Um dos argumentos mais usados pelos opositores dos direitos LGBT é o de que animais não praticam a homossexualidade – e, portanto, a atração pelo mesmo sexo não passaria de uma “perversão” de alguns seres humanos, uma prática que iria contra a natureza. Quem diz isso, claro, não é biólogo e prefere ignorar que milhares de espécies de animais já foram registradas praticando homossexualidades.
Há décadas que se observa acasalamentos entre animais do mesmo sexo. Mas os casos documentados eram em geral vistos como anomalias ou curiosidades. Isso mudou depois que Bruce Bagemihl publicou Biological Exuberance (Exuberância Biológica). A obra descrevia tantos exemplos, em tantas espécies diferentes, que passou a ser impossível ignorá-lo. Desde então, os cientistas passaram a estudar sistematicamente esses comportamentos.
À primeira vista, o comportamento homossexual em animais parece ser uma ideia muito ruim, algo que vai até contra Darwin. A teoria da evolução pela seleção natural implica que os genes têm que ser transmitidos para a próxima geração, ou se extinguirão. Quaisquer genes que tornem um animal mais propenso a se acasalar com um indivíduo do mesmo sexo teriam menor probabilidade de serem transmitidos para a próxima geração que aqueles que estimulam parcerias heterossexuais, e portanto a homossexualidade deveria desaparecer rapidamente.
Claramente não é isso o que acontece. Para alguns animais, o comportamento homossexual não é um evento ocasional – algo que poderia ser desconsiderado como um erro puro e simples – mas sim algo regular. Pode haver explicações para que esse tipo de prática persista na natureza? Confira abaixo.
Macacos
Durante a época de acasalamento, a competição pelas fêmeas dos macacos japoneses é feroz. Mas não exatamente pelo motivo que seria de se esperar. Os machos não têm que competir apenas com outros machos pelas fêmeas: eles têm que competir também com as fêmeas.
Isso acontece porque em algumas populações o comportamento homossexual entre as fêmeas não é apenas comum, é a norma. Uma fêmea monta a outra, e então estimula seus genitais esfregando-os contra outra fêmea, afirma Paul Vasey, da Universidade de Lethbridge em Alberta, no Canadá, que há 20 anos estuda essa espécie de macacos.
A nosso ver, esses encontros parecem impressionantemente íntimos. As fêmeas olham nos olhos umas das outras durante o coito, algo que macacos raramente fazem fora do contexto sexual. Os casais podem durar uma semana inteira, montando-se centenas de vezes. Quando não estão se acasalando, as fêmeas permanecem próximas umas das outras, dormem juntas, limpam-se umas às outras e protegem-se contra rivais em potencial.
Quando começou a perceber o comportamento homossexual das fêmeas, Vasey ficou “atônito” pela frequência do ato. “Tantas fêmeas do grupo estavam praticando esse comportamento enquanto os machos ficavam sentados chupando o dedo”, comenta. “Tem que haver uma razão para isso. Não é possível que esse comportamento seja evolucionariamente irrelevante.”
A equipe de Vasey descobriu que as fêmeas empregam uma variedade maior de posições e movimentos que os machos. Num estudo de 2006, eles propuseram que as fêmeas simplesmente buscam o prazer sexual, e utilizavam movimentos diferentes para maximizar as sensações genitais. “Elas podem fazer isso num contexto homossexual e num contexto heterossexual com a mesma facilidade, então o comportamento sexual acaba transbordando de um tipo de parceiro para outro”, afirma Vasey.
Mas, apesar de tantos casais que as fêmeas formam entre si, Vasey faz questão de frisar que elas não são verdadeiramente homossexuais. Uma fêmea pode montar outra, mas isso não significa que ela não tem interesse por machos. Fêmeas frequentemente montam machos, aparentemente para encorajá-los a se acasalarem mais. Depois que esse comportamento surgiu durante a evolução da espécie, ele facilmente foi aplicado a outras fêmeas também.
Moscas da fruta e besouros-castanhos
Em alguns casos, há uma razão evolutiva bastante clara para que animais entrem em comportamento homossexual. As moscas da fruta são um exemplo. Em seus primeiros trinta minutos de vida, elas tentam copular com qualquer outra mosca, macho ou fêmea. Depois de um tempo, elas aprendem a reconhecer o cheiro de fêmas virgens, e passam a abordá-las exclusivamente.
Esse tipo de tentativa e erro pode parecer ineficiente, mas na verdade é uma boa estratégia, afirma David Featherstone, da Universidade de Illinois em Chicago. Na natureza moscas de habitats distintos podem ter combinações de feromônios ligeriamente diferentes. “Um macho pode deixar passar a oportunidade de ter crias viáveis se já nascerem programados para buscarem um odor específico”, explica.
Os besouros castanhos machos usam um truque bastante traiçoeiro. Eles montam uns aos outros, chegando a depositar esperma. Se o macho que recebeu o esperma se acasalar com uma fêmea mais tarde, o esperma do outro macho pode ser transferido – ou seja, o macho que o produziu conseguiu fertilizar a fêmea sem ter que cortejá-la.
Em ambos os casos, os machos estão usando o comportamento homossexual como uma maneira mais complexa de fertilizar mais fêmeas. Nesses casos, é claro como a evolução poderia favorecer esses comportamentos. Mas também é claro que as moscas da fruta e os besouros castanhos estão longe de serem estritamente homossexuais.
Albatroz-de-laysan
Outros bichos realmente parecem ser homossexuais durante toda a vida. Uma dessas espécies é o albatroz-de-laysan, que costuma botar ovos no Havaí. Entre esses pássaros enormes, os pares costumam durar a vida toda. São necessários dois pais trabalhando em conjunto para que um filhote seja criado com sucesso, e fazer isso em parceria repetidas vezes significa que os pais conseguem desenvolver suas habilidades juntos. Em uma população da ilha de Oahu, no entanto, 31% dos casais são formados por duas fêmeas sem parentesco entre si. Elas criam filhotes gerados por machos que já estão comprometidos com outra fêmea, mas “pularam a cerca” com uma ou ambas das fêmeas. Assim como os casais heterossexuais, esses casais de duas fêmeas são capazes de criar apenas um filhote a cada temporada.
Os casais formados entre duas fêmeas podem não ser tão bons em criar os filhotes quanto os casais heterossexuais, mas saem-se melhor que as fêmeas que tentam fazer isso sozinhas. Faz sentido, portanto, que uma fêmea forme um casal com outra, aponta Marlene Zuk, da Universidade de Minnesota em St. Paul. Se ela não o fizer, ela pode conseguir se acasalar, mas vai sofrer para chocar seu ovo e encontrar comida. Quando uma fêmea forma um elo com seu par, a tendência monogâmica da espécie faz com que o casal permaneça junto por toda vida.
Essas fêmeas têm até uma pequena vantagem evolutiva. Esse sistema significa que elas conseguem ser fertilizadas pelo macho mais apto do grupo, e assim transmitem as características dele para seus filhotes, mesmo que ele já tenha formado um casal com outra fêmea.
No entanto, de novo, as albatrozes fêmas não são inerentemente homossexuais. A população da ilha de Oahu tem um excesso de fêmeas por causa da imigração, e portanto algumas fêmeas não conseguem encontrar machos com quem formarem pares. Estudos com outras espécies de pássaros sugerem que o acasalamento homossexual é uma resposta ao número inferior de machos, e acontece muito mais raramente se a proporção entre os sexos é igual. Em outras palavras, as albatrozes-de-laysan provavelmente não optariam por formar casais com outras fêmeas se houvesse machos o suficiente para todas.
Pinguins
Um casal de pinguins gays num zoológico dinamarquês conseguiu chocar com sucesso um ovo, e com isso ganhou as manchetes do mundo em 2012. Os mantenedores do zoológico já haviam percebido há um ano que os dois machos haviam formado um casal. Quando chegou a época de acasalamento, os dois começaram a tentar roubar ovos dos outros casais e a causar brigas. Os dois chegaram até a tentar chocar filhotes mortos.
Coincidentemente, outra raridade aconteceu na mesma época naquele zoológico: uma fêmea havia botado um ovo de um macho, mas depois o trocou por outro – algo muito raro naquela espécie. Quando botou o ovo gerado pelo novo parceiro, ela abandonou o primeiro ovo. Os mantenedores resolveram então, depois de alguns experimentos, entregar o ovo à guarda do casal gay, que se saiu muito bem no papel de pais. O filhote veio ao mundo em outubro de 2012.
Outros casos de casais homossexuais de pinguins já foram registrados em zoológicos de todo o mundo. Na Alemanha, dois pinguins-de-humboldt machos cuidaram com sucesso de um ovo. Em Toronto, os pinguins-africanos Buddy e Pedro não queriam se separar por nada nesse mundo, e tiveram que ser isolados pelos mantenedores do zoológico, que tinham esperanças de que os machos cruzassem com fêmeas para gerar filhotes dessa espécie ameaçada de extinção. No zoológico do Central Park, em Nova York, dois pinguins-de-barbicha machos, Roy e Sillo, também adotaram um ovo e criaram com sucesso um filhote; a história tornou-se depois um livro infantil, And Tango Makes Three (“Com Tango, somos três”, em tradução livre), publicado em 2006 e desde então proibido em inúmeras bibliotecas e escolas dos Estados Unidos por promover a tolerância a todos os tipos de casais e famílias.
Leões
Os leões africanos costumam ser símbolo de liderança tradicional, especialmente em sociedades patriarcais que apreciam um harém. Um porcentual de leões africanos, no entanto, deixam de lado as fêmeas a sua disposição para se reunir com outros indivíduos do mesmo sexo. Já se documentou leões machos que se acasalam com outros machos, e apresentam com eles comportamentos que costumam ser reservados para casais do sexo oposto na espécie. Não se sabe ao certo a razão para isso. Os leões são famosos por terem um dos maiores apetites sexuais entre os felinos, então pode-se apenas afirmar que esses encontros são mais… animados que aqueles entre carneiros ou pinguins.
Bonobos
Os bonobos muitas vezes são descritos como nossos parentes “tarados”. Eles fazem uma quantidade enorme de sexo, tanto que muitas vezes o sexo é considerado o “aperto de mãos dos bonobos”. Isso inclui comportamento homossexual entre machos e fêmeas.
Assim como os macacos, eles parecem gostar muito disso, afirma Frans de Waal da Universidade Emory em Atlanta, Georgia, EUA. Num artigo publicado na revista Scientific American em 1995, ele descreve pares de bonobos fêmea que esfregam seus genitais uns contra os outros, enquanto “dão sorrisos e emitem guinchos que provavelmente refletem experiências de orgasmo”.
Mas o sexo entre os bonobos também exerce um papel mais profundo: ele consolida vínculos sociais. Os bonobos mais jovens podem usar o sexo para se ligarem a membros mais dominantes do grupo, o que lhes permitiria escalar a hierarquia social. Machos que lutaram entre si às vezes batem seus genitais um contra o outro, algo conhecido como “esgrima de pênis”, para reduzirem a tensão. Com menor frequência eles também se beijam, realizam felação e massageiam os genitais um do outro. Até mesmo os filhotes confortam-se entre si com abraços e sexo.
Os bonobos demonstram que o “comportamento sexual” pode ter outros significados além da reprodução, afirma Zuk, e isso inclui o comportamento homossexual. “Há toda uma gama de comportamentos que se encaixam bem com a maneira como se dá a evolução, e isso agora inclui o comportamento homossexual.” As bonobos fêmeas chegam a fazer sexo mesmo quando fora de seu período reprodutivo e não são capazes de ficarem grávidas.
Golfinhos
Assim como os humanos, os animais são capazes de usar o sexo para obter todo tipo de vantagem. Entre os golfinhos, por exemplo, tanto as fêmeas como os machos exibem comportamento homossexual. Dessa forma, os membros do grupo formam laços sociais mais facilmente. Em um caso em particular, já foi registrado um casal de golfinhos que passou dezessete anos juntos. Pesquisadores também já identificaram um grupo de golfinhos composto inteiramente de machos cujos integrantes mantinham relações sexuais constantes entre si. Os biólogos afirmam que os relacionamentos entre os golfinhos duram períodos extremamente longos, independentemente da orientação sexual dos envolvidos. Também já se descobriu muitos golfinhos bissexuais, fazendo sexo alegremente tanto com machos como com fêmeas.
Carneiros
Apenas duas espécies demonstram uma preferência homossexual por toda vida, mesmo quando parceiros do sexo oposto estão à disposição. Uma delas é, claro, os seres humanos. A outra são os carneiros.
Em rebanhos de carneiros, até 8% dos machos preferem outros machos, mesmo quando fêmeas férteis estão por perto. Em 1994, neurocientistas descobriram que esses machos possuiam cérebros com pequenas diferenças do resto. O hipotálamo, que é a parte do cérebro conhecida por controlar a emissão de hormônios sexuais, era menor em machos homossexuais que em machos heterossexuais. Isso está de acordo com um estudo polêmico feito pelo neurocientista Simon Levay. Em 1991, ele descreveu uma diferença similar entre os cérebros de homens homossexuais e heterossexuais.
Isso parece ser bem diferente dos casos de comportamento homossexual, pois é difícil ver como possivelmente isso poderia trazer benefícios aos machos. Como essa preferência por outros machos poderia ser transmitida para a prole, se os machos não se reproduzem?
A resposta resumida é que isso provavelmente não beneficia os próprios machos homossexuais, mas provavelmente beneficia seus parentes, que certamente carregam os mesmos genes e os transmitem às gerações seguintes. Para que isso aconteça, os genes que tornam os machos homossexuais precisariam ter um outro efeito, distinto e benéfico, em outros carneiros.
LeVay sugere que o mesmo gene que promove o comportamento homossexual em carneiros também torna as fêmeas mais férteis, ou aumentam nelas a vontade de se reproduzir. As fêmeas irmãs dos carneiros homossexuais podem até produzir mais filhotes que a média. “Se esses genes têm um efeito assim tão benéfico nas fêmeas, elas compensam o efeito sobre os machos, e o gene persiste”, calcula LeVay.
Apesar das preferências homossexuais dos carneiros durarem por toda a vida, isso só foi observado nos carneiros domésticos. Não é claro se o mesmo acontece entre os carneiros selvagens. Se a explicação de LeVay estiver correta, provavelmente esse não é o caso. Os carneiros domésticos foram cuidadosamente cruzados por fazendeiros para produzirem fêmeas que se reproduzem com a maior frequência possível, o que pode ter feito com que surgissem machos homossexuais.
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Tanto LeVay e Vasey afirmam que apenas os humanos são as espécies de animal com casos documentados de homossexualidade “verdadeira”. “Não é como se houvesse bonobos lésbicas ou bonobos gays”, alerta Vasey. “O que já foi descrito é que muitos animais ficam felizes em fazer sexo com parceiros de qualquer sexo.”
O mais interessante é que os biólogos deveriam ter previsto isso. Quando Darwin estava desenvolvendo sua teoria da seleção natural, uma das coisas que o inspiraram foi perceber que os animais tendem a ter muito mais filhotes do que o necessário, aparentemente. Em teoria, um par de animais necessitaria de apenas dois filhotes para substitui-los, mas na prática eles parecem ter tantos quanto o possível – porque tantos de sua cria vão morrer antes de chegarem à idade reprodutiva.
Pode parecer óbvio que essa necessidade inata de se reproduzir se manifestaria num desejo sexual poderoso, que levaria a se acasalar mesmo quando as fêmeas estão inférteis, ou mesmo com indivíduos do mesmo sexo. Os cientistas vitorianos observavam que animais tinham mais filhotes que o aparentemente necessário: hoje observamos que os animais fazem mais sexo do que o aparentemente necessário.
“O comportamento homossexual não desafia as ideias de Darwin”, afirma Zuk. Há muitas maneiras como isso pode evoluir e ser benéfico. Nós podemos jamais descobrir um animal selvagem que seja estritamente homossexual da mesma maneira que os humanos. Mas nós podemos esperar descobrir mais animais que não se encaixam nas categorias tradicionais da orientação sexual. Eles usam o sexo para satisfazer todo tipo de necessidade, do desejo puro e simples ao avanço social, e isso significa flexibilidade.
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Que bonitinhos os pinguins chocando os ovos abandonados! E os golfinho são bichos safados mesmo, hahaha.
[…] Veja mais quatro animais que praticam a homossexualidade. Leia a matéria completa. […]
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