Já faz mais de um mês que o Museu da Língua Portuguesa abriu uma nova exposição temporária, Cazuza Mostra Sua Cara. Demorou, mas eu, que gosto de Cazuza, conheço a maior parte de suas músicas, li Só As Mães São Felizes e até assisti o filme Cazuza, finalmente fui lá conferir o trabalho do designer, arquiteto e cenógrafo Gringo Cardia, curador da exposição.
O resultado foi pouco mais de uma hora em que minha afeição pela obra de Cazuza se debateu com as interrogações aturdidas que só aumentavam a cada ambiente percorrido.
Cazuza compôs letras memoráveis. Por esse mérito, e também por ter uma mãe que não deixa sua figura se afastar da mídia pop até hoje, suas obras são apreciadas não só pelos tiozinhos que compraram seus LPs nos anos 1980. A maior parte do público presente na exposição provavelmente sequer tinha nascido quando ele morreu em 1990. Numa decisão provavelmente esperta, toda a montagem de Cazuza Mostra Sua Cara é feita com a clara intenção de providenciar instamoments para a garotada que valoriza, mais que tudo, uma foto bacana na timeline do Facebook.
No salão de entrada, as paredes estão cobertas por cartazes lambe-lambe, cada um com um retrato e um trecho de música. As letras C A Z U Z A, gigantes, se espalham pelo ambiente, ótimas para alguém posar ao lado enquanto o amigo bate uma fotinha. Segue um corredor em que pedaços de canções tocam em loop; as paredes, teto e chão exibem LEDs que de alguma maneira acompanham as músicas; não se aprende nada novo, mas o povo tira selfies com as luzinhas de fundo como se nunca tivessem visto eletricidade na vida antes. Mais para frente, outra sala repete “Exagerado” e “Ideologia” em um telão num karaoke para os visitantes; algum valente canta no microfone no centro, os acompanhantes tiram o retrato do cantor, o resto se espalha pelo chão a conferir quantos likes já conseguiram. Num último corredor, objetos de Cazuza e bilhetes dele estão expostos sob faixas que exibem mais versos dele e motes de protesto dos anos 1960 – sempre bom pra quem está querendo renovar o banner do perfil. Por último, monitores que exibem entrevistas de Cazuza entre paredes cobertas com imensos retratos dele; se você ainda não conseguiu uma imagem decente que registre sua visita para os amigos, aqui está sua última chance.
Entre tanta carga visual, o conteúdo histórico (e lírico) se perde. Não existe uma sequência de murais escritos sequer com informações relevantes que permita ao visitante usufruir da exposição em seu próprio ritmo. Mesmo quando dados históricos ou literários são oferecidos, isso acontece em vídeos. Isso impõe a velocidade do clipe ao espectador, que não tem nem como ler mais rápido, ou mais devagar, ou apenas as partes que lhe interessam. E se você chega quando o vídeo já teve início, ou se os poucos fones de ouvido daquele monitor já estão ocupados, ou o visitante espera, ou segue em frente sem absorver aqueles dados.
A exposição tenta ligar o espírito contestador da década de 1960 aos protestos de 2013 usando Cazuza e o rock brasileiro dos anos 1980 como ponte. É uma conexão engenhosa, se um pouco forçada. Cazuza tinha uma atitude transgressora e não se deixava encaixar na caretice do status quo de sua época, mas não há como negar que fazia parte da burguesia que criticava. Quem vê Lobão andando de mãos dadas com Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo pode questionar quanto dessa atitude teria se mantido fosse ele hoje um coroa de 55 anos.
No fim das contas, quem não sabia muito de Cazuza sai sem aprender muita coisa nova, e quem já conhecia não consegue ter o tempo, o espaço ou o material para degustar de sua poesia. Apenas poucas das músicas mais populares são repetidas à exaustão, raras vezes por completo. Quem tiver paciência ou sorte pode encontrar alguma informação sobre seu processo de criação na sala dos depoimentos, se calhar de pegar algum clipe que trate disso. Não se encontra uma análise ou informação surpreendente de suas composições, e não se apresenta uma justificativa para tanto prestígio além de versos reduzidos a one-liners.
Ao final, quem se dispor a entrar na fila ainda pode tirar um retrato no estilo dos cartazes da exposição. Ideia superlegal – e imagina o pessoal trocando o avatar do Facebook pelo retratinho com seu verso de Cazuza predileto, certo? Infelizmente, o problema na execução dessa ideia é técnico. A imagem é composta por um app que um funcionário utiliza num iPad. Pra início de conversa, não se deve tirar foto com iPad, simplesmente. Depois, quando as fotos de dezenas de fãs dependem de um único e mísero iPad, a produtividade automaticamente se reduz. O infeliz do funcionário, tentando compensar, encaixa seu rosto no contorno de cabeça na tela do iPad o mais rápido possível e bate a foto sem sequer deixar o aparelho focar a imagem – afinal, ele ainda tem que por si só encontrar a frase que o fã escolheu, aplicá-la, e entregar o tablet para que o e-mail seja digitado. Por fim, há um fator que qualquer um dos 50 mil donos de iPhone que passam por esse espaço já sabem: a lente do iPhone (e iPad) não é boa para tirar foto muito próxima. Quando a distância da lente é pouca, ocorre um efeito olho de peixe, a imagem fica distorcida e todo mundo fica com cara de bolacha Trakinas. Mas não há como encaixar a cabeça da pessoa no espaço reservado pelo app se não aproximar o iPad mais que devia. O resultado de todos esses fatores é esse:
CAZUZA Mostra Sua Cara
Até 23/2/2014, de terça a domingo, das 10h às 18h Praça da Luz, s/no., São Paulo