Computação gráfica, capaz de feitos incríveis: trazer mutantes e super-heróis dos quadrinhos para as telas, criar alienígenas azuis gigantes e tartarugas ninjas, tornar plausíveis as mais absurdas cenas de ação. Se vai conseguir operar o milagre de manter um estúdio pornô em cima do muro, os relatórios de vendas dirão.
A Falcon Studios lançou semana passada o filme California Dreamin’ (NSFW). A “trama” é aquela típica de tantos outros filmes pornôs: homens gostosos que não resistem à presença de outros homens gostosos na beira da piscina e mandam ver lá mesmo. A novidade é que nesse lançamento os preservativos usados pelos atores foram apagados digitalmente na pós-produção.
O filão do filme pornô sem camisinha vem se tornando cada vez mais popular e lucrativo – provavelmente um reflexo das atitudes do público que assiste esses filmes, como comentamos durante o Lado Bi da Pornografia. Enquanto os estúdios da era web (Sean Cody, Bel Ami, Next Door Studios) já vêm produzindo vídeos bareback há anos, os mais antigos (Colt, Titan, Falcon/Raging Stallion) vinham se atendo aos princípios adotados durante os anos 1980 e 1990 de colocar preservativos em todas suas cenas. Para atender à demanda por transas au naturel, eles soltavam filmes vintage, filmados na chamada era “pré-camisinha” dos anos 1970 e 1980. Mas como é difícil manter convicções enquanto se vê a margem de lucro cair, cada vez mais os estúdios cedem e desencapam seus atores.
Remover o preservativo digitalmente pareceria a solução ideal: os atores estão protegidos, e o consumidor teria a imagem que lhe excita mais. Mas parece que nesse caso o truque consegue é desagradar a todos. Como resume o Gay Porn Blog (NSFW):
Um dos grandes argumentos contra o pornô bareback é que ele transmite a “mensagem errada” ao glamorizar o sexo sem proteção. Portanto, se quem assiste o vídeo não estiver ciente do truque digital, não estaria essa mensagem sendo enviada do mesmo jeito? Por outro lado, se quem gosta de filme bareback souber da remoção eletrônica do preservativo, a magia vai ter acabado (no que diz respeito ao apelo de “pele”; a cena ainda pode ser quente). Eu não sei exatamente qual é o segmento de mercado que eles estão tentando agradar e o que eles estão tentando conseguir com essa bobagem: quem curte bareback automaticamente vai broxar pelo fato de ser fake; e quem for bobo o suficiente para não perceber provavelmente vai passar a gostar de pornô bareback, o que eu acho que não seja a intenção da Falcon.
E o efeito nem parece ser tão convincente assim. Segundo apurou Tracy Clark-Flory, remover as camisinhas de um filme pornô inteiro com as técnicas ideais para uma ilusão perfeita custaria pelo menos 100 mil dólares. Como a indústria não está com essa bola toda, a solução parece ter sido combinar técnicas de maquiagem e iluminação, e apagar apenas a borda do preservativo. O resultado é um pênis que apresenta ainda o brilho da camisinha, mas de repente se torna fosco como o resto da pele. Chris Ward, presidente da Falcon, admite que os espectadores dificilmente vão se deixar enganar pelo resultado. “A camisinha está lá, mas não é uma distração gigante”.
(Pausa para observar como é exatamente esse raciocínio de que a camisinha é uma “distração gigante” que faz com que as pessoas já encarem seu uso como um problema na qualidade da transa logo de partida.)
Resumindo: a Falcon nem se compromete a promover o uso do preservativo em seus vídeos, mesmo que lhe custe financeiramente, nem abraça a transa sem proteção com todas as implicações morais e éticas que isso acarreta. Tenta criar um caminho intermediário que, honestamente, é mais inverossímil que o bronzeado de seus atores.
O sexo sem camisinha entre gays está em alta, provavelmente por causa do fetiche de se fazer algo que o consenso geral diz que não deveria ser feito, somado à impressão de que não há problema em se tomar um remedinho pelo resto da vida (ignorando-se de seus efeitos colaterais) e à falta de mortes dramáticas em decorrência da AIDS. A demanda por filmes pornôs que exibam esse tipo de relação acompanha o movimento. Essa inovação dos estúdios Falcon, mais que ceder a essa tendência – a meu ver equivocada – do sexo sem proteção, a estimula. Tratar o uso da camisinha como algo tão vergonhoso que merece o esforço e gasto extra para ser apagado passa desestimular seu uso ainda mais que a simples opção por não usá-la. Infelizmente as dificuldades físicas e sociais de se viver com o HIV não são apagadas com a mesma (pouca) facilidade de se apagar um preservativo de um filme.
Já percebi mesmo que alguns filmes parecem ser bareback, mas em outras posições dá pra notar a camisinha. Esse é um dos meus gêneros favoritos, parece que traz uma ligação maior entre os parceiros, confiança e companheirismo… Mas acho que não faria com um desconhecido sem proteção. Acho que os filmes, em pessoas mais consciente, são mais uma forma de escape do que estímulo.