Os desafios de ser pai, gay e “dono-de-casa”

A paternidade para os gays ainda é algo novo, e nem mesmo a própria comunidade gay sabe como lidar com esse novo componente de sua identidade

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Alex Davidson para o Huffington Post

“Acho que eu me sinto mais como uma mãe que um pai”, disse meu amigo Brad. Eu havia lhe perguntado sobre seu jeito de cuidar dos filhos e se ele achava que seu estilo se parecia mais como estereótipo da mãe ou do pai.

Nós dois estávamos sentados num café em nosso bairro em San Francisco, conversando depois de nossos expedientes como pais gays donos-de-casa. Nós dois havíamos adentrado a vida “do lar” há poucas semanas, e tentávamos compreender melhor o que estava acontecendo. Estávamos discutindo se, como gays e pais, nós nos identificávamos mais com pais ou mães héteros.

“Sem dúvida eu me identifico mais com as mulheres”, eu disse, pensando em como eu lidava minhas emoções de maneira mais similar à maneira como as mães expressavam seus sentimentos.

Mas Brad e eu concordamos que há limites para o quanto nós poderíamos no identificar com qualquer pessoa hétero que nos cerca todos os dias em aulas de natação, parquinhos e sessões de contação de história. Como pais, nós gays passamos por experiências profundamente distintas. Claro, nós nos solidarizamos com qualquer pai ou mãe quando o assunto é trocar fraldas, alimentar os filhos de madrugada e como é difícil ficar sem dormir, mas eu jamais me identifiquei com a ideia de inevitabilidade que a maioria dos pais héteros sentem. Meu caminho para a paternidade foi deliberado e eu sabia, quando entrei nessa, que minha escolha de criar filhos me deslocaria do padrão da comunidade gay.

Eu estava um pouco perdido, mas eu sabia que ser um pai moderno – gay ou hétero – significa aulas e atividades. Minha vontade era de apenas pegar uma coberta e ir para um parque com minha filha, mas eu precisaria criar coragem e “me jogar” se eu desejava encontrar uma conexão com outros como eu. A paternidade é difícil, e ser um pai gay é ainda mais: há tão poucos de nós e nós temos muito poucos exemplos.

Seria de se esperar que um pai dono-de-casa em San Francisco estaria rodeado por outros pais em condições parecidas – eu pensava isso. Mas frequentemente eu era forçado a ver como nós somos uma espécie rara – muitas vezes eu era o único pai gay aonde quer que eu fosse. Claro que muitas vezes eu encontrava homens passeando com crianças numa tarde de terça-feira, mas na maioria das vezes eles estavam tomando conta de seus filhos por um dia ao invés de serem donos-de-casa em tempo integral. E eles não eram gays.

Meu lindo marido, então, ávido para me ajudar, se uniu a mim na caça por outros pais gays. Literalmente. Era só vermos dois homens empurrando um carrinho com uma criança na rua e nós saíamos correndo atrás. Eu me dei bem algumas vezes fazendo isso. Eu e meu marido chamamos isso de “o novo cruising gay”. Quando eu era solteiro eu conferia o carro de um cara, hoje eu avalio seu carrinho. Nós encontramos várias pessoas, mas a maioria desses pais trabalhava em tempo integral, então o problema da minha solidão durante os dias úteis permanecia.

Com o tempo eu encontrei outros pais gays donos-de-casa, e com eles encontrei espaço para conversar sobre tudo desde a pais gatinhos a caixas de areia imundas. Nós forjamos amizades falando de nossos trajetos à paternidade, levamos os filhos juntos aos playgrounds e nos impressionamos com as rodas de mães amamentando nos parques.

Eu buscava qualquer oportunidade de encontrar outros pais donos-de-casa. Depois de aulas de natação eu levava minha filha para o vestiário masculino para trocar suas roupas. Ele estava quase sempre vazio, já que para cada um de nós pais havia umas dez mães, mas em uma ocasião havia outros dois pais. Por um segundo eu tive a esperança de que eles eram gays, e que nós nos tornaríamos amigos com essa situação em comum. Mas isso nunca aconteceu. Os homens começaram a trocar ideias sobre as mães e o momento evaporou.

Foi então que eu percebi: ser um pai gay dono-de-casa é como ser gay na década de 1990 – algo aceitável, mas ainda uma novidade. Então, já que eu havia me tornado um pai dono-de-casa, eu decidi me apoiar no papel do “melhor amigo gay” que já havia interpretado tantas vezes no passado. Eu escutava os problemas das mães e dava conselhos, batia papo com as babás, ou passava o tempo sozinho e aproveitava a oportunidade para conhecer profundamente minha filha. Esse “Alex” me era familiar, eu já havia sido assim antes. E, sinceramente, era uma maneira boa de se poupar esforços numa época em que minha filha estava crescendo e se tornando um desafio maior. Eu precisava de uma folga.

Mas essa época não era parecida com nenhuma outra da minha vida até então. Minha filha me observava e se mirava em mim para aprender como socializar. Eu não queria que ela visse um pai que se limitava a se misturar com os outros, eu queria que ela conhecesse outras pessoas como ela, com dois pais gays. E eu queria me desenvolver, encarar meus limites e expandir o que significa ser um gay nos dias de hoje.

No início da minha vida como um pai gay dono-de-casa, eu ficava revoltado que uma jornada assim tão incrível quanto a paternidade poderia fazer com que eu ficasse tão isolado. Eu fazia planos para derrubar organizações “só para mães” e escrever cartas para a Amazon pedindo para que eles mudassem o nome da seção “Amazon Mom”. Eu me esforçava para me encaixar nos moldes que já existiam e esquecia de ser eu mesmo.

No entanto, depois de 15 meses, eu me dei conta da oportunidade incrível que eu e meu marido temos de criar um novo componente na identidade gay. Nós somos pais gays – não pais héteros, não mães héteros. Não há uma palavra que nos defina ainda, mas nós somos quem somos. Não há dúvida de que essa é uma identidade mais convencional que aquela que tipicamente se associa à vida gay. Nós passamos as noites em casa, vamos dormir às nove da noite e, na maior parte do tempo, vivemos vidas bastante convencionais. Mas nós não estamos mortos: nós ainda saímos para jantar, frequentamos bares – apesar de que muito mais cedo do que antes de termos filhos – e paqueramos os homens bonitos do Castro. Eu já aceitei que sou um guardião nã0-tradicional, ou seja, um pai gay, num meio convencional, ou seja, a paternidade.

Eu parei de dar atenção no que está errado e passei a me concentrar no que eu posso fazer que seja certo. Eu quero que minha filha fale sobre como sua infância foi ótima, não sobre como ela foi diferente do resto. Resumindo, eu serei o pai que eu quero ser quando eu sou eu mesmo.

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2 comentários

Thiago

Poxa, que lindo. Parabéns para esses dois.
Ow Márcio, vem ser gay, pai e dono-de-casa comigo, casa comigo, seu lindo! ; D

Thom

Seria interessante entrevistar alguns casais gays brasileiros que sejam pais e ver como essa realidade descrita em SÃo Francisco se dá por aqui.

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