Um relatório divulgado ontem pela ONG Human Rights Watch revelou que oito países obrigam homens e mulheres trans acusados de terem praticado sexo homossexual a submeterem-se a exames anais para “comprovar” seus “crimes”: Camarões, Egito, Quênia, Líbano, Tunísia, Turcomenistão, Uganda e Zâmbia. Esse tipo de exame não tem utilidade real como prova de sexo anal, e não passa de uma maneira de tratar LGBTs de maneira cruel, desumana e degradante, muitas vezes chegando à tortura.
O documento, intitulado Dignity Debased: Forced Anal Examinations in Homosexuality Prosecutions (“Dignidade desprezada: exames anais forçados em perseguições à homossexualidade”) tem 82 páginas e se baseia em entrevistas com 32 homens e mulheres trans que foram submetidos a esse tipo de exame forçado. Esses exames, feitos com a intenção de “comprovar” algum tipo de conduta homossexual, costumam ser realizados por médicos ou outros profissionais da saúde que inserem seus dedos (ou, às vezes, objetos) à força no ânus do acusado. As vítimas dessas violações contaram à Human Rights Watch como esses exames são dolorosos e degradantes; alguns chegam a considerá-los um tipo de estupro.
“Exames anais feitos à força são invasivos, intrusivos, profundamente humilhantes, e são uma violação clara desses governos a suas obrigações com os direitos humanos”, afirma Neela Ghoshal, pesquisadora sênior do programa de direitos LGBT da Human Rights Watch. “Nenhuma pessoa em 2016 deveria ser submetida a exames torturantes e degradantes que têm por base teorias inválidas de 150 anos atrás”.
Esses exames têm raízes em teorias desacreditadas do século 19, que ditavam que homossexuais poderiam ser identificados pela coloração do esfíncter anal ou pelo formato do ânus. Especialistas internacionais de medicina forense já comprovaram que esses exames são inúteis, sem falar cruéis e degradantes. Essa conclusão é compartilhada até mesmo por profissionais médicos, entrevistados pela Human Rights Watch, que realizaram esses exames em prisioneiros. Profissionais da saúde que conduzem esse tipo de exame por vontade própria estão violando princípios éticos internacionais de medicina, como a proibição de se participar em atos de tortura ou humilhação.
“Eu me senti como um animal. Como se não fosse humano”, relatou “Mehdi”, um estudante túnisiano que foi submetido a um exame anal em dezembro de 2015. “Quando me vesti, fui algemado e saí em estado de choque. Eu não conseguia absorver o que havia acontecido.”
“Louis”, que teve que passar por um exame desses em 2007 em Camarões, aos 18 anos, contou à ONG, nove anos mais tarde: “Eu ainda tenho pesadelos sobre aquele exame. Às vezes passo a noite acordado pensando nisso. Eu nunca pensei que um médico seria capaz de fazer isso.”
Alguns países que costumavam utilizar esses exames à força, como o Líbano, estão tomando medidas para acabar com a prática. Outros, como o Egito e a Tunísia, utilizam-no frequentemente em acusações de prática homossexual. Esse fenômeno é bem mais recente no Quênia, em Uganda e na Zâmbia.
No Quênia, uma lamentável decisão da Suprema Corte do país feita em junho de 2016 confirmou a constitucionalidade desses exames. O juiz considerou que os peticionários, dois homens que haviam sido presos sob acusação de “ofensas contra a natureza” e submetidos a exames anais enquanto estavam sob custódia da polícia, haviam dado seu consentimento. Os peticionários não haviam sido informados quanto a esses exames e só concordaram depois de coagidos por policiais. A decisão está sendo apelada.
A Human Rights Watch afirma que todos os países deveriam proibir a prática de exames anais à força, e que instituições internacionais e domésticas que cuidam de direitos humanos deveriam opor-se veementemente a essas práticas. “Para começar, ninguém deveria ser preso por causa de condutas sexuais íntimas”, afirma Ghoshal. “Mas, caso esse tipo de prisão aconteça, exames anais realizados à força somam uma camada extra de brutalidade e abuso sem sentido. Todos os países deveriam garantir os direitos e dignidade básicas às pessoas acusadas de condutas homossexuais, e reconhecer que a proibição da tortura se estende a todos, não importa sua orientação sexual ou identidade de gênero.”