Jean Wyllys chega para a entrevista de calça jeans e camiseta preta, sem assessores nem quaisquer exigências. Não faz a menor questão de chamar atenção, apesar de todo prestígio: é presença constante nas listas dos melhores deputados do Brasil e foi escolhido em 2015 pela revista The Economist como uma das personalidades que mais defendem a diversidade no mundo, numa lista em que estão o ex-presidente Barack Obama, o Dalai Lama e a ativista Malala.
Seu jeito despojado revela uma maneira desconcertantemente aberta de falar, principalmente se tratando de um político. Em mais de uma hora de conversa, Jean Wyllys não mediu palavras: Michel Temer é “um corrupto”, Eduardo Cunha, “um bandido”, Aécio Neves, “um gângster”, o PMDB, “uma quadrilha” e o PSDB, “um partido de plutocratas”. Chama de idiota e imbecil quem considera que merece esses adjetivos, sem pestanejar. Trocar ideia com Jean Wyllys também revela um homem extremamente inteligente, sincero e idealista: alguém comprometido em lutar pelos direitos de minorias em geral e LGBTs em particular, mesmo que isso lhe cause dificuldades cotidianas e ataques constantes. Confira a seguir os principais momentos de sua entrevista.
Ouça a entrevista completa com o deputado Jean Wyllys
O impeachment de Dilma foi um golpe
“Durante muito tempo as pessoas relutaram em admitir que era um golpe contra a democracia, mas com o tempo a ficha caiu e elas perceberam que sim, era um golpe. Um golpe para implementar reformas que não foram debatidas durante as eleições, e pior: reformas que não foram aprovadas nas urnas. Como Dilma não implementaria as reformas da maneira que as elites econômicas e o mercado financeiro gostariam, ela foi derrubada: inventaram um impeachment sem crime de responsabilidade. Só numa república de bananas uma presidenta é derrubada com uma peça jurídica chinfrim escrita por uma psicótica como Janaína Paschoal, que recebeu R$ 45 mil do PSDB para escrever um parecer dizendo que Dilma praticou pedaladas fiscais. Enquanto o povo brasileiro se destruía na polarização entre ‘petralhas’ e ‘coxinhas’, após o golpe o Congresso Nacional começou a aprovar uma série de medidas que impactam drasticamente o futuro do país, como o congelamento de gastos públicos com saúde e educação por 20 anos.”
O que há por trás das reformas política, trabalhista e previdenciária
“A reforma política, a reforma trabalhista e a reforma previdenciária afetam diretamente os direitos dos mais pobres. Essas reformas estão sendo implementadas agora porque o mercado financeiro, a elite rentista, as grandes corporações comerciais e os bancos querem repor os lucros que eles perderam com a crise econômica que eles mesmos criaram. A crise dos superprimes nos EUA afetaram o mundo inteiro e fizeram com que essas entidades lucrassem menos – não terem prejuízo, apenas lucrarem menos, fique claro. Essas pessoas apenas deixaram de ganhar o que esperavam ganhar. Então querem repassar o custo da crise para os trabalhadores, destruindo as leis trabalhistas para não terem que pagar todos os direitos do trabalhador, e ampliando o tempo de trabalho com a mudança das leis da previdência.”
Os interesses da rede Globo e outros grandes grupos de mídia
“A Globo pautou a vida das pessoas ao dizer que o grave no país era Lula ter dois pedalinhos, um suposto sítio em Atibaia e um suposto triplex – frisando a palavra ‘triplex’ porque daí parece que era um imóvel enorme, quando na verdade era um apartamento medíocre. Globo produziu um noticiário a partir das delações da Lava-jato que criou, no imaginário popular, uma ideia de que o PT havia inventado a corrupção no Brasil. O PT pode ter aderido a práticas de corrupção que já eram antigas, mas o PT não inventou a corrupção. As pessoas passaram a odiar o PT. O antipetismo foi construído gota a gota pelos meios de comunicação, não só pela Globo, mas também pela Abril, pela Jovem Pan, pelo Estadão, pela Folha de S.Paulo. Os meios de comunicação em massa do Brasil pertencem a famílias da elite econômica, que também querem recompor seus lucros e querem garantir seus privilégios, e portanto também tinham interesse na queda de Dilma.
“Quando faço críticas à GloboNews, tem gente que fala: ‘ele está cuspindo no prato em que comeu, porque já trabalhou na Globo’. Deixa eu dizer uma coisa pra vocês, idiotas: eu trabalhei na Globo, eu vendi uma força de trabalho, um talento à Globo. Eu não pedia esmolas à Globo. A Globo ganhou comigo, mais do que eu ganhei com ela. Então eu não devo nada à Globo, nem ela deve nada a mim. Eu prestei um trabalho e ela me pagou um salário. Eu não tenho que defender as posições do Marinho porque eu trabalhei para eles por um tempo.”
Independência política
“Um idiota homofóbico tentou me ofender com um meme que dizia: ‘pelo visto, só vai sobrar Jean Wyllys, o único que não tem rabo preso’. À toa: eu sou viado, então de fato ter o rabo solto não seria uma ofensa para mim. Mas acabou me fazendo um favor. As pessoas entenderam aquilo que realmente é verdade: eu não tenho compromisso com nenhuma corporação comercial: eu não recebi dinheiro da JBS, não recebi dinheiro da Odebrecht, não recebi dinheiro de nenhuma empresa. Minha campanha custou baratíssimo: R$ 70 mil, e eu fui um dos mais votados no Rio de Janeiro, com 145 mil votos. Eu tenho a independência para fazer todas essas críticas que eu faço.”
A realidade da homofobia no Congresso
“As pessoas não tem noção do que é chegar um gay na Câmara dos Deputados, dominada por homens brancos, héteros e ricos. As pessoas não têm ideia de como minha presença provoca um ódio nelas. Não apenas pelo que eu defendo, mas muito mais pelo que eu represento. Como a maioria das pessoas, aqueles homens foram educados para entender que gays ocupam um lugar subalterno na vida, que ser homossexual ou transexual é algo menor. Acreditam que a heterossexualidade e o sexo reprodutivo são o ápice da humanidade. Eles foram educados para pensar que a pior coisa que pode acontecer na vida de uma pessoa é ser gay. De repente chega uma bicha no parlamento, disputando seu espaço e dizendo o contrário disso tudo: ser gay não é ruim, ser gay não é um destino imperfeito, ser gay é uma possibilidade humana, e ser gay não nos impede de ter sucesso, de sermos inteligentes, de falarmos de economia e política. Isso para eles é uma afronta. Minha presença lá é uma afronta para inúmeros membros do Congresso.
“Esses deputados têm comigo atitudes das mais pueris: eles me xingam pelas costas, fazem piadas homofóbicas no cafezinho, fazem comentários ridículos quando eu entro no mictório como me chamar de ‘manja-rola’. Só que eu nunca deixo essas piadas homofíbicas barato, e eles se constrangem com isso, ficam putos. O deputado João Rodrigues me disse uma vez que eu era a escória do parlamento, porque sou gay. Eu respondi: ‘não querido, você está equivocado. A escória do parlamento são os ladrões do erário público, como você. Além disso, você assiste filme pornô na câmara, não honra o cargo que lhe foi conferido pelos votos, porque gasta o tempo do debate legislativo assistindo pornografia’.”
As comparações com Clodovil
“Clodovil era o gay ideal para os parlamentares homofóbicos: ele ocupava uma posição subalterna na câmara, não entrava nos grandes debates, e servia ao riso cada vez que subia na tribuna. E sobretudo, Clodovil era um gay homofóbico. Um gay contrário ao casamento igualitário, que dizia que não tinha orgulho de ser gay – palavras dele: ‘eu não vou ter orgulho de dar o cu, então não acho que tem por que celebrar o dia do Orgulho Gay’. Então ele era o gay perfeito para essa gentalha. Acham que me incomodam quando me comparam a ele. Não me incomodam de jeito nenhum! Eu de fato não sou o Clodovil, jamais quis ser o Clodovil, e estou distante de ser o Clodovil. Eu não quero ocupar um lugar subalterno, eu não quero servir ao riso. Eu quero disputar radicalmente a igualdade de direitos. Um homem hétero não é melhor que eu, pelo contrário: eu tenho o melhor mandato. O mandato mais prestigiado internacionalmente é o de um homem gay, e um homem que tem orgulho de ser gay.”
Os novos desafios da epidemia do HIV
“A curva do número de novas infecções com HIV continua sendo ascendente, e o Ministério da Saúde investe muito pouco na prevenção. Isso se deve às novas realidade da doença: o tratamento fez com que ela se tornasse um mal crônico, e ela passou a afetar muito mais as classes sociais mais baixas. No início da epidemia ela estava circunscrita às classes média e alta. Quando uma doença afeta mais os mais privilegiados, o Estado faz mais esforços para controlá-la. O Ministério da Saúde investiu no tratamento gratuito e em campanhas de prevenção. Com o tempo, as infecções passaram a afetar muito mais as pessoas mais pobres e distantes dos grandes centros urbanos, e então deixou de ser uma preocupação maior do estado: nesse país, as coisas que afetam os pobres não sensibilizam a classe política.
“Hoje os casos de Aids – não os portadores de HIV, os doentes de Aids mesmo – se concentram entre homens pobres, negros ou pardos. Significa que travestis, transexuais e homens gays, pobres e negros, moradores das periferias e das favelas e bolsões da favela estão se infectando com o HIV, mas não têm informação a esse repeito. Não sabem que estão infectados – alguns nunca ouviram falar de HIV na vida! Vítimas da homofobia, eles vivem uma sexualidade clandestina, em guetos e espaço de pegação onde não têm como fazer sexo com proteção. Depois de anos, chegam no sistema de saúde com doenças oportunistas e só então descobrem que são soropositivos.”
Por que há LGBTs que desaprovam Jean Wyllys
“Há muito preconceito de classe entre a comunidade gay. Muitos gays me detestam porque eu não tenho só uma preocupação com o gay que consegue frequentar a The Week, que é branco e te dinheiro para comprar calça da Diesel, cueca da Calvin Klein e perfume importado e viajar em cruzeiros gays. Eu defendo também os gays pobres, os gays negros que estão vulnerabilizados pela miséria e pelo racismo. Não vou deixar para trás os travestis e transexuais. Essas pessoas estão na mesma comunidade que eu. Muitas pessoas da comunidade LGBT dizem ‘esse Jean Wyllys não me representa’. Eu estou na câmara defendendo os direitos de todos LGBTs, dessas pessoas inclusive. Agora, eu não lhe represento só porque eu defendo pobre e preto, e travestis e transexuais pobres? Porque eu não faço adesão a seu discurso de classes? Então que se foda, não lhe represento mesmo. Não vou representar um idiota como você. Não quero seu voto. Quero o voto de gente consciente, gente que compreende que a luta tem que ser por um mundo de justiça social.”
A dificuldade em se relacionar com outro homem
“Eu estou solteiro porque qualquer homem que me deseje e pense em ter uma relação comigo tem medo dessa exposição involuntária e compulsória que vai acontecer quando estivermos juntos. O meu companheiro será perseguido e insultado como eu. Nem todos estão preparados para isso. Há oportunistas que desejam essa visibilidade: esses não me interessam. E outros me transformaram num ícone idealizado e assexuado. Visitei uma vez uma sauna em São Paulo e foi um evento, as pessoas me olhavam como se eu fosse um ET ali dentro. Eu me perguntava: por que essas pessoas não naturalizam minha presença aqui? Eu luto por liberdades que eu também quero exercer! Esse não é um espaço de sociabilidade gay? Então qual é o problema de eu estar aqui? Isso tudo impede que eu tenha um relacionamento.”
Acho que o preconceito que muitos LGBT tem contra Jean Wyllys não é pelos motivos que ele apresenta. O problema é que ser militante é tocar numa ferida. Lutar contra preconceito é estragar a festa de muitos. Tem muito LGBT que aceita certas piadas, e discriminações em troca de uma pseudo aceitação. Acham normal esconder seu afeto, acha estão mesmo a margem da sociedade.