Por que as pessoas não querem usar preservativo quando fazem sexo?

Como a percepção de risco, aversão à camisinha e o cansaço de prevenção afetam a prevenção do HIV

por Marcio Caparica

Camisinhas funcionam, e são a principal ferramenta para conter as infecções pelo vírus HIV em todo o mundo. Por que, então, apenas 65% dos homens usam preservativos consistentemente, de acordo com uma pesquisa do Centers for Disease Control and Prevention, órgão federal de saúde dos EUA? E como é que mais de 20% dos homens que fazem sexo com homens (HSH) estão dispostos a se arriscarem e a se exporem a todo tipo de doenças sexualmente transmissíveis para fazerem sexo sem camisinha?

As mulheres não se saem melhor nessas estatísticas. Das mulheres que praticam sexo anal, prática de alto risco para a transmissão de DSTs, apenas 11% declararam ter usado preservativo. Pior ainda, as mulheres tendem a usar preservativo com frequência menor que seus parceiros homens heterossexuais.

Ninguém quer se responsabilizar

A reação mais comum quando se discute o (pouco) uso da camisinha é dizer que as pessoas são simplesmente ignorantes, irresponsáveis ou descuidadas mesmo. O problema é que o buraco está bem mais embaixo, e a questão é muito mais complexa.

Na verdade, há inúmeras razões interconectadas para o uso cada vez menor de preservativos entre adultos e jovens. Entre elas estão a opinião (ruim) que as pessoas têm sobre preservativos, as crenças de muitos quando assunto é HIV, a forma como se negociam as relações sexuais, a avaliação que cada um faz de seu nível de vulnerabilidade para DSTs, e até mesmo a habilidade de se aplicar o preservativo.

Analisar essas questões pode ser desconfortável, algo que se torna ainda pior pela tendência cultural de se jogar a culpa em cima daqueles que são vistos como “vetores” (ou fontes) das infecções do HIV.

Ao invés de se estimular discussões sobre esse assunto, tende-se a censurá-las – o que acaba agravando o comportamento de risco entre aqueles que preferem permanecer em silêncio ao invés de enfrentar o desprezo e a censura dos outros.

Impressões erradas

Dois fatores influenciam o uso do preservativo nas populações mais expostas a riscos: conhecimento e poder. Eles afetam os gêneros e grupos de maneiras distintas, e explicam não apenas por que tomamos algumas decisões na hora do sexo, mas também por que nos arriscamos mesmo sabendo que essa não é a decisão correta.

O conhecimento não se limita a saber que a doença do HIV existe, mas também nossa crença pessoal do quanto à possibilidade de se infectar de cada um de nós. Isso é chamado de percepção de risco (um componente do chamado Modelo de Crenças de Saúde).

A percepçao de risco muitas vezes se baseia em avaliações erradas de quem “corre mais risco” de se infectar, seja essa avaliação feita a respeito de um grupo ou de um comportamento. Características que as pessoas costumam usar para avaliar (em geral, erroneamente) se o parceiro tem maior ou menor possibilidade de transmitir HIV são, entre outras, idade, raça, educação e poder aquisitivo. É muito comum que as pessoas pensem que alguém não oferece risco porque “é amigo do meu amigo”, ou porque está numa balada cara, ou porque é supermásculo.

Os avanços no tratamento do HIV fazem com que muitas pessoas subestimarem os riscos de se infectarem, ou acharem que se contraírem o vírus, as consequências serão insignificantes. Isso pode acabar reduzindo o uso da camisinha. No sentindo inverso, muita pouca fé na eficácia do tratamento ou na eficácia das práticas de sexo seguro costumam também levar a um uso menor do preservativo: as pessoas passam a ver a infecção pelo HIV como algo inevitável. Isso acontece muito em comunidades que não confiam na saúde pública, geralmente aquelas de poder aquisitivo menor, em que os níveis de infecção são muito altos, e que sofrem com a falta de infraestrutura e de cuidados médicos.

Aversão ao preservativo

Um estudo da Universidade Emory revelou que quase um terço dos homens entrevistados afirmaram já terem perdido uma ereção depois de terem colocado preservativo.

As associações e atitudes negativas quanto à camisinha, conhecidas como aversão ao preservativo, há muito tempo sabotam as campanhas em prol do sexo seguro. Elas refletem as barreiras reais e imaginárias que fazem com que pessoas não utilizem preservativos, mesmo quando sabem que correm risco de transmissão de DSTs. Por consequência, muitos decidem que o risco em potencial de se não usar camisinha não compensa as “consequências” decorrentes de sua utilização, como:

  • Falta de espontaneidade sexual
  • Sabor e cheiro desagradáveis
  • Redução do prazer sexual tanto do homem como da mulher
  • Perda de ereção
  • A impressão de que o uso de preservativo é uma declaração de falta de confiança ou de infidelidade
  • A percepção de que o uso do preservativo é um sinal de promiscuidade sexual
  • O medo de ser identificado como “população de risco”, ou parte de uma população estigmatizada (homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas injetáveis).

Cansei de prevenir

No outro extremo está o cansaço da prevenção, termo utilizado para descrever a exaustão daqueles que já usaram preservativo por muito tempo e não aguentam mais ter que fazê-lo. Esse fator reflete a eficácia cada vez menor das campanhas de prevenção, e costuma estar associado aos níveis de transmissão de DSTs cada vez maiores dentro das populações HSH (apesar de afetar diretamente todos os grupos populacionais).

O conhecimento cada vez maior dos benefícios das terapias antirretrovirais levou muitos a buscarem alternativas ao uso de preservativos. A principal dessas estratégias é o Tratamento como Prevenção, baseada no fato de que pessoas soropositivas não transmitem o HIV quando, devido ao tratamento, chegam numa carga viral indetectável.

Uma pesquisa feita pelo Terrence Higgins Trust em Londres entrevistou vários HSH soropositivos, e descobriu que os entrevistados não discutem sua contagem viral e o decorrente risco de transmissão quando tomam decisões de cunho sexual. Outra pesquisa demonstrou que a decisão de se utilizar preservativo ou não muitas vezes se baseia no status sorológico que a pessoa pensa que o parceiro tem, não numa discussão aberta sobre o status sorológico de cada um, os remédios que toma e sua carga viral.

Ou seja, as pessoas não conversam sobre HIV antes da relação por medo de “quebrar o clima” ou da opinião que o parceiro vai formar a seu respeito se o assunto vier à tona. E daí descartam o uso do preservativo porque supõem que esse silêncio de ambas as partes significa ou que nenhum dos dois é soropositivo, então a camisinha é desnecessária, ou que “ele também tem HIV”, então “não há problema”. Tanto achismo pode acabar em infecção.

Estratégias para se reforçar o uso do preservativo

  • Se você não sabe qual é seu status sorológico e é sexualmente ativo, faça um exame de HIV hoje. Pesquisas demonstram que conhecer seu status sorológico costuma aumentar o senso de responsabilidade das pessoas.
  • Ao invés de pensar no HIV de forma generalizada, descubra informações em linguagem clara sobre os riscos específicos de infecção para mulheres, populações negras e latinas, HSH etc. Essas informações podem ser encontradas em hospitais e postos de saúde.
  • Intervenções de educação sexual (como por exemplo demonstrações de como se usa preservativos corretamente e como se evita os erros mais comuns) costumam eliminar a maior parte do que as pessoas veem como barreiras ao uso da camisinha. Em um estudo, o uso de camisinha aumentou de 29% a 71% num grupo de homens heterossexuais em comportamento de risco, após uma única intervenção.
  • Reduzir o número de parceiros sexuais costuma a levar a um maior uso de preservativo. Estudos também sugerem que essa atitude também reduz a probabilidade de se entrar em encontros sexuais anônimos e incentiva uma maior discussão sobre saúde sexual e prevenção do HIV.
  • Recrutar seus parceiros sexuais online costuma a levar à prática de se selecionar o parceiro de acordo com seu status sorológico (tomando-se por base as informações no perfil da pessoa ou a impressão que se tem quanto a seu status ao se avaliar o perfil). Ao invés de confiar na informação do perfil, aproveite para ativamente discutir o HIV e outras questões de saúde antes do encontro.

Fontes

Jacobs, R.; Kane. M.; and Ownby, R. “Condom Use, Disclosure, and Risk for Unprotected Sex in HIV-Negative Midlife and Older Men Who Have Sex With Men.” American Journal of Men’s Health. May 2013; 7(3):186-197.

Rietmeijer, C.; Lloyd, L.; and McLean, C. “Discussing HIV serostatus with prospective sex partners: a potential HIV prevention strategy among high-risk men who have sex with men.” Sexually Transmitted Diseases. April 2007, 34(4):215-219.

Suzan-Monti, J.; Préau, M.; Blanche, J.; et al. “The burden of HIV experience and care among MSM having an HIV-positive seroconcordant steady partner.” Sexually Transmitted Infections. August 2011; 87(5):396-398.

Bourne, A.; Dodd, C.; Keogh, P.; et al. “Relative safety II: Risk and unprotected anal intercourse among gay men with diagnosed HIV.” London: Sigma Research/CHAPS/Terrance Higgins Trust, 2009.

Higgins, A.; Hoffman, S.; and Dworkin, S. “Rethinking Gender, Heterosexual Men, and Women’s Vulnerability to HIV/AIDS.” American Journal of Public Health. March 2010; 100(3):435-445.

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Um comentário

Mardônio

É fácil saber porque esse debate sobre o assunto não se dá, por culpa de “vocês”: Mídia, MS e “pensadores” e influenciadores da comunidade GLS, vocês inviabilizaram e ainda inviabilizam o debate, são mais de 30 anos de verdadeira doutrinação pró camisinha, colocando o sexo natural ou ao natural, tanto faz, como a própria temida velha desdentada de foice na mão, e vocês se vêem frustados, poque mesmo diante de tantos esforços, ainda existem muitas pessoas que, como eu por exemplo, não se deixam levar. Nunca fiz sexo com preservativo na minha vida e NUNCA peguei uma DST. Existem muitas coisas que precisam ser ditas, muitos sub-assuntos que precisam ser tratados dentro desse assunto mais geral, mas como disse, não dá, não se pode fazer apologia a nossa escolha, é quase um crime isso, é uma insanidade diriam pessoas como você e o seu público, por isso é realmente uma raridade achar escritores que praticam o bareback falando abertamente sobre isso, ou defendendo sua escolha. Tem muito o que discutido e debatido, mas enquanto não permitirem o outro lado se manisfestar de verdade e sem hipocrisia, não haverá debate.
Peço que me desculpem o “tom” elevado, a maneira dura como expus meu pensamento e a “acusação’ contra o “você”, mas achei necessário, já existem vozes demais cantando amém, eu precisava mostrar a opinião de alguém que tem uma voz destoante do pensamento hegemônico.

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