Vôlei Brasil

Jogador de vôlei conta como é ser um atleta gay no Brasil

“Um técnico dizia que se um jogador fosse gay, não era problema dele, mas se quisesse entrar num time profissional, teria que agir de forma masculina na quadra”

por Marcio Caparica

Traduzido do artigo de Jim Buzinski para o site Outsports

O Brasil sofre de dupla personalidade quando o assunto são pessoas LGBT. O casamento homoafetivo é legalizado e a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo é a maior do mundo, e incentivada pela cidade. Por outro lado, a violência contra LGBTs é tão comum que uma pessoa homossexual ou transexual é assassinada por dia no país.

Apesar de ser bastante sexualmente liberado, o Brasil também tem uma tradição católica muito forte e um movimento evangélico em ascensão que não aprecia os direitos LGBT. Ainda não há no país um jogador de futebol que tenha se declarado homossexual, e, no entanto, há cinco lésbicas e um gay declarades competindo pelo Brasil nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro, em vários outros esportes.

Felipe é um jogador de vôlei em nível competitivo, mas não faz parte do time olímpico. Não utilizamos seu sobrenome, já que seus colegas de equipe sabem de sua homossexualidade, mas sua família não. Ele pediu para que usássemos seu nome real, não um pseudônimo.

Encontrei Felipe nos Estados Unidos nesse verão, e perguntei o que ele acha dos conflitos que atletas gays encaram no Brasil, curioso para conhecer sua perspectiva já que as olimpíadas estavam acontecendo em seu país. Ele me enviou o relato a seguir quando estava a caminho para o Rio de Janeiro para assistir aos Jogos.

Crescer sendo um atleta gay no Brasil não é fácil. Durante minha infância e adolescência, durante o processo de descoberta de minha sexualidade, eu não encontrava na mídia qualquer representação de atletas abertamente gays. Quando observava os atletas profissionais e sonhava ser como eles um dia, eu me sentia diferente, como se fosse o único gay do mundo. Eu sentia que estava fazendo algo errado, porque era diferente deles.

Muitas outras crianças brasileiras sentem-se do mesmo jeito. Nós temos uma carência muito grande de atletas abertamente homossexuais para seguirmos, pessoas que lutam para mostrar para o mundo que ser um atleta gay não é algo ruim nem razão para se envergonhar.

Eu sou um jogador de vôlei em nível competitivo, e atuo no segundo esporte mais popular do Brasil. Muitas vezes me senti oprimido quando estava na quadra. Eu tinha que monitorar meu comportamento o tempo todo e sei que, se eu quisesse jogar profissionalmente, eu não podia “ter jeito de gay”. É isso que nos ensinaram.

Eu já tive um técnico que costumava dizer para seus jogadores que, se havia algum gay no time, isso não era problema dele, mas que se algum deles queria ser um jogador de vôlei profissional, eles precisavam agir de forma masculina na quadra.

Apesar de que, em geral, os jogadores de vôlei são aceitos, ainda há muito preconceito. Não é um assunto que se comenta, mas a gente sabe que existe Há muitos jogadores de vôlei gays, muitos deles são excelentes, e a comunidade do vôlei já aprendeu que não há nada demais em ser homossexual. Na time do clube em que atuei no Brasil, seis dos meus 12 colegas de equipe eram gays, então sentia que estava num ambiente seguro. Nunca houve um jogador de esportes coletivos nas seleções nacionais que se declarasse gay e mostrasse orgulho por sê-lo. No passado, já aconteceu de jogadores não serem considerados masculinos o suficiente para serem selecionados, mas eu prevejo um futuro mais tolerante para o Brasil.

O Brasil é conhecido pela paixão que todos sentem pelo futebol, e no entanto também não há um único jogador de futebol que seja abertamente gay. Uma pesquisa feita pelo UOL Esportes perguntou se os jogadores de futebol dos principais times do país conheciam algum gay que estivesse atuando no futebol profissional brasileiro – 56% deles afirmaram que “sim”, 27% disseram que “não”, 11% não responderam e 6% disseram que “não sabiam”.

Isso demonstra que há muitos jogadores de futebol que têm que mentir todos os dias a respeito de suas vidas pessoais, e não têm a liberdade de viver como quiserem. Os jogadores de futebol são os maiores astros esportivos do Brasil, e ganham muito bem. Eles têm muito prestígio, e, no entanto, declararem-se gays pode acabar com suas carreiras.

O medo mantém jogadores de todos os esportes dentro do armário, mas acho que há esperança. Vejo hoje uma geração que está mais acostumada a ver dois homens andando de mãos dadas na rua. Há alguns anos a televisão aberta mostrou o primeiro beijo gay em uma novela, algo muito importante para o país. Faz poucas semanas a TV mostrou a primeira cena de sexo gay. Muito se discutiu sobre esses acontecimentos, mas posso dizer que a maioria das pessoas teve uma atitude mais respeitosa. As coisas estão mudando, e posso ver uma nova geração crescer no meio dessa diversidade.

Os jogos olímpicos de 2016 são algo positivo para o país. Os brasileiros estão sendo expostos a atletas de todos os países que sentem orgulho de serem homossexuais competindo ao lado dos outros, sem que aconteça nada de excepcional. O mundo está vendo que ser homossexual não faz que você seja diferente quando se está na quadra, em campo ou na piscina.

No momento há seis atletas brasileiros abertamente homossexuais: Larissa França (vôlei de praia), Mayssa Pessoa (handebol), Julia Vasconcelos (taekwondo), Isadora Cerullo (rúgbi), Rafaela Sila (judô) e Ian Matos (saltos ornamentais). Talvez eles não saibam, mas apenas o fato de demonstrarem sem constrangimento quem realmente são é um grande passo na história do Brasil. Os jovens atletas LGBT agora serão capazes de torcer por pessoas iguais a eles.

As Olimpíadas são algo incrível para o país, e espero que, um dia, ser um atleta profissional homossexual no Brasil não seja considerado nada demais. Ser verdadeiro deveria ser visto como algo do que se orgulhar. Eu aplaudo as poucas pessoas que têm a coragem de fazê-lo.

Entre em contato com Felipe pelo e-mail felipebrazil8@gmail.com

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5 comentários

Fernando Rodrigues

Eu sei quem é esse Felipe, uma pena o Brasil ainda ser assim. com esse preconceito e discriminação toda.

Quem não lembra, do Central/Oposto Michael ex-Vôlei Futuro, do ato de discriminação que sofreu em quadra, com a torcida adversária o discriminando.

tiéser

há um jogador gay sim no futebol brasileiro, Jamerson Messi… só que em campo, ele sofre muito mais preconceito com relação a torcida do que com os outros jogadores… 🙁 visto que hoje em dia muitas dessas mesmas pessoas se dizem ser “sem preconceitos”, não-homofóbicas, dando a ideia que são liberais e aceitam a sexualidade alheia do estadio pra fora!

ah, pesquisei e descobri que a Mayssa Pessoa é bissexual e não homo… 😛

Marcos

Ser gay não e doença a pessoa ja nasce com esta personalidade, pós minguem quer ser gay pós sofre muito com descriminação e bulimia.

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