Traduzido do artigo de Joyline Maenzanise para o site PinkNews
Devo dizer, eu nunca pensei que veria o dia em que o presidente Mugabe renunciaria a seu posto. Sinceramente, espero que esse seja o início de uma nova era, mais promissora.
O zimbabuano comum carregou nas costas o peso dessa presidência tirânica, e todos nós torcemos para que seu sucessor cumpra as promessas que os candidatos estão fazendo agora, nas campanhas para as eleições que vão acontecer ano que vem.
Queremos um líder que garanta nosso desejo de responsabilizar nossos governantes pelo que fazem; um líder que sirva ao povo, ao invés de um que coloca seus próprios interesses e os de seus aliados acima dos interesses do cidadão. Sim, parece que, para os zimbabuanos comuns, cisgêneros e heterossexuais, há uma pequena luz surgindo no fim do que foi um túnel muito longo e escuro.
Seria mentira dizer que eu, uma pessoa queer que mora no Zimbábue, compartilho da mesma alegria que está contagiando meus conterrâneos. O Zimbábue é um país que é, em geral, homofóbico. Não apenas a homossexualidade é considerada um crime passível de punição, ela também é vista com maus olhos como algo antiafricano, uma imposição do neocolonialismo ocidental, um ato pecaminoso contra o divino, ou uma doença que exige terapia de cura gay.
O presidente Mugabe é conhecido por suas declarações descaradamente homofóbicas, em que comparava pessoas LGBT a porcos ou cães. Não é surpreendente que muitos zimbabuanos o aplaudiam quando ele despejava seu discurso de ódio, que servia apenas para fortalecer o ódio contra a comunidade LGBT.
Não houve ativismo – ou ameaças de cortar auxílios vindos do Ocidente – que fosse capaz de mudar a posição do velho com relação à comunidade queer. Tenho certeza que muitos vão concordar comigo quando digo que o presidente Mugabe é turrão e desafiador – nunca alguém capaz de mudar facilmente crenças profundamente enraizadas. Pudemos conferir essa atitude desafiadora pela maneira como ele se agarrou a seu cargo de presidente por quatro décadas.
É interessante ponderar como as mesmas pessoas que declaravam apoio ao ditador quando ele condenava a comunidade LGBT agora comemoram sua renúncia.
Como é evidente que os interesses do zimbabuano comum (LGBT ou não) não estavam entre as prioridades do velho, alguém poderia pensar que seria fácil para a população perceber como precisamos agora nos unir e ajudar uns aos outros na erradicação das diversas formas de opressão que suportamos durante tanto tempo: opressão por classe social, por gênero, ou por orientação sexual. Infelizmente, isso não está acontecendo.
As questões mais relevantes para a comunidade LGBT são consideradas desimportantes, como algo que não requer atenção urgente. É evidente que a causa principal do momento é lutar pela liberação das pessoas cis e heterossexuais das garras de tiranos déspotas, como o presidente Mugabe. E, como o Zimbábue é uma “nação cristã”, muitas pessoas permanecem convictas quanto suas posições com relação à comunidade queer. Ainda somos vistos como pecadores que necessitam de intervenção religiosa. Não somos vistos como seres humanos, com existências que precisam serem reconhecidas e direitos que devem ser garantidos.
Um novo capítulo da história do Zimbábue está começando, em breve com um novo rosto no comando, e o que acontecerá daqui pra frente – especialmente durante as eleições presidenciais – sem dúvida será digno de análises interessantes. No entanto, apesar de eu ser uma eleitora registrada, não estou convencida quanto aos candidatos que vão competir pela presidência. Como zimbabuana, não sou capaz de confiar em nenhum deles. Eu já aprendi a não confiar em políticos. A história nos mostrou que os políticos vendem sonhos em troca de nossos votos, apenas para arrasar esses sonhos perante nossos olhos quando chegam ao poder.
Como pessoa queer, meu maior temor é que não faremos mais que substituir um presidente homofóbico por outro, mesmo que não seja alguém tão dramático quanto o ex-ditador. Duvido muito que o novo líder será capaz de expressar princípios com relação às pessoas LGBT diferentes daqueles nos quais Mugabe acreditava tanto.
Talvez esses candidatos não nos condene publicamente, ou não nos compare a animais – que, devo notar, já demonstraram comportamentos homossexuais, destruindo as convicções humanas – mas, certamente, esses candidatos não serão defensores da comunidade queer.
Sei que nenhum desses candidatos têm apreço por pessoas como eu. Sei que, se um dia eu for atacada por pessoas LGBTfóbicas, ou se alguém me negar trabalho por causa de minha identidade de gênero, nenhum desses candidatos virá a público para condenar esse tipo de opressão inspirada pela identidade de gênero ou orientação sexual.
Até que o Zimbábue tenha um líder capaz de reconhecer os direitos da comunidade LGBT, eu sempre me sentirei como uma estranha em meu próprio país; parte de mim sempre se sentirá aprisionada, mesmo que eu tenha aceitado minha identidade. Eu sempre estarei preocupada com um possível despejo decorrente do ódio que os proprietários têm de pessoas LGBTs.
Eu sempre viverei em medo de me tornar mais um número nas estatísticas de violência contra LGBTs. E, caso isso venha a acontecer, não é difícil imaginar que o sistema judiciário vai me decepcionar apenas porque sou queer. Estarei sempre atenta ao que está acontecendo a meu redor, pois nunca se sabe o que as pessoas podem fazer por ódio.
Eu sempre vou me perguntar se o casamento é um sonho eternamente fora do meu alcance. E, por mais triste que isso seja, uma parte de mim também vai questionar se ser verdadeira comigo mesma vale passar por isso tudo.
Eu não vejo uma vida melhor para pessoas LGBT como eu no Zimbábue, mas posso torcer para que o sucessor de Mugabe se esforce para resolver a crise financeira. Eu adoraria deixar de acordar às 3 da madrugada para me aprontar para minha visita ao banco…
Joyline Maenzanise é escritora e poeta, queer e fora dos padrões de gênero, atualmente morando no Zimbábue.