Com ensaio fotográfico, universitários alertam para a homofobia que ainda persiste no Brasil

Homossexuais posam segurando as frases homofóbicas que marcaram suas vidas. "Mesmo no meio universitário ainda há muito preconceito, ainda que velado", apontam os alunos

por Marcio Caparica

“Nossa, que ousado!” Eu estava deitado no gramado em frente à minha faculdade, com a cabeça no colo do namorado, quando ouvi um rapaz que passava pela calçada soltar esse comentário ao nos ver. Em 2001, casais gays demonstrarem afeto em plena luz do dia no campus universitário era muito, muito raro – eu e meu namorado na época éramos “o casal gay” da faculdade, não porque fôssemos o único, mas porque éramos os únicos que andavam de mãos dadas.

Quatorze anos depois, muita coisa mudou, a aceitação da homossexualidade melhorou muito, e em vários ambientes não se sente mais o preconceito contra homossexuais – a ponto de fazer com que muitos pensem que a homofobia acabou. A realidade não é bem essa, como demonstraram os alunos do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo. Os participantes da Jornalismo Júnior, a empresa júnior do curso, produziram no começo de julho o ensaio Sexualidade e ignorância, em que convidaram gays e lésbicas a serem fotografados segurando cartazes com as frases homofóbicas que ouviram e nunca mais conseguiram esquecer.

As fotos foram feitas por Carolina Tiemi e Natalie Majolo, com o apoio de Marcos Nona, diretor de audiovisual da Jornalismo Júnior. O resultado é uma galeria de frases fortes e violentas – que, infelizmente, são tão comuns que passam batido muitas vezes pelos próprios homossexuais. “É um mecanismo de autodefesa”, afirma Nona. Leia a seguir a entrevista que ele concedeu ao LADO BI, por e-mail, e algumas fotos do ensaio. O trabalho completo pode ser conferido no site da Jornalismo Júnior.

Não bastava ter nascido preta, tinha que ser gay também

LADO BI O que levou vocês a escolherem o tema do preconceito contra LGBTs para a criação desse ensaio?

MARCOS NONA Eu sou um dos diretores do núcleo de audiovisual da Jornalismo Júnior, que é veículo dos alunos de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP, e dentre os nossos projetos estão as galerias fotográficas. A cada duas semanas, fazemos uma reunião de pauta e escolhemos um tema. Nós fomos inspirados por projeto dos alunos da UnB, Universidade de Brasília, chamado “#ahbrancodáumtempo”, no qual negros foram fotografados segurando cartazes com frases racistas que ouviram no decorrer da vida. Pensamos em fazer uma galeria semelhante, com o mesmo caráter crítico e que provasse uma reflexão acerca do tema. Optamos por sexualidade com uma abordagem focada no preconceito por se tratar de um tema de extrema importância, principalmente quando ainda há muitos que defendem veementemente que a homofobia não existe e que não se trata de discurso de ódio – que é apenas opinião. Tais “opiniões” ficaram ainda mais evidentes após a recente legalização do Casamento Gay pela Suprema Corte dos Estados Unidos e sua repercussão no Brasil, onde por um lado havia usuários do Facebook usando as cores do arco-íris em suas fotos de perfil em apoio à causa, e pelo outro havia pessoas que se aproveitavam para destilarem seus preconceitos disfarçados de opinião. Essa foi a prova de que ainda há muito a ser debatido.

Isso é falta de rola

Um pouco dos bastidores do ensaio: a equipe abordava pessoas aleatoriamente na avenida Paulista? Como vocês reuniram as pessoas que aparecem nas fotos? As frases foram criadas pelos próprios fotografados?

Como diretor, acompanhei as duas integrantes do núcleo que ficaram responsáveis por fotografar as pessoas – Natalie Majolo e Carol Tiemi – até a avenida Paulista. Fomos pela primeira vez na segunda-feira, dia 6 de julho, e ficamos das 14h às 18h na esquina com a rua Augusta. Seguramos cartazes coloridos que convidavam as pessoas a participarem da nossa galeria, mas todos passavam com muita pressa e poucos paravam. Não conseguimos mais do que 5 fotos, e eu mesmo contribuí para a galeria com um cartaz. Conversei com as meninas e decidimos marcar um novo dia, fazendo divulgação nas redes sociais. Postei a minha foto com o cartaz em todos os grupos LGBTTs dos quais faço parte – como o Seven, que é o grupo LGBTT de estudantes da USP, e o G20, de estudantes de universidades de todo o Brasil, no Facebook. Muitos elogiaram a iniciativa, e mesmo aqueles que não podiam participar compartilharam e chamavam os amigos. Marcamos novamente para a quarta-feira, dia 8, embaixo do vão livre do MASP. A divulgação deu certo, e muitas pessoas compareceram. Aquele monte de gente sentada no chão, sujando as mãos de tinta e escrevendo seus próprios cartazes com frases polêmicas chamou a atenção daqueles que passavam, e mais gente surgia por puro interesse, sem que precisássemos abordá-las.

Vocês nunca vão ter respeito enquanto se vestirem de mulher.

Qual era o estado emocional dos fotografados durante as fotos? Eles contavam histórias pessoais? Quais foram as mais marcantes que vocês ouviram?

Muitos tinham dificuldades para pensar em uma frase – porque são tantas. Quando nós ouvimos uma ofensa na rua, automaticamente apagamos aquilo porque sabemos que remoer só piora – é um mecanismo de defesa. Mexer nesse limbo onde a gente deposita essas ofensas pode ser muito dolorido, tanto que alguns se emocionaram enquanto escreviam os cartazes. Estar ali presente possibilitou que eu conversasse com as pessoas, ouvisse as histórias por trás de cada frase e visse como elas têm o poder de deixar uma cicatriz que dura pelo resto da vida.

As histórias mais marcantes eram aquelas que envolviam intolerância dentro da própria família. Um dos fotografados, enquanto escrevia sua frase no cartaz (“Nossa, mas que droga de vida você escolheu, hein”), pediu para colocar o autor da frase. Perguntei quem era, e ele me respondeu que aquilo foi dito pelo seu próprio pai, pouco tempo após ter se assumido para ele.

Nossa, mas que droga de vida você escolheu, hein? - meu pai

O homem de batom ficou com olhos marejados enquanto escrevia, e custou a segurar o choro. Ele me contou que a frase (“Eu tenho pena de pessoas como você, vocês são vazios”) foi dita por uma prima. A ideia de ser visto por um familiar como uma pessoa “vazia” fez com que ele se sentisse mal por bastante tempo. Porém, muitos falaram que escrever no cartaz era uma forma de colocar para fora uma agressão que ainda estava sendo digerida, e se sentiam mais leves após participarem da galeria.

Eu tenho pena de pessoas como você, vocês são vazios.

Apesar de estar envolvido no planejamento, eu também participei. Escrevi uma frase bem forte, é a primeira da galeria: “Tem viado que precisa levar um murro na boca para aprender a falar como homem”. Eu ouvi essa frase quando passeava na rua com alguns membros da minha família e um casal homossexual passou ao nosso lado. Apesar da frase não ser voltada para mim, ouvir algo do gênero vindo de familiares, que sabem que sou gay, me atingiu mais do que as ofensas que ouço de estranhos na rua. Senti que quem levou o murro na boca fui eu. Remoí essa frase por muito tempo. Hoje não me sinto mais à vontade nas reuniões de família – tenho medo da próxima vez que eu possa ouvir algo do tipo.

Tem viado que precisa levar um murro na boca para aprender a falar como homem.

Houve muitos casos de LGBTs abordados que se recusaram a contribuir para o ensaio? Quais eram as razões mais comuns que davam quando se negavam a participar?

Alguns se aproximavam, curiosos, e era nítido que queriam participar. Após conversarmos, a maioria aceitava. Poucos recusaram, e as desculpas mais frequentes eram que não conseguiam pensar em nada para escreverem no cartaz (isso não significa que elas nunca tenham sofrido preconceito, mas sim que nunca guardaram ou remoeram essas ofensas – é um mecanismo de defesa), ou porque tinham medo da repercussão da galeria e de serem identificados por familiares no Facebook. Alguns sentiram-se inspirados pelas pessoas que escreveram suas frases sem medo e resolveram participar. Outros aceitaram com a condição de que seus rostos fossem escondidos pelos cartazes.

Você vai acabar com a sua vida.

Aparentemente não há transexuais no ensaio. Por quê?

Para este ensaio em especial, decidimos que nosso foco seria o preconceito ligado à sexualidade, e não ao gênero. Desta forma, enquanto homossexuais sofrem homofobia, transexuais sofrem transfobia. São coisas diferentes. Preferimos não misturar as duas coisas porque as pessoas ainda confundem muito orientação sexual com identidade de gênero por falta de informação. Pretendemos abordar a questão da transexualidade em um projeto especifico para este tema em um futuro próximo, possivelmente uma videorreportagem. Isso será possível graças aos contatos que fizemos durante a realização da galeria, que conhecem pessoas trans dispostas a participar e gostariam de ver outras iniciativas voltadas ao público LGBTT.

Viado bom é viado morto.

O ensaio foi intitulado Sexualidade e Ignorância. Que outras medidas, além da visibilidade que seu trabalho está dando a esses comentários tristes, vocês pensam que podem ser tomadas para diminuir a ignorância com relação à diversidade sexual?

As pessoas precisam, antes de tudo, serem educadas para compreenderem o que é identidade de gênero. Essa compreensão – que deveria ser estimulada ainda na escola – ajudaria a desconstruir os preconceitos quando a pessoa ainda é jovem. Entender que gênero não é algo binário e que todos são iguais também contribui para a desconstrução do machismo. Isso é fundamental para, em seguida, possibilitar debates sobre orientação sexual, desestimulando a homofobia. Medidas governamentais na área da educação são necessárias para colocar isso em prática, e devem resistir à forte oposição conservadora no país.

A galeria é de extrema importância porque trabalha como uma via de mão dupla: ao mesmo tempo que oferece conforto a qualquer LGBTT, fazendo-o perceber que não é o único a sentir-se marginalizado, também provoca uma reflexão naquelas pessoas que não sentem o preconceito na pele no dia-a-dia e, por esse motivo, acreditam que homofobia não existe e que estão todos suscetíveis aos mesmos riscos quando saem na rua.

A sua felicidade vai ser a causa da minha infelicidade pelo resto da vida. - família

Com todos os avanços dos direitos de homossexuais dos últimos anos, há a impressão de que o preconceito contra gays e lésbicas quase não existe mais, principalmente entre os mais jovens. Vocês sentem que isso é verdade? Como está a aceitação de homossexuais no meio universitário?

Não acho que isso seja inteiramente verdade. É surpreende ver que grande parte dos comentários homofóbicos nas páginas que compartilharam nossa galeria são de usuários em torno dos 12 e 14 anos, que reproduzem o preconceito adquirido pelos próprios pais ou pessoas mais velhas. Homossexuais ainda sofrem muito bullying nas escolas, palavras como “viado” e “sapatão” ainda são usadas para ofender alguém. Quando nosso círculo social é composto por pessoas com opiniões semelhantes (o que é bem comum, visto que selecionamos nossas amizades), temos a falsa impressão de que toda a sociedade ficou mais tolerante e compreensiva, mas é só dar dois passos para fora do círculo que o preconceito está lá, às vezes velado, muitas vezes explícito. Basta ver os comentários nos veículos que divulgaram a galeria. Chega a ser triste.

Acho que existe a falsa crença de que membros do meio universitário são melhor informados, mais esclarecidos, e por isso são pessoas livres de preconceitos. Isso não é verdade. Na ECA há a presença de coletivos estudantis, dentre eles o coletivo LGBTT, que promove o debate e a discussão sobre esses temas, inclusive sobre a visibilidade trans. Mas isso não acontece em todas as faculdades dentro da USP, onde até hoje são registrados casos de homofobia e transfobia. LGBTTs são obrigados a desconstruir os próprios preconceitos adquiridos no decorrer da vida para se aceitarem como de fato são, mas no caso dos heterossexuais e cisgêneros, que não precisam passar por um processo de aceitação, a desconstrução deve partir de uma iniciativa própria, e poucos possuem a disposição necessária para deixar a zona de conforto e se informar sobre diversidade. Onde há debate, onde há discussão e compartilhamento de informações, há menos intolerância. Isso pode ocorrer tanto dentro quanto fora da universidade.

A menina pode ser puta! Mas o menino não pode ser viado.

Homossexuais cisgênero são mais bem aceitos que transexuais (de qualquer orientação sexual) pelos estudantes do ensino superior?

Como expliquei na pergunta anterior, eu acredito que aceitação independe da escolaridade. O que acontece é que os padrões de beleza cultivados pela mídia e pela publicidade também afetam o meio LGBTT: o homem, para ser bonito e atraente, deve ser branco, forte, másculo e dominador. O machismo também é muito forte, e por isso é frequente encontrar gays que não curtem afeminados, e olham travestis e transexuais com estranheza. Tudo o que remete à figura da mulher é degradante, e por esse motivo lésbicas precisam travar uma luta ainda maior, pois precisam se afirmar perante a sociedade como mulheres e como homossexuais. Também há muita confusão entre identidade de gênero e orientação sexual. Se ainda há preconceito dentro do próprio meio LGBTT, onde as transexuais são constantemente apagadas e marginalizadas, imagine fora dele.

Não basta ser gay, tem que ser afeminado.

É comum hoje em dia ver casais LGBT demonstrando afeto na no campus? Quando eu fiz ECA, 15 anos atrás, NÃO ERA…

Isso depende muito da escola/faculdade/instituto dentro da USP. Em locais onde os coletivos LGBTTs existem e possuem voz, como felizmente é o caso da ECA, as pessoas se sentem mais protegidas e livres para vivenciarem sua sexualidade sem tanto medo de sofrer preconceito. Por ser uma escola de comunicações e artes, a ECA também atrai ingressantes com um perfil mais aberto às diferenças e mais disposto a desconstruir os próprios preconceitos. Hoje é comum ver casais andando de mãos dadas no campus, mas ainda vemos casos de homofobia, muitas vezes velada.

Você tá no banheiro errado, viadinho.

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13 comentários

Tifanny

Concordo que gosto não é racismo porém como o autor disse se vc nao achar nenhuma de outra etnia bonito ja e estranho ..eu adoro loiros e ruivos sou apaixonas em loirose ruivos porem nao deixo de ficar com um homen bonito seja ele negro indio ou moreno se me fez bem e a beleza dele me chamou atenção pq nao? Agora coloca um loiro e branco de cabelo preto um negro e um ruivo todos belos eu me jogo no loiro ou no ruivo ..kkkk pois os 4 serao belos mais adoro loirinhos e ruivinhos 🙂

marcelo

muito boa a matéria bem como seu site, sempre o visito, voce e sua equipe (caso houver) estão de parabens. Sempre leio.

Eduardo

“o homem, para ser bonito e atraente, deve ser branco, forte, másculo e dominador.”
caralho, qual é o problema de sentir atração por homens desse biótipo?
se eu acho homens brancos com jeito masculino os mais bonitos e atraentes, é questão de gosto. Nem tudo é homofóbia, racismo e machismo

Eduardo

Cara, e daí se eu não acho nenhum negro bonito? cada tem o seu gosto. Se fosse um negro falando que não gosta de branco, você chamaria de racista?

Eduardo

Ser racista é odiar e segregar outras etnias, e ter uma preferêcia por tal biotipo não torna alguém racista, pare de confundir gostos alheios com preconceitos

Marcio Caparica

Se você acha que NENHUM dos milhões de negros/japoneses/índios/whatever é bom o suficiente para você ficar com ele, você está segregando outra etnia. E está, portanto, sendo preconceituoso e racista.

James Cimino

Se você coloca a cor ou a etnia de alguém como impedimento para qualquer coisa, isso é segregação, logo, é racismo. Não é sua opinião apenas e pouco importa o que você pensa sobre isso, como você verá no artigo que publicaremos amanhã.

Eduardo

Eu não acho racismo de forma alguma, cada um tem um gosto…alto,baixo,magro,gordo e etc…
eu só sinto atração por pessoas da minha etnia.
Meu gosto é por homens brancos, e acho essa etnia a mais bonita e atraente de todas.

Adriano Sod

Esse deve estar solteiro esperando seu “homem bonito e atraente, branco, forte, másculo e dominador.”

Boa Sorte!

Lucas

“A sua felicidade vai ser a causa da minha infelicidade pelo resto da vida” – “Família” Essa doeu!!!!

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