“O Brasil anda uó para quem é LGBT”. Essa constatação aparece logo no primeiro parágrafo do manifesto do movimento #VoteLGBT. Esse grupo suprapartidário se organizou no começo da campanha eleitoral como reação aos movimentos conservadores e evangélicos anti-LGBT que se organizam para dominar fatias cada vez maiores do Congresso. Ao invés de reclamarem com os braços cruzados, decidiram conscientizar os eleitores de que candidatos comprometidos com a igualdade existem sim, e que com o voto pessoas trans, travestis, gays, lésbicas e bissexuais podem alterar o rumo cada vez mais repressivo que a política nacional está tomando. Em seu site existe uma lista de candidatos a deputado estadual, deputado federal e senadores de todos os estados que abertamente apoiam as causas LGBT. O grupo também pediu fotos e vídeos de eleitores se declarando a favor da causa, para a produção de um vídeo promocional prestes a ser lançado. O LADO BI entrevistou por e-mail o quadrinista Mário César, um dos membros do grupo (e convidado do Lado Bi dos Quadrinhos) para saber mais sobre essa iniciativa.
LADO BI Por que a população LGBT tem tanta dificuldade de se coordenar nas eleições?
MÁRIO CÉSAR Por uma série de fatores. Um deles é a quantidade de pessoas que ainda não saíram do armário: um dos efeitos da própria homofobia. Outro fator é nossa própria diversidade. Há muitas cores no nosso arco-íris. E cada cor tem voz própria, opiniões e gostos pessoais muito distintos uns dos outros. É mais complicado de se conseguir unir uma população assim do que um comunidade de fiéis doutrinados a pensar da mesma forma. Também há muito preconceito dentro da própria comunidade LGBT. Há muitas tribos que não se bicam com outras tribos, pessoas com diversos níveis de homofobia internalizada, outros que zombam dos mais efeminados, grande parte esquece que as pessoas trans também fazem parte de nossa comunidade e por aí vai.
Vocês acham que, se votasse em bloco, a população LGBT poderia conseguir uma influência na política nacional tão forte quanto a evangélica atualmente?
Achamos que é possível sim ter uma votação mais expressiva se a população (não apenas a LGBT) se conscientizar que, apesar de todas as diferenças, os direitos devem ser os mesmos para todos. Os direitos devem ser comuns a todos os cidadãos não importa qual seja sua orientação sexual, religião, identidade de gênero ou cor de pele. Parece simples, mas muitas pessoas ainda não compreendem que não se trata de uma luta por privilégios e sim por direitos civis ainda negados a minorias.
A pauta dos direitos civis LGBT foi o assunto da semana no início da campanha eleitoral, mas o assunto aparentemente morreu na mídia tão rapidamente quanto surgiu. Isso deixa claro que os políticos não levam essas questões com seriedade?
Isto deixa claro que ALGUNS políticos e parte de nossa mídia não tratam essas questões com seriedade. Nossa campanha é justamente para dar mais visibilidade a quem trata destas questões com seriedade. Há um discurso muito raso e despolitizante de que nenhum político presta, que é tudo farinha do mesmo saco. Isto não é verdade, há maus políticos e bons políticos em todos os partidos. Basta ter um olhar mais atento para se separar o joio do trigo. Muitas pessoas estão descrentes com a política, mas não se tocam de que foram elas próprias que elegeram ou deixaram outros elegerem quem está governo. Dizem que querem mudanças e que não se sentem representadas por nada do que está aí, mas continuam ou elegendo os mesmos nomes ou deixando que os mesmos nomes sejam eleitos por outras pessoas. Quando alguém da população LGBT assume este posicionamento, por exemplo, tudo o que faz é dar mais espaço no Congresso para os fundamentalistas ocuparem. Só ficar reclamando não ajuda em nada, é preciso fazer escolhas melhores. As mudanças que queremos serão realizadas por meio da política e não pela negação dela. E esta situação deixa claro também que boa parte da nossa própria mídia ainda é muito imatura. Cria-se, por exemplo, um bafafá imenso por causa de um beijo entre dois homens ou duas mulheres na novela. Um simples beijinho é tratado como acontecimento televisivo do ano pra aumentar a audiência de uma novela, e ainda se perguntam por que estas questões LGBT ainda são tabu. Se a mídia de maior alcance começar a informar melhor a população sobre estas questões irá prestar um grande serviço para diminuir o preconceito.
Quem está por trás do movimento #VoteLGBT e por que vocês decidiram tomar essa iniciativa?
A ideia veio de editores e colaboradores da Revista Geni, que é uma publicação independente sobre sexualidade, gênero e temas afins. Somos um grupo de amigos e nenhum de nós está ligado a nenhum partido político ou mesmo a nenhuma organização de movimento social. Com a proximidade das eleições notamos a necessidade de ter uma ação mais direta da comunidade LGBT, para lutar por seus direitos e conscientizar a sociedade diante o crescimento alarmante da bancada fundamentalista LGBTfóbica nos últimos anos. Sempre há muito debate sobre os candidatos a Presidente, mas a maioria das pessoas mal se lembra em quem votou para deputado ou senador, e não compreende muito bem como funciona a divisão entre Executivo e Legislativo. Muitos acham que basta o Presidente querer para se aprovar novas leis, e não é bem assim que nosso sistema político funciona. É preciso ter apoio no Legislativo para novos projetos de lei serem aprovados. E os fundamentalistas religiosos são muito organizados, sua bancada cresceu quase 50 % na eleição de 2010, chegando a mais de 60 parlamentares. Nesta eleição eles projetam que podem chegar a 100 parlamentares, cerca de 20% do Congresso. Enquanto isso, a bancada pró-LGBT é minúscula. É preciso mudar isto e percebemos que muitos amigos não tinham noção em quem votar simplesmente por não conhecer candidatos que defendam estas causas. Durante a pesquisa para as reportagens da Revista Geni, também descobrimos que vários partidos políticos não oferecem espaços de difusão para setoriais/grupos/núcleos LGBT. Um fato intrigante, porque sabíamos, por meio de contatos pessoais, que esses grupos existem, mas estão invisíveis dentro do próprio partido. Ficou claro que esses grupos não possuem recursos e espaço partidários, sendo tratados como minorias dentro da estrutura. O mesmo não ocorre com setoriais/grupos/núcleos internos de mulheres, que possuem maior visibilidade dentro dos partidos. Daí nasceu a campanha e esperamos poder ajudar a aumentar a bancada pró-LGBT no Congresso.
Vocês acham que a população LGBT deveria considerar as propostas que concernem sua vida e seus direitos acima de questões gerais da população brasileira?
Nós achamos que direitos LGBT não estão nem acima nem abaixo de questões gerais da população brasileira. Direitos LGBT simplesmente são parte destas questões gerais. Quando se pisa nos direitos de uma parcela da população, a sociedade inteira perde com isso. Quando discriminamos qualquer minoria, nós nos tornamos mais desumanos, mesmo que a maioria não enxergue isto. Não é preciso ser homossexual ou pessoa trans para se apoiar causas LGBT, basta ter coração e solidariedade. Uma sociedade na qual a maioria perdeu a capacidade de ter empatia pelo próximo é uma sociedade doente e que periga seguir caminhos cada vez mais autoritários. Imaginem, por exemplo, se a maioria da nossa população católica quisesse impedir o casamento evangélico alegando que só a religião deles tem validade perante o Estado. Seria diferente do que fazem conosco? É isto que boa parte da população brasileira ainda precisa compreender melhor: nossa luta é, no quadro geral, a mesma luta da maioria por uma sociedade mais justa, mas para sermos ouvidos é preciso que a população LGBT se reconheça como um grupo com interesses políticos próprios, justamente por ter direitos de proteção e apoio sistematicamente negados ou não escutados por tanto tempo.
Parece que a maioria de candidatos abertamente LGBT são bem de esquerda. O que gays que detestam ideias socialistas e têm aversão a siglas como PV e PSOL têm como opção na hora de votar?
Nossa campanha é suprapartidária. Nós estamos levantando quais são os candidatos que defendem e apoiam causas LGBT e dando-lhes mais visibilidade, independente de qual partido eles sejam e da nossa própria preferência política. É preciso lembrar também que a maioria dos partidos brasileiros tem um ‘S’ de socialista em sua legenda, mas nem todos são de fato socialistas. Um dos que você citou mesmo tem a ecologia e não o socialismo como principal bandeira e já participou, inclusive, de governos regionais de partidos que não são de esquerda. Há opções no site para diversas preferências partidárias e correntes ideológicas e nós também somos abertos a receber indicações de novos candidatos. Quem tem uma preferência partidária predefinida, é pró-LGBT e sente que não tem em quem votar sempre possui a opção de pressionar os partidos nos quais acredita/milita para que esses representem seus interesses e façam parte da luta por direitos civis LGBT. Mas talvez a pergunta que precisa ser feita por todos os eleitores são: por que alguns partidos possuem maior representação pró-LGBT que outros?
Como está a iniciativa das fotografias e vídeo para redes sociais? Como as pessoas podem colaborar para ela?
Está indo muito bem. Estamos bem contentes com a quantidade de pessoas apoiando a campanha nas redes sociais, tanto eleitores quanto candidatos. Vários eleitores mencionaram que estão conseguindo encontrar candidatos que poderiam representá-los melhor. E os candidatos estão agradecidos por terem um espaço adicional de difusão de suas campanhas. Dia 22 de setembro foi o último dia para enviar um vídeo ou uma foto para participar do vídeo oficial. Mas mesmo depois dessa data, quem quiser estará ajudando muito a campanha ao publicar apoios, ainda que não entre para o vídeo. Quanto mais gente divulgando a ideia, melhor.
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Crédito da ilustração: Emília Santos
Essa é a primeira eleição em que voto,mas óbvio que votarei em candidatos GLBT.