Uma das principais pautas de todos os movimentos em defesa das minorias é a promoção de representações positivas de pessoas desses grupos na mídia. No caso de pessoas LGBT, por exemplo, por muito tempo simplesmente não existia personagens gays, lésbicas ou trans em filmes e programas de TV – ou, quando existiam, estavam longe de serem lisongeiros. Para nossa alegria, isso vem mudando rapidamente nos últimos anos. E, para quem está crescendo assistindo programas como Supergirl, que recentemente mostrou que Alex Danvers, a irmã adotiva da personagem principal, é lésbica, esses personagens LGBT já começam a render bons frutos.
Há alguns dias Mary Swangin, uma funcionária de uma loja de quadrinhos em Indiana, nos Estados Unidos, compartilhou a seguinte história em sua conta no Twitter:
Então, deixa eu contar o que aconteceu lá na loja hoje. Esse é provavelmente o momento mais incrível que eu já vivenciei trabalhando aqui. Depois da correria de todos os sábados, uma garota adolescente entrou na loja. Ela estava completamente aterrorizada, e deu um salto quando eu a cumprimentei. Ela começou a percorrer a prateleira dos lançamentos e parecia completamente perdida, coitadinha.
Então eu me aproximei e perguntei se eu podia ajudar. Ela admitiu, com a voz baixa, que estava procurando pelo gibi da Supergirl. Enquanto estávamos indo até a prateleira dos títulos da família do Superman, eu perguntei se ela assiste o programa na TV. Ela sorriu de leve e fez que sim com a cabeça. E disse que Alex é sua personagem favorita. Eu respondi que sou fã do casal Alex e Maggie, e a coitadinha desaba no choro.
Eu fiquei lá tentando descobrir o que eu tinha feito pra deixar ela tão chateada. Ela não parava de chorar e eu comecei a surtar. Depois de um minuto, mais ou menos, a ficha caiu. Eu estou perante a uma pequena lésbica em crise. Uma lésbica que está tentando entender a si mesma.
Então eu disse para ela que também foi difícil para mim quando eu queria sair do armário. Ela finalmente parou de chorar e me perguntou se as coisas ficam mais fáceis. Nós sentamos para conversar no café da loja e convesamos um pouco. Ela me contou que, depois de ver a repercussão na internet, fez uma maratona de Supergirl, e quando ela chegou na história da Alex, tudo passou a fazer sentido para ela. Disse que há muito tempo ela pensa em se matar, e que já tentou, mas só conseguiu ficar passando mal. Mas que, conforme a história de Alex em Supergirl continuou, ela percebeu que era possível ser feliz, que era possível ser amada. Ela não queria mais morrer. Pela primeira vez, ela não queria morrer porque viu Alex sendo incrível e queer na TV.
Ela havia vindo até a loja na esperança de encontrar algo que a sustentasse durante o intervalo de final de ano na série, para que não voltasse a cair na depressão. Ela não fazia ideia de que havia personagens queer em HQs, mas queria conferir. Eu mostrei a Batwoman, o Midnighter e Renee Montoya. Tirei da prateleira os livros que recomendo para iniciantes: Batwoman: Elegy, Midnighter, e Gotham Central. E também desenterrei uma cópia de Adventures of Supergirl, só para deixar ela feliz, ehehehe.
Ela só tinha dinheiro para comprar um deles, e não sabia qual levar. Ela escolheu Batwoman e pediu para eu guardar os outros. Eu estava numa crise interna tão grande na hora, porque essa garota era igual a mim anos atrás. Eu mal continha o meu choro. Acabei comprando os outros 3 livros para ela, e fiz ela prometer que em 10 anos ela ajudaria outro jovem queer. Então, estou 60 dólares mais pobre, e fiquei uma hora chorando no banheiro, mas valeu a pena. @TheCWSupergirl@SupergirlStaff@chy_leigh e @florianalima o trabalho que vocês fazem é muito importante para nós. Obrigada. Muito, muito obrigada.
@sapphicgeek So, @TheCWSupergirl @SupergirlStaff @chy_leigh and @florianalima the work you do means so much to us. Thank you. So, so, much.
— ????Mary???? (@sapphicgeek) December 3, 2016
Floriana Lima, que interpreta Maggie Sawyer, namorada de Alex Danvers, em Supergirl, deu uma resposta para Mary: “Uau, isso é tão bacana. Todo amor para @sapphicgeek e essa garota doce e valente. <3″.
Now this is very cool. Much love to @sapphicgeek and this sweet brave girl ❤️ https://t.co/dfHQ5NGL41
— Floriana Lima (@florianalima) December 4, 2016
Supergirl, em suas duas temporadas, vem se mostrando um dos seriados pop mais engajados da TV, tocando em assuntos como imigração, meio-ambiente, relacionamentos LGBT e até mostrando, como presidente dos Estados Unidos, Lynda Carter (famosa por interpretar a Mulher-Maravilha na série clássica de TV).
Para quem não está por dentro, Alex Danvers é uma agente do governo dos EUA e é também a irmã adotiva de Kara, a Supergirl. Durante a primeira temporada sua vida pessoal não foi muito aprofundada. Na segunda temporada da série, a personagem apaixona-se por sua amiga, Maggie Sawyer, e logo abre-se para a irmã e declara-se para Maggie. Essa trama foi bastante elogiada pela maneira inteligente que retratou o processo de saída do armário de uma mulher adulta, descartando os clichês desse tipo de história na TV para mostrar uma visão realista e otimista para todos os personagens envolvidos.
Mais animador ainda é que nada indica que Supergirl vai recair no péssimo hábito de matar personagens lésbicas que assola o mundo dos seriados. Como bem demonstrou a última temporada do seriado The 100, os produtores de TV adoram desenvolver personagens LGBT, torná-los bastante queridos, para depois matá-los. Isso vem desde que Buffy the Vampire Slayer inovou mostrando o casal lésbico Willow e Tara – só para matar Tara em seguida, sem dó nem piedade. Alguns exemplos recentes: a capitã Helena Cain de Battlestar Galactica, Rachel Posner de House of Cards, Lizzie e Denise em The Walking Dead e Charlie em Supernatural.
Sim, a morte de personagens queridos é uma tática para manter audiência desde sempre, mas um estudo feito pelo site Vox mostrou que, na temporada 2015-16, 10% de todas as mortes dos seriados norte-americanos foram de personagens lésbicas, apesar de serem menos de 2% de todos os personagens da TV. Isso acaba afetando a representatividade LGBT na telinha: outro estudo, promovido pela ONG GLAAD, descobriu que em 2016 o número de personagens lésbicas da TV caiu pela metade: eram 33% dos personagens LGBT em 2015, mas agora são 17%.
Supergirl até agora vem dando exemplo de como lidar com o processo de saída de armário e a representatividade LGBT. A personagem Alex Danvers agora tornou-se muito mais interessante e tridimensional, dado que entre uma cena e outra de ação ela também tem que lidar com coisas como contar para a mãe que gosta de outra mulher e como cultivar seu novo romance. Vamos torcer para que esse seja o início de uma nova tendência no mundo dos seriados.
Aaaaaaah, a importância da representatividade ????