Cyberativista explica porque petições online fazem diferença

Leandro Ramos, da ONG All Out, conta em entrevista como o “ativismo de cadeira” pode provocar mudanças no mundo

por Marcio Caparica

Quando a discussão sobre o “ativismo de Facebook” ganhou força durante os protestos do ano passado, tivemos que pensar sobre os efeitos de tanta indignação nas redes sociais. Muita gente desprezou, dizendo que aquilo era uma maneira das pessoas se sentirem engajadas com o mínimo de esforço, sem no entanto causar efeitos de verdade. Eu já entrei para o time de quem acha que as pessoas não deixam de ir às ruas porque saciaram suas ânsias cívicas dando like em posts revoltados, pelo contrário: toda uma população que antes da internet não teria como dar seu recado por causa das engrenagens da vida cotidiana agora consegue expressar sua insatisfação. E milhões de ações ínfimas podem enviar uma mensagem muito forte. Mais cedo ou mais tarde isso acaba nas ruas, como vimos ano passado e discutimos no Lado Bi da Revolta e no Lado Bi dos Protestos.

Com o início dos Jogos Olímpicos de Inverno na Rússia, a pressão mundial contra a homofobia russa fica cada vez maior. No último dia 5 a All Out organizou protestos em cidades do mundo todo em repúdio ao patrocínio de marcas como McDonald’s, Visa e Coca-Cola aos jogos em Sochi. Quem passou na frente do McDonald’s da Avenida Paulista às 19h viu um punhado de  pessoas erguendo cartazes, conversando com os transeuntes curiosos e tirando fotos. Tanta revolta online para tão pouco resultado aparente longe do teclado pode parecer desanimador. Mas Leandro Ramos, representante da All Out no Brasil, combate esse sentimento de frustração. Em entrevista exclusiva ao LADO BI, o cyberativista mostra que o poder coletivo dos protestos online podem gerar sim efeitos no mundo analógico, e que todas as contribuições, mesmo que aparentemente inúteis, conseguem em conjunto desencadear mudanças importantes.

LADO BI: Como que protestar na frente do McDonald’s aqui no Brasil pode fazer qualquer efeito sobre o que acontece com os gays na Rússia?

Leandro Ramos

Leandro Ramos

Leandro: Segurar cartazes numa esquina aqui no Brasil pode parecer um ato pequeno, mas, no conjunto, significa muito e pode ter um impacto real na vida das pessoas LGBT na Rússia. Os protestos do dia 5 aconteceram em mais de 20 cidades no mundo todo. Talvez eles pareçam pequenos isoladamente, mas ganham outra escala quando vistos em conjunto – se centenas de pessoas estão nas ruas ao mesmo tempo, em várias partes do planeta, a história se torna difícil de ignorar. E se a imprensa presta atenção, certamente a mensagem vai chegar a quem precisa – sejam os patrocinadores olímpicos, seja o governo (da Rússia, daqui, de onde for), sejam os ativistas russos que estão encarando a coisa toda.

Os protestos já conseguiram algum resultado?

Quando a All Out e outras organizações começaram suas campanhas contra as leis russas (lá atrás, quando São Petersburgo passou uma das primeiras leis locais de propaganda e, em seguida, o governo aprovou a lei nacional), o governo russo parecia completamente irredutível. Aos poucos, essa situação foi se invertendo – muito graças à pressão internacional, nas redes e nas ruas, em protestos como esses que estão acontecendo hoje.

As Olimpíadas de Inverno em Sochi são um momento fundamental dentro dessa campanha, por uma razão simples: boa parte do planeta vai estar de olho na Rússia nas próximas semanas e, por diversas razões, o governo quer mostrar que a situação está sob controle – daí a preocupação do presidente Vladimir Putin em dizer que os direitos LGBT serão respeitados durante os Jogos, que atletas e turistas gays serão bem-vindos. Há algumas semanas, nossos parceiros na Rússia alertaram que o parlamento russo estaria inclusive discutindo uma revisão da lei de propaganda, para eliminar as referências a “relações não tradicionais”.

Tem muita gente que acha que é exagero ou bobagem fazer um protesto na frente do McDonald’s.

Protesto na frente do McDonald's da avenida Paulista

Protesto na frente do McDonald’s da avenida Paulista

Visa, Coca-Cola e McDonald’s são os principais patrocinadores dos jogos olímpicos. Essas empresas investem (e muito) na Rússia, para além das Olimpíadas e, obviamente, têm conexões e influência sobre o governo local. Além disso, todas elas se posicionam como empresas que defendem a igualdade e os direitos das pessoas LGBT – mas elas fazem isso apenas nos mercados onde esse tipo de postura é conveniente. Nesse momento de “flexibilidade” (pelo menos aparente) do governo russo, os patrocinadores olímpicos podem ser a pressão que falta para derrubar essas leis de uma vez por todas. Nossos parceiros na Rússia, inclusive, apoiam essa estratégia e reforçam a importância de um posicionamento claro e explícito dos patrocinadores (como o que a operadora de telefonia norteamericana AT&T fez há alguns dias).

Como é que assinar uma petição online pode fazer qualquer diferença nos rumos do mundo? 

Eu costumo dizer que a petição online tem duas razões de ser.  A primeira é mostrar, em números, que muita gente se importa com um determinado assunto. E isso vale não só para os alvos da petição (aqueles que têm o poder de decisão), mas também para os círculos de quem assina. Ou seja, se eu assino e compartilho uma petição sobre o que está acontecendo na Rússia, meus amigos no Facebook vão saber que aquilo ali é importante pra mim em algum grau – e a chance deles se interessarem aumenta. Se eles assinam, compartilham, conversam a respeito numa mesa de bar, o assunto necessariamente já chegou mais longe do que chegaria sem aquele primeiro gesto. É claro que as chances de uma petição online – assim como qualquer outra solução simples – resolver sozinha um problema complexo são pequenas, mas eu acredito que dar uma plataforma para as pessoas demonstrarem interesse (ou preocupação, indignação, etc.) é um passo bem importante nesse processo.

A segunda razão de ser é agregar pessoas. Quando você assina uma petição da All Out, há uma chance bem grande de que você tenha assinado por se preocupar com questões LGBT. Os emails desses milhões de pessoas ficam gravados na nossa plataforma – ou seja, depois da assinatura, a All Out passa a ter uma forma de entrar em contato com você (e com milhões de outras pessoas interessadas) sempre que necessário, seja pra avisar que estão tentando aprovar a “cura gay” no Brasil, pra pedir que você faça uma doação para ajudar jovens gays a saírem do Iraque, ou pra te convidar a vir pra rua para protestar contra as leis homofóbicas russas.

Esse ativismo eletrônico sai do teclado e chega na vida em carne e osso?

Sim! A campanha da All Out na Rússia, inclusive, tem uns exemplos bacanas de como as pessoas podem ir (e vão) além da petição. Por exemplo, num determinado momento, o governo russo multou uma das nossas organizações parceiras sob uma nova lei de “agentes estrangeiros”. A multa era muito maior do que o orçamento deles pro próximo ano – ou seja, eles teriam que fechar as portas. A gente imediatamente acionou os membros da All Out pra dizer “moçada, precisamos levantar a grana pra pagar essa multa”. O dinheiro foi arrecadado em dias, a multa foi paga e eles continuam funcionando.

A mesma coisa aconteceu com a primeira mobilização global. Boa parte desses protestos foi organizada por membros da All Out, gente que assinou uma petição nossa, e outra, e outra e agora já se sente parte do movimento o suficiente pra assumir a responsabilidade de realizar um protesto, sem nenhum apoio físico da All Out! Antes de entrar pra turma, eu achava que a All Out era uma organização gigante – e não é (nós somos só 12 pessoas, incluindo a galera que cuida da nossa parte burocrática). Essa impressão, acho eu, vem justamente dessa proposta de ser um movimento – que começa com a assinatura de uma petição online, mas vai muito além disso.

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