Mundo da moda: habitat em que as pessoas estão tão fechadas em seus próprios parafusos que muitas vezes perdem a noção do que é razoável para o resto dos habitantes do planeta Terra. Mundo da arte: ambiente em que o conceito mais chocante pode ser expressado na forma de um objeto que dá pausa ao pensamento. O que acontece quando você junta os dois da maneira mais errada? E da maneira certa?
No último dia 21 a polêmica engoliu o dia de Miroslava Duma, ícone fashion de Moscou, ex-editora da Harper’s Bazaar russa e fundadora do site de moda Buro 24/7. Esse foi o dia em que foi ao ar sua entrevista com Dasha Zhukova, editora-chefe da revista Garage, editora de moda e herdeira. Acompanhando o texto, um singelo retrato de Zhukova sentada numa cadeira que imitava uma mulher negra de pernas para o ar.
É o tipo de coisa que impressiona por certamente ter passado por dezenas de pessoas em toda a linha de produção dessa foto e desse artigo, sem que ninguém considerasse que talvez se tivesse cruzado a linha do provocativo para lá do racista, do misógino e, por que não, do mau-gosto. Assim que o retrato alcançou o público ocidental, a enxurrada de twits revoltados desabou sobre Duma. Ela tentou justificar dizendo que é uma cadeira inspirada pelo trabalho do artista plástico Allen Jones, argumentou que o objetivo do designer da cadeira, Bjarne Melgaard, era criticar o preconceito racial, e pediu desculpas admitindo que a escolha da cadeira havia sido “infeliz”. Quem souber o russo para ler a matéria vai encontrar, agora, apenas versões cortadas das fotos polêmicas.
Também russo, o artista plástico Alexander Kargaltsev achou pouco, e decidiu fazer uma limonada desse limão todo. “Eu fui obrigado a sair da Rússia por causa da descriminação que sofria por ser gay”, ele contou ao The Huffington Post, por e-mail. “Fico desapontado que a tradição da xenofobia seja tão forte em meu país natal que essa foto de Zhukova passe por absolutamente normal e banal. O povo russo parece não perceber o limite da ofensa por princípios de cor, nacionalidade, orientação sexual etc.” Sua resposta aos russos, então, veio na foto abaixo:
Em outro depoimento à revista Out There, o artista explica: “Fico profundamente entristecido ao constatar que o racismo está sendo tratado com glamour e, assim, sendo considerado não apenas aceitável como também fashion por pessoas como Zhukova. Minha composição inverte a injustiça visual e a ofensa causada por aquele editorial, e tenta restaurar a igualdade de gêneros, raças, e orientações sexuais. Infelizmente, eu sei muito bem que meu trabalho vai ser visto pela maior parte dos russos como provocativo e inapropriado, enquanto aquela imagem enojante não provocará qualquer reação.”
Kargaltsev já havia se tornado conhecido em 2012 por seu ensaio fotográfico Asylum, em que fotografou refugiados gays russos em Nova York, em nu frontal. Confira alguns dos trabalhos dessa série a seguir.
Confira o Lado Bi da Rússia!
Antes de se chegar na questão do racismo e da misoginia, o que mais me impressiona é o mau gosto de que compra um troço como esse.