Literatura LGBT encontra espaço em lojas virtuais

Em entrevista exclusiva, o autor Elias Di Floriano conta como consegue driblar as barreiras do mercado editorial brasileiro publicando suas obras como e-books

por Marcio Caparica

Se livrarias no Brasil já são uma raridade, seções nessas livrarias dedicadas a livros voltados à população LGBT são mais raros ainda. Editoras que se dedicam a esse tipo de literatura são praticamente inexistentes no Brasil (a Editora Escândalo recentemente fechou as portas).

Num cenário como esse, existe uma luzinha no fim do túnel – eletrônica. Lojas virtuais como a Amazon abriram programas em que autores podem publicar seus livros sem ter que passar por editoras ou livrarias convencionais. Tendo acesso direto a seu público, esses escritores conseguem o incentivo para desenvolver obras que, se dependessem dos meios tradicionais, jamais iriam para o papel – ou melhor, para as telas – porque pressupõe-se que “não há leitores” para esses livros.

E a publicação digital pode fazer com que esses textos caiam no papel – é só ver o que aconteceu com a série Cinquenta tons de cinza, que começou como e-book, tornou-se best-seller e agora tem um filme baseado na trama estreando nos cinemas mundiais. Um dos autores que persegue esse objetivo é Elias Di Floriano. Seu livro Até os meus 30 se mantém constantemente entre os 10 mais vendidos na seção LGBT da Amazon.com.br. O autor já publicou uma sequência e, seguindo o modelo consagrado, se prepara para lançar um terceiro volume. O LADO BI conversou com ele por e-mail.

LADO BI Você já havia escrito outros romances fora da temática LGBT antes?

Elias Di Floriano Já, tenho dois romance prontos: Culpa e Diva. O segundo é um spin-off criado a partir de um personagem do romance Culpa. São duas obras que ainda não foram publicadas, existe a possibilidade de sairem por uma editora, nos moldes tradicionais.

Antes de partir para a publicação autônoma na Amazon, você tentou seguir o caminho tradicional oferecendo seu livro para editoras?

Interessante sua pergunta. Aconteceram vários contatos com editoras, durante um ano, envios de manuscrito e intermináveis e-mails. O livro têm uma linguagem “pesada”, sem pudores mesmo, sabe, o que pode “chocar” os editores. Havia colocado os primeiros capítulos no site WattPad, uma rede social em que as pessoas podem ler livros de graça, comentar e votar. Rapidamente o sample do livro bateu milhares de acessos, hoje esta com quase 20 mil. A publicação de um livro envolve muito trabalho e tempo, tanto da editora quanto do escritor. Decidi publicar por conta própria e criar minha própria editora, a DYO. Sentia que não podia deixar os leitores, que já acompanhavam a obra, de uma certa maneira orfãos.

Quanto tempo depois da publicação seu romance chegou ao topo da lista de mais vendidos no gênero?

Um livro precisa vender um certo número de cópias, digitais ou impressas para ser um best-seller. Até os Meus 30 chegou ao primeiro lugar em vendas depois de dois meses na loja Amazon.

Você pode informar (aproximadamente) quantos downloads você já vendeu do seu livro?

Posso dizer que o suficiente para mantê-lo na lista dos mais vendidos na sessão GLS por três meses. O livro também flutua entre o primeiro e o quinto lugar na loja de livros de humor.

O preço menor do livro digital também o torna mais acessível aos leitores?

De certa maneira sim. A Amazon US chegou a fazer uma campanha interna com os autores, para que baixassem os preços de suas obras. A criação de um livro envolve muito tempo, pesquisas e dedicação, e por esse motivo muitos não baixaram os preços de suas obras. Mas se você quer que seu livro chegue aos olhos de mais leitores, recomendo que coloque um preço aceitável. Vejo muitos autores “conhecidos” que colocam preços absurdos em seus livros na versão e-book. A versão digital deve ter um preço equilibrado.

Elias Di Floriano

Elias Di Floriano

O contato com o leitor é mais intenso e imediato por causa da mídia digital?

Ao final de minhas obras sempre deixo um e-mail para contato. Recebo emails quase que diariamente, a maioria são de leitores carinhosos. Muitos se identificam com a história. Tenho um carinho enorme por cada um deles, como se fossem meus melhores amigos, uma vez que conhecem minha historia, riram e choraram comigo. Tenho que confessar que recebo de vez em quando alguns e-mails um pouco fora do normal. Por exemplo, de uma senhora que leu o livro e me escreveu dizendo que eu estava espalhando o pecado pelo mundo. Respondo todos, até o sobre ser o semeador do pecado.

Você tem esperança que seu sucesso nas lojas digitais o ajudem a migrar para as editoras tradicionais, como aconteceu com a série Cinquenta Tons de Cinza?

Tenho! Amo escrever, desde pequeno o faço. Quando comecei a escrever o Até os meus 30 tinha 19 anos. E quando passei a me dedicar profissionalmente a ser escritor, tive que encarar a realidade, o que deu um banho de água fria na expectativa que vinha quente e cheia de vontades. Estou satisfeito com os resultados que o livro tem alcançado, sendo uma publicação independente, mas tenho esperança que seja publicado e impresso por uma editora. Existem milhares de leitores que querem o livro em sua versão impressa. As editoras no brasil perdem ótimos negócios por não se renovarem, leio obras incríveis que são publicadas somente em versão digital, obras que tiram os leitores da zona de conforto que as editores brasileiras criaram. Esperança é uma palavra muito bonita.

Romances LGBT são nicho demais para fazerem sucesso em livrarias tradicionais?

Já foram! Escritores “gringos” como David Levithan e John Green, que escreveram juntos o romance gay adolescente Will & Will, abriram portas, antes fechadas, para escritores do mesmo tema. Muitas obras que estão à venda em livrarias tradicionais são de temática gay, só que são colocadas em outras seções, como o clássico O Retrato de Dorian Grey. Se a editoras brasileiras seguirem o exemplo das editoras americanas, poderemos ver mais livros com temática LGBT nas prateleiras.

O formato eletrônico ajuda o leitor que ainda está no armário a comprar o livro, já que ninguém vai ver a capa do que ele está lendo?

Sinto que aos poucos os leitores estão saindo do armário. A questão é não tratar obras com essa temática como se fossem especiais ou encontrar algum motivo para serem escondidas. Recebo e-mails de mulheres e homens heterossexuais que leram meu livro e em nenhum momento citam o rotúlo “gay”. Tenho amigos heterossexuais que leram e gostaram.

Como o tom do romance LGBT brasileiro se difere dos romances LGBT gringos e traduzidos para o português?

A cultura LGBT deles é totalmente diferente da nossa. Até os meus 30 foi lançado em inglês com o título Until my 30s e tivemos que alterar muitas partes, como por exemplo a primeira transa do personagem principal, que foi aos 16 anos com um parceiro mais maduro que ele. Além de partes na escola, que são as minhas favoritas, e algumas situações rotineiras que são bem diferentes lá fora. O livro é uma série de cinco volumes, o primeiro e o segundo já estão disponíveis, os três últimos volumes guardam surpresas. A surpresa que posso adiantar é que o personagem principal vai sair do país. Digo que os livros LGBT brasileiros possuem o nosso tempero, o nosso ritmo, e não há nada como o nosso jeitinho “brazuca”.

A proximidade traz mais leitores?

Sem dúvida. Algumas situações em Até os meus 30 são ambientadas em cidades e locais conhecidos pela grande maioria dos brasileiros, o que faz com que as pessoas se encontrem no contexto. Muitos preferem histórias nacionais.

Há situações únicas aos personagens brasileiros?

Sim. Existem apelidos muito comuns no Brasil; uma diretora da escola que tive que colocar fora do armário; Madame Lúria, que vive na favela; Bruno, uma bicha pão-com-ovo, o favorito dos leitores. O deputado do “peru” pequeno. Há também muitas canções que saltam da história direto para os ouvidos dos leitores. Existe até uma receita do famoso pudim de minha mãe. É uma mistura gostosa!

Você teme ser rotulado como autor de duas “classificações menores”, autor de e-book e autor de livrinho gay?

Temor não existe no meu dicionário (risos). Ano passado lancei duas outras obras. Uma é O Manual de Tudo, um livro de auto-ajuda baseado em um manuscrito que minha bisavó escreveu. Ela era índia, se embrenhou na selva de pedra e conheceu meu bisavô. A outra é 30 Days, A Picture Diary, um livro de fotografias lançado somente em inglês. Alguns outros títulos virão este ano. Minha mente não para, às vezes sonho com historias do começo ao fim. É preciso ter muito profissionalismo. Não escreva um livro se você não colocar sua alma, seu coração e muita dedicação na obra. Quero escrever livros que as pessoas queiram ler, contar ao mundo as cores, sabores e dissabores da vida.

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4 comentários

Eduardo

Não sei se este site aceita sugestões – posto que nem o texto do artigo foi corrigido com a informação triste de que a editora fechou – mas tento outra vez. Este site: http://www.discipulosdepeterpan.com.br/ tem um conteúdo bem bacana, em texto, vídeo e livros. Uma entrevista com o Enrique seria bacana.

felipe

Muito boa notícia! já que ainda nas prateleiras das livrarias se encontram romances de heterossexuais. Eu gostaria muito escrever um livro com uma temática voltada para a homossexualidade e a bissexualidade.Quero muito essa questão da bissexualidade que ainda é invisível.

Eduardo

Este blog deveria conhecer e fazer uma matéria com nossos irmãos portugueses. A Index ebooks vem se sobressaindo na publicação de histórias originais (de autores brasileiros também!) e traduções de obras LGBT importantes. .

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