Traduzido do artigo de Max Opray para o jornal The Guardian
A quarta revolução industrial promete tornar real todo tipo de visão sombria da sociedade: desemprego em massa e revoltas sociais causadas pela automação, vigilância constante por meio da internet, bebês ninados cuidadosamente por máquinas.
Assim como robôs sexuais.
Ao que parece, conforme a tecnologia ultrapassa, zunindo, nossas limitadas capacidades humanas, o ser humano está se desfazendo dessa vida obsoleta do século 20. Todas as horas improdutivas que teremos à nossa disposição pelo menos deverão bastante agradáveis, graças a androides realistas concebidos com precisão para executar manobras sexuais com maestria, teleconsolos que permitirão que parceiros bolinem-se mesmo em cantos diferentes do mundo, e interações via realidade virtual que farão com que falta de autoconfiança, problemas físicos ou até mesmo as leis da física deixem de ser obstáculos para a realização das fantasias sexuais.
Por outro lado, existe a possibilidade de que profissionais do sexo vão ficar sem emprego e pessoas vão desistir por completo dos relacionamentos humanos; a rede já tem empresas armazenando dados colhidos de dildos conectados via internet, e agora existe um aplicativo que estimula que se faça cunilíngua em seus celulares.
Se existe um lugar no mundo que está na linha de frente da marcha dos sexbots, esse lugar é Barcelona, onde um bordel só de bonecas sexuais abriu suas portas em fevereiro, apenas para ser interditado pelas autoridades locais logo em seguida. Foi nessa mesma cidade que o engenheiro Sergi Santos lançou uma androide que utiliza um sistema de inteligência artificial para jogos para se deixar seduzir, atraindo críticas por ensinar aos homens lições erradas quanto a consentimento.
Oliver Bendel, professor de sistemas de informação e ética da Universidade de Ciências Aplicadas do Noroeste da Suíça, espera que robôs sexuais “perfeitos”, capazes de perceber “todo e qualquer desejo sexual ao analisar nossos olhos”, estarão à disposição em pouco mais de 20 anos.
Ele acredita que eles virão em todos os formatos e tamanhos, não apenas sob a forma humana, mas também em construções “abstratas” construídas puramente para otimizar suas funções.
Kathleen Richardson, pesquisadora em ética da robótica na Universidade De Montfort e fundadora da Campanha Contra Robôs Sexuais, posiciona-se veementemente contra essa tecnologia, alertando que em 2050 a masturbação poderá tornar-se a forma de experiência sexual dominante, graças ao capitalismo consumista estimulado por “utopias tecnológicas que comercializam nossos relacionamentos”.
O prospecto de uma explosão do sexo solitário não preocupa muito Charles Melvin Ess, conselheiro científico especial da Digmex (organização sobre Questões Existenciais e Mídias Digitais), na Noruega. “Como Woody Allen já explicou há muito tempo, isso é sexo com alguém que eu amo muito”, brinca.
Ess não acredita que os robôs sexuais apresentarão uma ameaça real à primazia dos relacionamentos entre humanos, devido ao nosso desejo de nos sentirmos amados. “Acho difícil imaginar que alguém que venha a ser o dono, ou a utilizar, um dispositivo como esse, será capaz de esquecer que isso é ‘apenas uma máquina’ e que o aquilo que se faz passar por desejo e carinho é falso – a não ser, talvez, por muito pouco tempo, com a ajuda de muito álcool”.
Mas ele admite que, quando o uso desse tipo de dispositivo se tornar comum, as pessoas poderão vir a “desaprender” suas habilidades éticas e emocionais, devido à falta de exposição a situações em que se deve aplicar paciência, perseverança, empatia e perdão – algo necessário em relacionamentos reais.
“O sexo com um robô que criado e controlado por mim nos mínimos detalhes, por outro lado, provavelmente será tão fácil a ponto de se tornar trivial – e, consequentemente, não exigirá nada da pessoa”, continua.
A maioria dos experts concorda que ainda vai levar algumas décadas até que existam robôs sexuais humanoides convincentes. Eles também concordam que experiências imersivas integradas a dispositivos conectados à internet vão chegar muito antes.
Um dos primeiros exemplos disso é o Kissinger, um assessório para telefones celulares capaz de replicar com precisão, via internet, o beijo de uma pessoa por meio de um dispositivo em forma de lábios. Seus criadores afirmam que ele poderá ser utilizado em aplicativos de paquera, para testar as habilidades beijadoras de alguém; para conectar parceiros em relacionamentos à distância; ou mesmo para permitir que um pai dê um beijo em seu filho enquanto viaja.
Emma Yann Zhang, uma estudante de doutorado que ajudou a desenvolver esse dispositivo, afirma: “sua intenção é preencher a lacuna da dimensão do toque na comunicação digital tradicional, que hoje apoia-se em grande parte em informações verbais e auditivas”.
As intenções da equipe do Kissinger soam bastante saudáveis, mas o potencial desse tipo de dispositivo não passou despercebido.
Cristina Portalés, do Instituto de Robótica, Informação e Tecnologias de Comunicação da Universidade de Valencia está desenvolvendo um cinema imersivo que incorpora plataformas robotizadas, aromatizadores, geradores de fumaça, dispensadores de água, projetores 3D e sistemas de som tridimensionais.
Desenvolvida originalmente como um simulador de trânsito para motoristas, a plataforma foi promovida como um simulador de sexo em potencial no Congresso de Amor e Sexo com Robôs em Londres no ano passado. Portalés afirma que o Kissinger poderia ser integrado a seu sistema, para permitir que os usuários beijem simulações criadas com inteligência artificial de seus astros de cinema preferidos, por exemplo.
A futurologista Trudy Barber acredita que isso não será tanto o caso de que a tecnologia vai melhorar o sexo, mas que o sexo vai melhorar a tecnologia. “Poder experimentar esse tipo de coisa é o paraíso dos geeks”, comemora.
“Eu sempre digo que a diversidade leva à inovação – nossos desejos sexuais ajudam a desenvolver novas formas de tecnologia.”
Barber afirma que a realidade virtual conectada a “dispositivos com saliências e cavidades” logo estarão avançados a ponto de permitirem que as pessoas realizem qualquer tipo de fantasia sob o manto de avatares virtuais, numa versão mais imersiva de simuladores já existentes como o Second Life.
“Acredito que pessoas que têm problemas específicos de identidade e autoestima poderão utilizá-los para experimentar conceitos de identidade”, continua.
Mas Barber alerta também para a possibilidade de inúmeros problemas, como experiências de realidade virtual envolvendo abuso sexual.
“Também existe [a questão de] se isso tudo vai ter uma orientação de gênero específica, se isso vai ter algum impacto na identidade sexual da vida real, se isso significa que você está traindo seu parceiro – as mesmas questões que nos fazemos sobre sexo desde que a internet surgiu”, pondera.
A pornografia em realidade virtual já se espalhou, e profissionais do sexo estão adotando sex toys conectados à web para permitir interações à distância com clientes, com a ajuda de webcams.
Sharon Jennings, coordenadora da Associação da Indústria do Sexo na Austrália do Sul, um estado onde o trabalho sexual é criminalizado, afirma que os avanços da tecnologia vão permitir que as pessoas em seu ramo lidem com leis “draconianas”.
“Cada vez mais as pessoas poderão atuar como profissionais do sexo no conforto de seu próprio quarto, sem que as outras pessoas da casa façam a menor ideia”.
Jennings enxerga o potencial dos brinquedos conectados à net, mas ri da ideia de que robôs sexuais poderiam acabar com os empregos em sua profissão. “Encontrar um profissional do sexo vai além do sexo com penetração – os clientes querem ser abraçados e tocados”, afirma.
“Se brinquedos sexuais fossem capazes de substituir a intimidade humana, eu já teria trocado meu marido por um há anos. Claro que seria caro – mas não tão caro quanto um marido.”