Quando se fala em diversidade na TV, os programas produzidos pela Netflix e por algumas autoras de séries americanas como Shonda Rhimes (How to Get Away with Murder, Scandal) e Jenji Kohan (Weeds, Orange is the New Black) se tornaram referência.
No entanto, até a estreia de Master of None, comédia criada por Aziz Ansari e Alan Yang, a diversidade de personagens e atores se resumia a gays, negros, mulheres, mais recentemente mulheres trans e, vez ou outra, uma lésbica ou um bissexual.
Nesta série, no entanto, outras cores, formas e origens ganham destaque. A começar pelo protagonista, Dev — o próprio Ansari, que ficou famoso por seu personagem na comédia Parks and Recreation. Ele, que é filho de indianos, interpreta um ator em começo de carreira que luta para se destacar entre os inúmeros estereótipos impostos pela implacável indústria do entretenimento.
Dev tem três melhores amigos: Denise, uma lésbica negra; Brian, um filho de taiwaneses; e Arnold, que é o gordão nerd que tem tudo pra virar sex symbol da comunidade ursa. Arnold e a namorada de Dev, Rachel (Nöel Wells), são os únicos personagens brancos da série.
Denise (Lena Waithe, produtora do documentário Dear White People) é um dos destaques. Mesmo aparecendo em poucas cenas, tem as melhores falas. Em geral dá conselhos sobre conquistas e sexo a Dev. A relação dele com as personagens femininas, aliás, está em plena sintonia com os debates sobre feminismo e o papel da mulher na sociedade e nas relações. Dev, embora nem sempre acerte, é retratado como o cara que pede perdão, ouve e muda de atitude.
Voltando a Denise, sempre “low profile” e muito estilosa, ela apenas faz questão de se gabar quando proporciona a suas minas uma “Denise Experience”, que consiste basicamente em fazer uma mulher “gozar mais vezes em 20 minutos do que ela já gozou durante sua vida toda”. Em suas noites malsucedidas, Denise chega ao orgasmo “apenas” seis vezes. “Cara, não vou te ensinar os truques das lésbicas, mas nós gozamos mais que qualquer pessoa no mundo.”
A reportagem do LADO BI conversou com a atriz por alguns minutos durante um painel sobre a série promovido pela Netflix em um hotel em Pasadena, nos Estados Unidos. Durante o papo, Lena contou que sua personagem era para ser a princípio heterossexual, mas que os roteiristas acharam que, assim como o protagonista, Denise tinha que ter mais da personalidade da atriz.
“Eu achei fantástico. Então eles reescreveram os sete episódios em que ela aparece. E eu acho que personagem é muito legal, ela é na dela, não ficam o tempo todo falando sobre ela ser lésbica, aparece aqui e ali, mas falam muito sobre mulheres, sobre encontros… E sem precisar ser o alívio cômico da trama, não é nada super hilário. Para Dev [Ansari] e Denise é algo muito normal que ele peça conselhos sobre mulheres a ela. E isso que é legal no programa, porque as pessoas olham e pensam: ‘Ah, assim que é a vida, a minha vida’.”
O outro melhor amigo, Arnold (Eric Wareheim), o branco, é que foi escolhido para ser o alívio cômico da trama fazendo o papel do perdedor. Ele fracassa com as mulheres, ao contrário de Denise e Dev, e fracassa na vida, ao contrário de todos.
Por fim, Brian (Kelvi Yu) é o personagem que faz o gostoso do grupo. Basicamente é inspirado no outro criador da série, Alan Yang. Co-produtor de Parks and Recreation, Yang contou à reportagem que o programa pretendia dar mais visibilidade aos asiáticos na TV americana, que sempre ganham pontas interpretando estereótipos de suas nacionalidades.
“Conforme crescíamos, Aziz [Ansari] e eu percebemos que nunca vimos um indiano ou um asiático na TV. E quando víamos eram apenas aqueles personagens secundários ou terciários, em geral fazendo comédia. Ou então no clichê de sempre: sushiman, funcionário de lavanderia… Nunca fazendo personagens centrais. Achamos que é importante que os protagonistas não devam ser necessariamente brancos e heterossexuais. Esses dias eu estava conversando com um amigo que é afro-americano ele me disse que a representatividade dos negros tinha aumentado na TV. Aí eu falei: ‘Pois é, mas qual foi a última vez que você viu um asiático beijando uma mulher na boca na TV?’ Aconteceu três vezes na história da humanidade, porque nós nunca conseguimos esses papeis centrais! (risos)”, ironiza Yang.
Acontece que mesmo fugindo aos estereótipos, Master of None conquistou o público, mas especialmente a crítica, que lhe deu o Critics Awards de melhor série de comédia do ano passado.
O criador explica: “Nosso programa quer mostrar como nossos amigos são e como eles agem… Nossos amigos se parecem com aqueles personagens, mas o que eles falam, como eles pensam, não tem muita diferença de como os outros americanos se comportam.”