Drag queens estão ganhando cada vez mais espaço na cultura pop. Mas quem quer se iniciar nessa arte não conta com muito mais ajuda que a própria cara, coragem e o apoio dazamigues. Ou não contava. Essa sexta-feira tem início em Santos a segunda edição do Drag Queen Curso, coordenado por Zecarlos Gomes, ator, coreógrafo e artista circense. O curso escolherá quinze alunos que terão aulas de dança, atuação, improvisação, maquiagem e canto. A primeira edição aconteceu em 2012 e culminou no espetáculo de formatura Sereias de Salto; depois, o curso fez itinerância pelo país. Essa segunda edição já tem um curso intensivo extra programado para acontecer em São Paulo, no SESC Santana, dias 22, 23 e 24 de maio. As inscrições do curso de Santos vão até 7 de maio (corre!), e as do curso em São Paulo, até dia 21.
O espetáculo de encerramento desse ano pretende fazer algo mais ambicioso e inusitado: colocar o camarim e o palco das drags no meio da rua. O público poderá ver as artistas se montando e acompanhar as performances, como maneira de ocupar o espaço urbano, fazer um gesto público contra os preconceitos e disparar debates. Entrevistamos por e-mail Zecarlos Gomes para conhecer melhor a filosofia do curso e aprender como a arte das drags está se desenvolvendo por aqui.
LADO BI Como são as pessoas que procuram fazer o curso de drag? Elas pretendem atuar profissionalmente no ramo, ou fazem por curiosidade, algum tipo de vontade de expandir a mentalidade?
Zecarlos O público em geral é homossexual, embora na primeira edição tínhamos um heterossexual, que fez o curso completo e ficou em cartaz com o espetáculo de conclusão. Acredito que o curso desperte essa curiosidade sim, recebemos muitos e-mails de “curiosos”. Às vezes, pela falta de informação sobre do que é uma drag queen, muitos confundem com cross-dresser ou até mesmo com travesti. O DQC, além de dar embasamento técnico para este segmento artístico, promove discussões em aula com os alunos sobre seu posicionamento dentro da sociedade. Na disciplina de teatro entramos com exercícios de autoconhecimento. Não podemos embasar ou lapidar um artista se este não tiver conhecimento de si, de suas limitações e de seu talento.
Há procura de alunos de partes distantes do país?
Na primeira edição houve procura do Brasil inteiro e, para nossa surpresa, tivemos um aluno de São Paulo que descia três vezes por semana para Santos, frequentou todas as aulas, e participou do espetáculo. Para esta segunda edição, tem uma galera de São Paulo interessada, e para eles teremos uma oficina de 3 dias no SESC Santana.
A arte de ser drag ainda é desprezada pelo mundo do espetáculo em geral? Esse tipo de educação formal ajuda a valorizá-la?
Não sei se desprezada é o termo correto. Muita coisa vem mudando em relação às drags, elas vêm ganhando novos espaços. Tivemos um alcance dentro da mídia nacional e, depois da exposição, a visão em relação a um curso para esse segmento mudou. Existe por trás de uma drag uma série de propriedades técnicas: maquiagem, teatro, figurino, dança e técnica de improvisação. Sem dúvida alguma, qualquer iniciativa positiva que leve a reflexão dessa profissão ajuda no fortalecimento e na valorização desses artistas.
Apenas homens procuram o curso? Seria possível fazer algum tipo de curso de “drag kings”, com mulheres criando personas masculinas?
Não são só os homens não! Muitas mulheres se interessam em fazer as aulas e as portas estão abertas para elas também. Na primeira edição tivemos três meninas selecionadas dentre várias mulheres, e as três fizeram o espetáculo. As meninas trazem uma energia bacana para as aulas, afinal drag não deixa de ser uma homenagem ao sexo feminino, uma projeção exagerada do sexo oposto, tanto para as queens quanto para as kings. Temos essa iniciativa também, só que as mulheres que fizeram a primeira edição do DQC queriam ser queens! (risos)
Você acha que seria possível fazer um curso ainda mais aprofundado que apenas oito aulas?
Já fizemos a versão aprofundada na primeira edição com duração de cinco meses com três encontros semanais. A versão itinerante e pocket deu-se pela procura em outros Estados. Em novembro de 2014 o DQC foi para Recife (PE) e integrou a programação do RECIFEST – Festival de Cinema e da Diversidade Sexual. Lá a oficina durou 5 dias e resultou numa ação performática com os meninos. Em São Paulo será ainda mais curto: 3 encontros somente. Infelizmente o curso tem um custo e tudo depende de apoio institucional ou governamental. Mas, não descartamos a ideia de algo mais profundo, assim como foi a primeira.
Como é feita a criação da persona drag dos alunos dentro do curso? As experiências pessoais de cada um fazem parte do processo?
As experiências pessoais são fundamentais para dar esse alicerce às personagens. Quando constrói-se um personagem é necessário encarar tudo de bom e de ruim que existe em nós e usar isso a favor para enriquecer a personagem. Como disse acima, trabalhamos exercícios de autoconhecimento, justamente para afinar essa construção. E em cima disso tudo vem o talento, a parte técnica, a artística e o brilho!
O espetáculo de encerramento do curso colocará o camarim das drags na rua, exposto ao público. Isso já foi feito antes? O que vocês pretendem com isso?
Neste projeto ainda não. Sabemos que quando se leva um espetáculo para a rua, qualquer que seja sua temática ou abordagem, ele enfrenta alguns complicadores (o bêbado que grita sem saber o que tá acontecendo, o cachorro que passa no meio da cena, a questão sonora do trânsito etc.). Todas essas questões são tiradas de letra por uma drag; o maior trabalho será enfrentar o preconceito velado e escancarado. Vamos mexer com questões que a sociedade prefere colocar embaixo do tapete, como a orientação sexual. A drag tem um poder imenso nessa questão, pois é ela que, através da comédia escancarada ou mais apimentada, levanta essas reflexões. O humor é uma grande ferramenta para se discutir questões sérias, assim era no final do século 19 com o teatro de revista. Vamos apostar no poder imagético que o espetáculo vai trazer, afinal não é comum você se deparar na rua com 10 homens se maquiando e assumindo uma imagem feminina. Teremos “a proteção e respaldo” da ação teatral. Muito do preconceito é pela falta de conhecimento, daquilo que é distante, que não faz parte do nosso dia-a-dia. Queremos discutir a normatização. Afinal, quem disse que homem de peruca e salto é menos homem?
Programas como RuPaul’s Drag Race, Drag-se e Academia de Drags ajudam a tornar a arte da drag menos clandestina? Eles vendem conceitos errados sobre como é ser drag, ou fazem um retrato fiel? Como ser drag no Brasil se diferencia de ser drag no exterior?
Qualquer ação que venha colaborar positivamente com o trabalho da drag queen é válido e o tira, sim, do âmbito clandestino. Acredito que seja interessante apostar-se mais em disciplinas específicas, como dança, teatro, canto e maquiagem. Muitos meninos não têm o básico, e um reality show, independente do seu porte, não dá chance para mostrar os primeiros traços grosseiros de uma drag que está começando. O Curso vem justamente com essa proposta: a de ensinar. Acredito também que pensar nesse artista como um canal de discussões sociais e culturais, além do entretenimento, é ser fiel. A drag brasileira tem algo primordial e genuíno: o humor. A drag do exterior tem a visão americana, onde o show e a produção é o ponto forte. Quando se junta os dois, encontramos um talento.
Haverá outras edições?
Pretendemos realizar mais edições sim. Estamos na segunda e tem muito chão com paetê pela frente!
SERVIÇO
Drag Queen Curso – segunda edição
15 vagas – Aulas todas as sextas-feiras de maio e junho. Matrículas até 7 de maio de 2015 por e-mail ou no Casarão Santa Cruz Espaço de Arte (Rua Almeida de Moraes, 45 – Santos – SP, das 14h às 20h). Maiores informações: (13) 2202.8595 ou montagemdqcsantos@gmail.com
Curso intensivo em São Paulo
Dias: 22, 23 e 24/05 das 14h às 18h. SESC SANTANA – Av. Luiz Dumont Villares, 579