Lançado em 1968 por Dusty Springfield, o single “Son of a Preacher Man” contava a história de uma garota que namorava escondido com o filho do pastor que fazia visitas a sua família, cheia de contentamento e duplos sentidos. Quase cinquenta anos depois, o cantor Tom Goss regravou a canção com tons bem mais soturnos e, em parceria com o diretor Michael Serrato, reimaginou a trama como o amor entre dois garotos adolescentes – um deles, filho de pastor. O resultado é bastante tocante:
Transformada numa narrativa sobre a homofobia evangélica, o vídeo trata de amor, suicídio, rejeição e – viva – sobrevivência. O diretor Michael Serrato realmente se apaixonou pelo filho de um pastor, e Goss já tentou se matar. Confira a seguir a entrevista que os dois deram ao site The Daily Beast sobre a criação desse vídeo:
Michael Serrato
Você se apaixonou mesmo pelo filho de um pastor?
Sim eu cresci dentro de uma comunidade evangélica em Long Beach, no sul da Califórnia. Meu pai comandava o ministério de esportes e o ministério prisional: ele era linha dura. Eu não era. Eu me apaixonei mesmo pelo filho de um pastor bastante famoso na área – mas nós não tivemos o momento imenso que os garotos do vídeo têm. Nosso relacionamento foi mais pueril e secreto. Acho que até hoje ele ainda está no armário.
Como foi crescer assim?
Muito traumático. Meu pai encarava minha masculinidade, ou falta de masculinidade, muito negativamente. Ele era violento, eu tinha muito medo dele. Eu adoraria dizer que esse garoto e eu fugimos juntos rumo ao pôr-do-sol, mas na verdade eu achava que seria o fim da minha vida se alguém descobrisse sobre nosso relacionamento, ou o que eu entendia então como relacionamento. Sem dúvida ele era um dos meus melhores amigos, e um cara muito legal.
Que idade você tinha?
Agora eu tenho 45 anos, e na época, 13 ou 14. A Aids estava começando a tomar as manchetes. Esse era um assunto importante em nossa igreja, falava-se muito dos “depravados sexuais”. Honestamente, eu estava apavorado. Era quase como se, por ser gay, eu estava carregando um tumor cancerígeno que eu não conseguia me livrar. É por isso que foi tão importante fazer esse vídeo: eu queria dizer para os garotos gays, “Você está bem. Você vai ficar bem”. Não havia nada assim quando eu era menor. Eu saí do armário aos 19 anos, e ainda assim levei muito tempo para me livrar da repugnância, da vergonha e da culpa com que tinha crescido. Era debilitante. Eu tentava encontrar aprovação constantemente, porque eu sentia que era uma pessoa muito repulsiva.
O que seu pai fez para você?
Eu me lembro de apanhar porque eu dobrava as toalhas “feito menininha”. Um dia eu estava lavando a louça, mas não estava lavando a louça “feito homem”, e meu pai me furou com um garfo. Eu viviva aterrorizado. Eu me perguntava, “será que estou fazendo isso feito um homem?”. Mesmo hoje que sou adulto, eu não sou uma das pessoas mais fervilhantes – mas, na época, eu me sentia massacrado. Eu me sentia como se, a qualquer momento, “Há essa coisa sobre mim que eles odeiam”. Isso realmente tocava todos os aspectos da minha vida. Eu não podia me aproximar muito da minha mãe, porque “não largava da barra da saia dela”. Eu sentia que estava crescendo de um jeito que eles achavam que um menino não deveria ser.
Você tinha medo de seu pai?
Sem dúvida eu tinha medo, fisicamente. Eu ficava aterrorizado quando ele chegava em casa. Tudo que eu pensava era “Será que eu pareço macho?”. Ao mesmo tempo, eu queria fazer apresentações e me fantasiar. Acho que muitos jovens gays acabam buscando aquilo que não são. eu me lembro de tentar entrar em todos os tipos de esportes, e me dar mal neles o tempo todo.
Sua família o rejeitou?
Sim, minha mãe e meu pai ficaram ambos devastados quando eu me declarei. Passamos mais de dez anos quase sem entrarmos em contato. Uma das coisas mais catárticas foi minha irmã criar um filho de gênero fluido, o que ela conta em seu livro, Raising My Rainbow (Criando meu arco-íris). Meus pais amavam muito meu sobrinho. Isso os ajudou muito a crescerem. Minha mãe, infelizmente, faleceu esse ano, e cheia de culpa, acho. Logo antes de morrer, ela me enviou um cartão dizendo “Cometi muitos erros”. Sinto-me muito mal por ela. Ela se deu conta do quanto estragou tudo. Acho que a culpa a destruiu um pouco. Hoje falo com meu pai, mas o mantenho a distância… Os pais deveriam estar cientes de que, se estão machucando seus filhos, estão machucando a si mesmos.
Como você lidava com isso quando era criança?
Como adulto, encontrar minha voz artística ajudou muito. Como criança, eu era o cara engraçado, o contador de histórias. Era um mecanismo de defesa. Eu estava desesperado para que gostassem de mim. Eu era o palhaço da turma. Eu era tão odiado em casa que eu pensava “O que eu tenho que fazer para que gostem de mim?”.
Qual é sua atitude quanto à fé hoje?
Sem dúvida eu me sinto espiritualmente vazio. Depois de tudo que eu passei, eu sinto muita desconfiança quanto a tudo isso. Fico pensando, “Eu era só um garoto, por que vocês fizeram tudo aquilo comigo?”. Depois que me declarei, eu fiquei mais autoconfiante, apesar de ter levado um bom tempo para perceber, com a terapia, como eu havia sofrido abuso.
O que você diria para outros garotos gays que estão crescendo hoje?
Eu diria que sei que muitos aconselham: “fique no armário”. Eu sou muito feliz por não ter seguido esse caminho, porque – não importa o quanto isso é difícil – ser eu mesmo e encontrar a mim mesmo não foi ruim.
Como está a relação entre você e seu pai hoje?
Ele nunca pediu desculpas. Hoje ele diz que me ama, o que nunca fez quando eu era criança. Eu já fiz algumas coisas para a TV, e ele gosta o lado celebridade disso. Acho que ele sente orgulho de mim. Ele tem orgulho da força que eu e minha irmã temos. Nós não temos uma relação muito boa – ela não é ruim, nós não gritamos um com o outro… Acho que ele gostaria que nós fôssemos mais próximos. Mas eu sinto muita dificuldade em confiar nele, e não sei se isso vai mudar um dia. Foi muito doloroso. Sem dúvida eu o perdoei, mas não vou esquecer. Foi horrível. Eu quero que as crianças saibam que ser gay é incrível. Tem muita gente por aí que diz que é errado, mas você vai ficar bem.
Tom Goss
As respostas a seu vídeo foram muito boas.
Sim, eu estou bastante aliviado que a resposta foi tão positiva.
Você conhecia a versão original, por Dusty Springfield?
Sim, eu cresci no sudeste do Wiscosin, e passava o dia ouvindo ‘músicas antigas’ com a minha mãe. Elas me trazem muitas memórias boas. Na época eu não sabia do que essa música tratava, claro. Você fica lá cantando junto, quando isso é algo que a família toda faz junto pra se divertir.
Como você criou essa versão?
O vídeo, e o conceito do vídeo, que nós discutimos por um ano e meio, foram criados bem antes da música. Eu queria reinventar a canção de uma forma que homenageasse o original, mas que também fosse diferente e única por si só.
De alguma forma ela foi autobiográfica para você?
Minha vivência foi ser um jovem que se sentia tão incompreendido, ignorado e mal amado que tentei me matar aos 13 anos.
Assim como um dos garotos do vídeo. Por que você tentou se matar?
Acho que eu sempre me senti diferente. Olhando em retrospecto, a sexualidade com certeza teve um papel grande nisso, e sentir que eu era tratado de maneira diferente por causa disso, sem compreender por que isso acontecia, me sentir “estranho” o tempo todo, me sentir como alguém à margem. Isso é muito difícil para uma criança. Foi um período muito ruim da minha vida. Meus pais se divorciaram. Eu fiquei muito mal com isso, e tudo virou uma avalanche.
Como você tentou se matar?
Eu decidi me matar porque ninguém ia sentir minha falta. Foi um momento terrível. Eu lembro que eu pensava, “Eu vou tomar essa garrafa de comprimidos, e daí vou me cortar”. Nós tínhamos uma casa muito alta, então eu planejava pular da janela do alto da casa. Eu me lembro de pensar, “Eu sou tão esperto. As pessoas vão estar tão ocupadas tratando dos meus ferimento, que não vão perceber que eu estou morrendo lentamente por dentro”. Pensar sobre isso agora me faz ficar com vontade de chorar por aquela pessoa.
Você foi em frente com esses planos?
Eu tomei o frasco de comprimidos, e daí imediatamente me arrependi, percebi a gravidade do que havia feito, e contei para minha mãe, nós fomos para o hospital, e eles me fizeram uma lavagem de estômago. E então colocaram carvão no meu estômago depois de terem extraído todos os fluidos. Eu passei alguns dias no hospital.
E daí, terapia?
Eu fiz muita terapia. Honestamente, só quando eu peguei num violão e comecei a escrever canções, aos 18 anos, que a verdadeira terapia começou. Até esse momento, meus demônios se manifestavam em raiva, brigas, prisões. Eu fui expulso da escola no primeiro ano do ensino médio. Eu fiz ginástica olímpica, luta greco-romana, e me livrava de muita agressividade assim. Mas eu era muito introvertido. Quando eu comecei a tocar violão eu comecei a processar tantas coisas. Eu fiz luta durante toda a faculdade, e vivia cercado de um monte de homens com pouca roupa, mas não me sentia atraído por eles.
E como a sua sexualidade despertou, então?
Por muito tempo eu pensei que era assexual, até que eu decidi me tornar padre na igreja Católica. Eu não achava que ser celibatário seria um problema, já que eu já era assexual. No seminário, eu me apaixonei por um dos meus colegas de classe. Apaixonar-se foi e é e sempre será uma das coisas mais lindas e poderosas que pode existir no mundo. Curou-me de mais coisas que eu sou capaz de dizer.
Isso sem dúvida transparece no vídeo dessa música.
Eu adoro que os garotos do vídeo estão apaixonados, e é puro e inocente e saudável e traz tanta alegria, isso tudo mesmo quando outras pessoas estão tentando destruí-los.
E os garotos sobrevivem e se amam no final.
Sem dúvida. Esse é o futuro que nós queremos pintar. É difícil. Muitos jovens LGBT já cometeram suicídio. Mas muitos não. Muitos se apaixonaram e seguiram pelo amor. Essa é a história que nós queríamos contar. Nós trouxemos a ONG Trevor Project para esse projeto porque nós não queríamos trazer nada ruim, e também queríamos mostrar a dor que as pessoas enfrentam. E nós queríamos que fosse positivo.
Como você convenceu os responsáveis pela igreja que aparece no vídeo a deixarem vocês filmarem lá?
Essa é a Little White Chapel em Burbank. Eu falei com seu pastor e expliquei o que estávamos fazendo. Essa é uma igreja acolhedora e inclusiva, ele sabia o que estávamos fazendo e deu todo apoio. A mensagem da canção e do vídeo é confiar no amor que você tem. Ame quem você ama com todas as forças, mesmo se tudo está contra você.
Você é religioso?
Eu cresci num lar semirreligioso. Minha experiência católica foi bastante liberal. Eu nunca ouvi o tipo de sermão que você ouve no vídeo. Eu me sentia marginalizado por me sentir assexual. Pode ser difícil ser gay, mas pelo menos há uma comunidade para isso. Se você é assexual, você é esse robô que ninguém compreende. E, da minha parte, eu sentia atração por ursos. Parte da minha demora em compreender isso era porque eu vivia entre esses lutadores superjovens e supersarados, mas não sentia atração por eles porque eles não são o tipo de homem que me atrai.
Quer dizer que o colega de classe no seminário…?
Sim, ele era urso. Nós nos apaixonamos, e de certa forma foi – como no vídeo – muito inocente e puro, nós dois éramos virgens. Eu tinha 23 anos e ele tinha 38. Sem dúvida ele era muito mais reprimido. Ele tinha mantido tudo isso em xeque, enquanto eu havia vivido na maior ignorância. Eu não tive muito conflito. Eu só pensei, “uau, isso é incrível, por que Deus não haveria de querer isso na minha vida?”. Acho que deixei meu lado espiritual para trás. Mas eu queria me tornar um padre para trabalhar com reconciliação, e espero que meu trabalho, esse vídeo, ajude as pessoas a se reconciliarem com seu passado.
Como é sua vida hoje?
Eu estou casado com o Mike, meu marido há dez anos. Ele tem muito orgulho de mim, e sem dúvida é quem mais me dá apoio.
Qual foi a resposta mais surpreendente a esse vídeo até agora?
Eu recebi um e-mail de uma das backvocals da Dusty Springfield hoje. Ela me disse que havia cantado com ela por anos, e que ela teria adorado isso, e terminou me dizendo “obrigado”. Achei fora de série.
No final, os garotos seguem para o pôr-do-sol, e transformam-se em adultos ainda de mãos dadas.
Um desses caras sou eu, então eu imagino (risos) que um deles sai dali para tocar violão. Na minha história eles aprendem a integrar a espiritualidade e a sexualidade. Eles se apaixonam um pelo outro, cada vez mais.