a encontros sexuais aleatórios – com pessoas pelas quais elas não sentem atração física. O sexo é um motivador muito poderoso, e não há dúvidas de que é possível ter encontros sexuais com alguém por quem não se sente atração, mas num nível tão extremo quanto esse? Insistir em ir constantemente contra seus instintos mais básicos para se manter numa escolha que você fez num momento indefinido da sua história? O estilo de vida teria que ser muito sedutor para incitar esse comportamento, e, como já discutimos, esse não parece ser o caso.

Não há dúvida de que há muitas outras coisas a serem levadas em consideração do que poderia-se abarcar num único artigo, então dirão que esse texto é uma simplificação exagerada e brutal de uma questão muito complexa. E com razão. Mas todo esse debate sobre “escolha” também é uma simplificação exagerada, então me parece justo.

No fim das contas, se a homossexualidade é algo escolhido, a principal razão lógica por que as pessoas fariam essa escolha é o fato de sentirem atração por pessoas do mesmo gênero. Acho que dá pra ver como isso já faz toda essa discussão ruir.

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5 comentários

Tânia Sofia

Para mim na natureza acho que nascemos bissexuais, e que talvez algum factor genético determine o doseamento bioquímico que proporcione uma maior ou menor identificação com o sexo oposto ou com o mesmo sexo. já se sabe o quão homólogos são os genitais masculinos e femininos em termos de estrutura, e que apenas por factores hormonais em determinados estágios do desenvolvimento determinam a sua expressão. depois a isto tudo temos que somar os factores culturais e educacionais que tem a sua cota parte, relativamente a ser uma escolha ou não, em muitos casos pode ser, mas em outros não, tudo varia de individuo para individuo.

Felipe

Faz tempo que eu não me preocupo em explicar minha homossexualidade. Já sei quem sou e pronto. Vivo feliz sem explicações.

Davidson

E se for uma escolha qual o problema?Casar com outro do mesmo sexo é uma escolha, se filiar a um movimento lgbt é uma escolha, namorar também.Fazer apologia do estilo de vida lgbt também é uma escolha e daí. Todos nós fazemos escolhas diariamente.

Davidson

Acredito que a atração homossexual seja hereditária , mas a identidade homossexual seja uma escolha consciente do individuo.Muitos homens se vêem como héteros, são casados e tem filhos, mas sentem atração sexual por outros homens, eventualmente até saem com outros do mesmo sexo .

Marcos

A pior mentira q os ht’s. Promovem…
Não acredito em escolhas conscientes…
Para mim, vejo como uma condição. …

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