Pés na escada de uma piscina

O que fazer quando seu filho de 7 anos diz “Eu quero ser gay”

A lógica infantil nunca deixa de surpreender os pais, e ensina-os que a homossexualidade envolve toda a família

por Marcio Caparica

Amelia (pseudônimo escolhido pela autora para proteger a intimidade de sua família) escreveu em 2011 um post em que contava como seu filho de seis anos já entendia gostar de meninos assim como Kurt e Blaine no seriado Glee, e como ela e o marido apoiaram o filho. Esse post tornou-se viral, e desde então ela mantém um blog no portal Huffington Post. Há dois dias ela compartilhou mais uma história sobre seus filhos e homossexualidade, e continua dando exemplo das maneiras como os pais devem agir para apoiar seus filhos. Traduzimos o post logo abaixo, com permissão da autora.

Eu escrevo muito sobre meu filho mais velho, mas ele não é o único. Eu tenho a sorte de ter três filhos no total. Meus outros dois são tão incríveis quanto o primeiro, na minha opinião nada imparcial. Meu filho do meio agora tem sete anos, a mesma idade que o mais velho tinha quando começou a se identificar como gay. Não deveria me surpreender que mais ou menos na mesma idade meu filho do meio começaria a ter questões e opiniões sobre a orientação sexual do irmão mais velho, mas me surpreendeu. No início era apenas uma parte normal de sua vida, que não era interessante a ponto de se parar para pensar. “Meu irmão é gay, tá bom, mas alguém quer jogar Mario Kart?” era basicamente sua opinião sobre esse assunto. Mas isso começou a mudar.

Alguns meses atrás, estávamos num daqueles dias de verão horríveis e nojentos em que o calor e a humidade simplesmente não dão trégua. Por sorte, dois ótimos amigos nossos, Sam e Toby, têm piscina em casa e nos convidaram para visitá-los e nos salvaram da tortura do calor. Sam e Toby vivem numa área superdescolada e muito valorizada  da cidade, razoavelmente perto de nós. Eles têm uma casa que nossos filhos apelidaram de “castelo”, com uma casa de fundos que é maior que a nossa casa. Os meninos adoram Sam e Toby e adoram visitar a casa deles. A gente já estava na piscina fazia algumas horas, e aquela energia incontrolável que as crianças liberam quando entram na água já tinha se esvaído. A gente estava curtindo um tempinho descansando dentro da água fresca.

Meu filho do meio estava cansado, e encostou a cabeça contra meu peito enquanto eu boiava de costas.

“Ô mãe”, ele disse, quebrando o silêncio.

“Oi, filho?”, eu disse, meio cochilando.

“Eu quero ser gay.”

Isso me pegou desprevenida. Eu pus ele entre meus braços e apoiei meus pés no chão da piscina.

“Bem”, eu comecei, e parei. Isso era inesperado. Meu filho do meio nunca se encantou por outros meninos como o mais velho, e ano passado ele queria se casar com uma coleguinha de classe. Nada disso fazia muita diferença. Foi a maneira como ele construiu essa frase que me fez parar. Ele queria ser gay. Era muito diferente do nosso filho mais velho, que simplesmente um dia anunciou que gay era o que ele é.

“Por que você quer ser gay, meu anjo?”, eu perguntei, com sua cabecinha ainda aconchegada em mim.

“Quando eu for gente grande, eu quero morar numa casona como essa e ter uma piscina.”

Ah, OK. Então isso era algo bem diferente. Por acaso nenhum dos nossos amigos heterossexuais vivem em casas grandes com piscina, então eu consegui entender sua linha de raciocínio.

“Ser gay não é algo que você pode querer e pedir pra ser”, eu falei para ele enquanto passava a mão em seu cabelo molhado. “Ser gay é algo que se é.”

Ele levantou a cabeça e olhou para o irmão mais velho. “Mas ele é gay, por que eu não?”

“Ele é mesmo. Mas ele é gay porque ele quer andar de mãos dadas com outros meninos. Ele quer ter namorados e quem sabe casar com um outro menino um dia.”

“Que nem o Toby e o Sam.”

“Isso mesmo, que nem eles. Mas isso não quer dizer que ele vai ter uma casa como essa. O Michael ou o Johnny têm casas grandes assim?”, eu perguntei, mencionando outros dois amigos nossos, gays e adultos. Meu filho balançou a cabeça. “E você não tem que se casar com um menino para conseguir uma casa assim. Alguns dos vizinhos do Sam e do Toby são como a mamãe e o papai, menina e menino. Então não importa se você gosta de meninos ou meninas, você ainda pode ter uma casa grande e bacana como essa quando você crescer.”

“OK,” ele suspirou e voltou a colocar a cabeça sobre meu peito. Eu sei que eu podia ter parado ali, mas algo me disse para continuar. Eu movi seu corpo até que ele olhasse para mim novamente.

“Você gosta de meninos ou de meninas?”, eu perguntei, olhando em seus olhos.

Ele inclinou a cabeça e pensou por um minuto. “Eu não decidi ainda.”

“E não há problema nisso. Nem todo mundo decide isso na mesma idade que o seu irmão. Você tem um montão de tempo.”

“OK.”

“Quando você decidir, eu não vou te amar nem mais nem menos do que eu te amo agora. Não faz diferença de quem você gosta, a mamãe vai te amar com todo o coração e mais um pouco.” Eu puxei ele pra perto de mim. Então eu soprei no ouvido do meu filho a brincadeira que eu faço com todos eles desde que eles nasceram. “Quem é o menino que eu amo mais?”

Ele sorriu para mim. Era aquele sorriso que captura meu coração, o sorriso que toma conta de seu rosto inteiro. “Eu!”

“Isso mesmo!” E daí eu olhei para seu irmão mais velho, que estava escutando essa conversa o tempo inteiro, e disse para ele, “Quem é o menino que eu amo mais?”

“Eu!”, ele gritou em resposta.

E então eu virei para nosso caçula, sentado numa cadeira ao lado da piscina, com uma toalha jogada sobre a cabeça e se empaturrando de batatinha frita como se estivesse há dias sem comer. “Quem é o menino que eu amo mais?”, eu berrei pra ele.

“Eu, mamãe!”, ele gritou, cuspindo batatinhas. “Você me ama mais!”

“Isso aí!” E eu voltei dar atenção para o do meio. “Vocês três são os garotos que eu mais amo no mundo. E vocês são perfeitos assim do jeitinho que são.”

“OK”, ele disse com um suspiro, inclinando a cabeça sobre meu peito mais uma vez e fechando os olhos. Parecia que a conversa tinha chegado ao fim.

Mas esse era apenas o início dos questionamentos. Nós respondemos a todos, porque ele tem que ter a liberdade de levantar esse tipo de questão. O que meu filho do meio me lembrou é que ser gay não é a história apenas de seu irmão mais velho. Nós somos uma família. Ter um filho gay é parte da minha história também, e parte da história de seu pai. Ter um irmão gay é parte da história dos meus outros dois filhos, e isso não deve ser desprezado ou ignorado. E como faz parte de sua história, ele deve sempre ser capaz de fazer as perguntas que quiser, e é parte do meu trabalho como mãe respondê-las, sinceramente, todas as vezes.

Descubra mais sobre essa questão no Lado Bi da Família.

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13 comentários

Déa

Amei a matéria. Sou mãe de três filhos, todos pequenos. Se todas as mães tivessem essa atitude poderíamos dizer adeus a homofobia. Consciência é tudo.

Kenzo

Ótimo texto, e bom o fator maior pelo que se trata o interesse do menino em ser ”gay”… Porém como a mãe acima diz no texto que ele acompanhava o seriado GLEE, ali tinha personagens no quais ele se identificava, entre outros pontos cotidianos que também ampliam ainda mais a visão do menino.
Ele tem 6 anos de idade, o caso é pode ser que sim pode ser que não, essa fase é complicada demais para se ter uma opinião em cima, porém o papel que a mãe leva com o filho e assim junto a familia é digno de mostrar as coisas como são, sem dizer que foi influencia , as coisas acontecem como tem de acontecer ,

Uanderson

Excelente matéria.
Seria bom se as pessoas “particulamente”mamães e papais se interessassem em ler matérias sobre histórias e experiências vividas por outros pais que têm filhos(as) homossexuais, lésbicas, e/ou bissexuais, para que tirassem proveito de como lidar com tais situações, sem compromisso de interferir nos modos de pensar de cada um. Essa matéria estimula pontos positivos, onde a mãe tem uma relação aberta e de respeito com seus filhos, dando à eles a liberdade de viver como eles realmente são e de serem felizes independente de suas sexualidades! É ótimo quando a família trata tais casos com tranparência ao invés de menosprezar tais fatos vividos por algum dos seus familiares ou até mesmo excluir um membro da família por gostar de pessoas do mesmo sexo!
Parabéns pela matéria, tenho certeza que essa história motiva reflexões.

Mikaella

Belíssima matéria! Por um acaso encontrei esse blog e me interessei em ler.Meu irmão de 14 anos sofre bullying em todo lugar onde vai e principalmente na escola, pois os coleguinhas o chamam de gay. Eu tentei ajudar ele e pedir se ele gostava realmente de meninos e ele me disse “eu tenho medo de pensar sobre isso e descobrir que eu gosto de meninos. se eu for gay, ninguém vai gostar de mim”. Lógico que eu disse que continuaria gostando dele e blablabla… mas enfim, me pegou de surpresa. Pois eu não sei como ajudar ele a enfrentar esse preconceito e como se aceitar.

Ah, e parabéns pelo blog! Eu apoio todo tipo de amor ^_^

Luca

Tambem gostei muito da Matéria! mas eu não decidi o que fazer com a minha vida pessoal ainda,quando eu tinha 6 anos eu fui abusado sexualmente pelo meu primo e agora eu só me sinto ecitado por homens eu já tentei me atrair por mulheres mas não consigo ,e minha mãe é envanjelista de uma igreja pentecostal e eu não sei como contar, se eu seja etero ou homo?

Marcio Caparica

Lucas, não precisa ter pressa. Mas desvincule esse conceito de que você sente atração por homens por causa do que seu primo fez com você. Eu recomendaria que você procurasse um apoio de um psicólogo, não para ajudar com sua homossexualidade, mas principalmente para cuidar dos efeitos desse abuso. E quando a sua mãe, deixe isso para mais tarde, quando você estiver mais bem estruturado.

sysy

Eu entendo Vc. Um dos meus melhores amigos tem uma história muito similar a sua. O pai dele é pastor da assembléia de Deus, militar, e a família dele é bem conservadora. Mas ele tem pessoas q o amam e o aceitam como ele é

Pablo

Sou bissexual, passei por abuso sexual e por bullying há cerca de 30 anos e ainda sofro por vergonha, medo e ressentimento pelo que passei, mesmo depois de 20 anos de terapia e psiquiatria. Adoraria que meus pais tivessem feito o que a Amelia fez, pra eu não achar que o que eu gosto de fazer (e isso vai além de gostar de homens, mas nada ilegal) é errado. Obrigado por compartilhar a história.

Gabriel

Adorei a matéria! muito boa!
Eu mesmo me descobri aos 8 anos, mas não achava que era ‘diferente’ das pessoas que conviviam comigo. Até começar a sofrer bullying de como eu falava, andava, do que eu gostava e etc. Por sorte eu tenho uma família que me ama muito e que sempre me apoiou em todas as minhas decisões.
viva as descobertas! rs

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