Transexuais e travestis batalham constantemente contra vários fatores que lhes impedem de desenvolver totalmente seu potencial. As dificuldades para conseguir educar-se e as resistências contra sua socialização plena são apenas algumas delas. É com vista para tentar aliviar essas duas barreiras que voluntários criaram o Cursinho Popular TRANSformação com o objetivo de Incluir e acolher transgêneros na educação e promover um ambiente educacional com respeito à diversidade.
O cursinho é gratuito e está com as inscrições abertas até dia 21 de agosto de 2015 – quem se interessar pode inscrever-se por meio desse formulário. As aulas terão início dia 27 de agosto, e serão ministradas às quintas-feiras, das 13:30h às 18h, no Centro de Referência e Defesa da Diversidade, localizado na Rua Major Sertório, nº 292/294, República, São Paulo/SP, próximo à Praça da República.
O Lado Bi conversou por e-mail com os criadores do cursinho para entender melhor os detalhes desse projeto.
Lado Bi – Por que a proposta de um cursinho totalmente gratuito para pessoas trans e travestis?
Cursinho Popular Transformação – A proposta de um Cursinho Popular é justamente o de alcançar pessoas que têm o interesse de estudar, mas não possuem condições financeiras ou espaço em redes de educação regulares. Alguns Cursinhos Populares cobram pequenos valores para garantir a manutenção de seus espaços e outros desenvolvem meios de autossustento. A segunda das hipóteses se encaixa na proposta do Cursinho Popular Transformação, pois entendemos a necessidade de oferecer um espaço de ensino gratuito e não opressor à população de Travestis e Transexuais.
As disciplinas seguirão os mesmos conteúdos aplicados em um cursinho particular?
Em regra, não. A proposta de um Cursinho Popular extrapola os limites do ensino direcionado aos vestibulares: tecnicista e mercadológico (direcionado somente às necessidades do mercado de trabalho) aplicado na maioria esmagadora dos cursinhos particulares. Não almejamos tornar o Cursinho Popular Transformação como os cursinhos particulares padronizados. Nos entendemos como uma coletividade e nossa intenção é produzir e incentivar a produção de conhecimento pelas(os) próprias(os) alunas(os), por meio de uma troca de vivências e conteúdos. Cumpre esclarecer que o atual enfoque para o ENEM visa garantir as mínimas condições de acesso em espaços de educação que, historicamente, nunca foram de fato acessíveis para a população de Travestis e Transexuais. Entendemos que os espaços de Educação, atualmente, são seletivistas, portanto o ENEM é uma das formas analisadas que, no momento, possibilita maior abertura para que as pessoas T consigam acessar esses espaços, se assim o desejarem, além de poder ser usado, também, para a obtenção de certificado de conclusão de Ensino Médio e Fundamental.
O projeto se restringe a aulas de conteúdo acadêmico?
Não. Realizaremos posteriormente oficinas e outras atividades pedagógicas ou empoderadoras em horários e dias da semana distintos, de acordo com o interesse e demanda das alunas e alunos, bem como das professoras e dos professores.
Sabemos que muit@s dess@s alun@s vêm de uma formação escolar deficitária. Como vocês pretendem lidar com isso?
Uma de nossas preocupações é o acompanhamento e permanência das alunas e alunos no cursinho. Como temos uma grande quantidade de voluntariado, cada professor será responsável pelo acompanhamento de um estudante. E faremos estudos individuais para dar suporte a cada aluno, de acordo com seu grau de escolaridade.
Há algum órgão governamental, como secretaria ou ministério da educação dando algum tipo de suporte, como material didático ou apoio financeiro?
Não trabalhamos e não pretendemos trabalhar diretamente com nenhum órgão governamental, visando, em síntese, garantir a autonomia do coletivo e do próprio Cursinho Popular Transformação. Nosso material didático é uma fusão de uma construção pedagógica coletiva (com base na vivência e particularidades das pessoas T), além de provas e materiais direcionados especificamente ao ENEM. O que temos, atualmente, é uma parceria com o Pela Vidda, ONG que administra o Centro de Referência e Defesa da Diversidade (CRD), uma vez que eles recebem verba pública para trabalhar na defesa e atendimento a LGBTs. É com essa parceria pontual (que pode vir a continuar ou não) que conseguiremos garantir transporte e alimentação às alunas e alunos do Cursinho Popular Tranformação.
O cursinho TRANSformação foi discutido com pessoas de várias capitais do país. Vocês pretendem expandir a ideia para outras praças?
Sim, o embrião do Cursinho Popular Transformação surgiu de um Curso de Formação Política (CFP) de uma Federação Nacional de Estudantes, cuja construção, organização e viabilidade ocorre, em regra e de modo autônomo, pela Setorial LGBT de tal Federação. Alguns membros de nosso Coletivo participaram e ajudaram a construir esse CFP. A perspectiva, após os debates ocorridos durante o curso, foi de que cada pequeno grupo levasse essa construção para suas cidades e buscassem desenvolver essa proposta de Cursinho Popular direcionado a Travestis e Transexuais para que, posteriomente, criássemos, também, um canal de diálogo entre todos. Nós de São Paulo conseguimos nos articular e vemos dessa nossa construção a possibilidade de abrir portas para outros Estados (atualmente não planejamos levar nós mesmos essa construção, até porque estamos começando agora). Além disso, membros do coletivo já estão em contato com o cursinho Prepara Nem, do Rio de Janeiro, que também é voltado a travestis e transexuais, e temos perspectiva de dialogar com o cursinho popular para o mesmo público que também está em curso em Belo Horizonte.