Nas baladas e nas festas particulares está se tornando cada vez mais comum alguém oferecer “um pouquinho de gee”. Diluído em garrafas de água ou de Gatorade, o GHB (ácido gama-hidroxibutírico) é distribuído com uma generosidade que às vezes impressiona. E o resultado dessa popularidade cada vez maior também se vê no fim da noite: pessoas apagando na balada, amigos tentando socorrer, e, nos casos mais graves, morte.
Um dos casos mais conhecidos de morte aconteceu em Florianópolis, em 2015, quando dois homens foram hospitalizados e outro morreu por abuso de GHB durante uma festa na Praia Mole. O nefrologista José Otto Reusing estava na cidade quando isso tudo ocorreu e pôde ouvir, dos próprios, como por descuido a euforia se tornou tragédia. Ele não dispõe de dados oficiais, mas constata na noite e nos hospitais que o uso (e abuso) de GHB está crescendo bastante – assim como sua utilização em golpes de Boa Noite Cinderela e estupro. O LADO BI conversou com o médico para entender melhor os efeitos da droga e para saber como evitar que uma noite de farra termine em velório.
O que é GHB?
O ácido gama-hidroxibutírico é uma substância que já é produzida naturalmente, em pequenas quantidades, pelo organismo. Ela foi sintetizada pela primeira vez em 1874, mas só passou a ser usada por médicos a partir da década de 1960, como anestésico. “Acontece que ela apresentava muitos efeitos colaterais para ser utilizada como anestesia, então seu uso foi descontinuado”, conta Reusing. Por alguns anos ela foi bastante usada por fisioculturistas, devido à crença de que promovia o crescimento da massa muscular e a queima de gordura. Nos anos 2000 o GHB começou a ganhar popularidade como droga recreativa. Ela é proibida nos Estados Unidos e tem seu uso controlado no Brasil pela Anvisa.
Quem produz o GHB?
“É muito fácil sintetizar o G combinando-se substâncias disponíveis no mercado”, considera Reusing. Um dos ingredientes mais comuns é um solvente industrial. Devido à maneira caseira como é produzido, fica difícil estimar com certeza a concentração do produto, o que aumenta a possibilidade de se errar na dose.
Dá para perceber que se está tomando GHB?
“O GHB é incolor e não tem cheiro, mas tem um sabor levemente salgado e amargo”, ensina Reusing. Infelizmente o sabor não é tão pronunciado a ponto de ser facilmente percebido, o que torna muito fácil que se beba GHB por acidente quando misturado em uma garrafa de bebida, ou que uma pessoa mal-intencionada jogue a droga na bebida de alguém, que vai ingeri-la sem notar.
Quais são os efeitos do GHB?
“Assim como o álcool, o gee é um depressor do sistema nervoso central”, descreve Reusing. “Em quantidades menores ela provoca certa euforia, uma sensação de bem estar, e um aumento da sensualidade e libido. Quem usa diz que aumenta o orgasmo.” É muito comum também que ela seja utilizada em conjunto com cocaína, para “baixar” os ânimos.
Quais são os efeitos colaterais do GHB?
“O grande problema do gee é que a diferença entre a dose que deixa a pessoa feliz e a dose em que a pessoa começa a ter problemas é muito pequena”, alerta Reusing. Há uma série de efeitos que ocorrem quando se toma GHB demais:
- Perda de coordenação motora: o usuário fica com dificuldade de andar, perde o equilíbrio e cai com facilidade, esbarra em móveis e objetos. Ela também provoca movimentos involuntários dos braços, conhecidos como mioclonia. “Por causa disso, nunca deve-se dirigir sob efeitos de GHB”, avisa Reusing.
- Amnésia: a pessoa não se lembra do que fez durante o período em que esteve louca de G. Essa perda de memória pode acontecer com relação a intervalos recentes de tempo. Quando pega pesado no GHB, a pessoa pode de repente perceber que está em alguma situação constrangedora e não faz ideia de como foi parar lá. “Outro risco é que a pessoa pode não se lembrar que já tomou uma dose extra de G, e acaba tomando mais ainda”, aponta Reusing. “Isso pode facilmente fazer com que se exagere na dose.” Recomenda-se que nunca se use GHB sozinho, e, idealmente, que se anote de alguma forma quantas doses já foram tomadas para evitar acidentes.
- Perda de consciência: é muito comum ver quem exagerou no GHB começar a “pescar”, apagar por alguns momentos e depois voltar, e até apagar de vez.
- Vômito: um dos efeitos mais comuns da overdose de G é o vômito. “Essa é outra razão por que quem toma GHB não deve ficar sozinho”, afirma o médico. Reusing recomenda que se vire de lado a pessoa que está desacordada: quem está deitado de barriga para cima pode engasgar e se asfixiar no próprio vômito.
Como se dosa o GHB?
“Para uma pessoa de 70 kg, estima-se que o ideal para que não se dê PT é não ultrapassar um grama por dose”, pondera Reusing. Mais uma vez, o GHB é produzido de maneira amadora, o que torna muito difícil se avaliar a concentração do que se ingere – em geral, a solução está diluída em 20%. A medida tradicional que os usuários utilizam é uma tampinha de colírio diluída numa garrafa de água ou Gatorade. “Não use GHB de várias pessoas, pois cada frasco pode ter uma concentração diferente”, aconselha. O médico também avisa para que se aguarde pelo menos uma hora para “ver se bateu”, a fim de evitar excessos indesejados e involuntários.
Quanto tempo dura o efeito do GHB?
O barato do GHB dura de duas a três horas; a substância é eliminada de maneira consideravelmente rápida pelo corpo.
Posso tomar GHB com álcool?
“O álcool é um depressor do sistema nervoso central, assim como o gee”, reforça Reusing. Isso significa que, em conjunto, as drogas podem desacelerar o organismo e até provocar uma parada respiratória. Também há estudos que indicam que o GHB reduz o ritmo de eliminação do álcool do organismo. “Usar GHB em conjunto com qualquer outra substância que induz o sono é muito perigoso”, finaliza.
Como socorrer um amigo que está passando mal de GHB?
“Depois que se ingeriu o gee, não há muito o que se fazer além de esperar que o corpo metabolize a droga”, constata Reusing. O importante, então, é permanecer ao lado da pessoa para conter os outros efeitos colaterais. “Deve-se estimular quem tomou GHB demais para tentar mantê-la acordada”, recomenda. “Se ela ficar desacordada, deve-se virar a pessoa de lado para que, em caso de vômito, ela não se asfixie.”
É uma boa pedida levar para um pronto-socorro alguém que começa a vomitar por causa de GHB. “Uma vez inconsciente, a pessoa precisa ser monitorizada, preferencialmente por aparelhos que vão vigiar a respiração, a pressão arterial e a frequência cardíaca.” E frisa: “É importante que se conte para o médico imediatamente que o paciente tomou GHB, para que se tomem os cuidados necessários o quanto antes. Esse não é o momento de se fazer de santo”.
Adianta dar algo estimulante, tipo energético ou café, para alguém que está apagando de G?
“Não há antídoto para GHB”, insiste Reusing. “Dar algo para a pessoa tomar na esperança de combater o efeito só faz com que ela acumule líquidos no estômago, o que aumenta o risco de vômito e uma possível asfixia em decorrência disso.” Não tem jeito, tem que esperar três ou quatro horas mesmo até que a droga seja processada pelo corpo.