Por que mesmo quando o agressor pratica sexo com sua vítima não se exclui a motivação homofóbica de um crime?

Apesar da mentalidade binária de Malafaia e seus asseclas, há homofobia entre gays, assim como machismo entre mulheres e racismo entre negros

por James Cimino

Eu iria chamar o que acontece hoje em dia na internet de batalha ideológica, mas como a maior parte das pessoas não debate ideias e sim montanhas de ignorância, violência verbal e falta de informação, acho que o nome não é adequado.

Portanto, tenho uma ou duas coisinhas a dizer sobre homofobia e sobre o caso do menino João Antonio Donati, de 18 anos, morto na última quarta-feira (10) na cidade de Inhumas, região metropolitana de Goiânia. Como eu previa, quando publiquei ontem uma reportagem sobre o caso contando que o suposto assassino foi preso e confessou o crime, Malafaia e seus asseclas já estão dando pulos de alegria por conta do fato que o agressor teve relações sexuais com a vítima.

Na mentalidade obtusa do pastor de seus seguidores, isso desconfigura a motivação homofóbica do crime, afinal, se os dois transaram, os dois são gays e, logo, não há homofobia, porque homofobia só poderia ocorrer se o agressor fosse heterossexual. Isso estaria totalmente correto, para a mentalidade de uma criança de cinco anos, mas sabemos que o preconceito é silencioso e se manifesta das formas variadas.

Assim como uma pessoa que diz que “não tem nada contra, apenas não sente atração por negros” acha que não é racista; ou uma pessoa negra que nega a textura de seus cabelos com química e que só sai com brancos também acha que não é racista; ou ainda uma mulher que acha que uma vítima de estupro “procurou por aquilo” ao vestir roupas sensuais não se acha machista; gays ou bissexuais enrustidos que praticam sexo com outros homens às escondidas e que negam sua orientação sexual também têm comportamento homofóbico.

E este é exatamente o caso em questão. O assassino confesso do crime disse ao delegado, que me relatou sua confissão, que ele não conhecia o rapaz (portanto descartada a hipótese de crime passional); que não era homossexual, embora já tivesse transado com outros homens (e aqui há um controvérsia grande, pois tanto ele pode realmente não ser homossexual ou ser um homossexual enrustido que nega sua condição por homofobia distópica); e, por fim, a parte que mais chama a atenção: segundo o relato do delegado, ele teria matado o jovem “devido a um desentendimento durante a relação sexual”. Perguntei ao delegado do que se tratava o desentendimento e ele me disse que foi porque João Antonio queria trocar de papeis durante a relação sexual. Ou seja, mais um indício forte de homofobia: aquela ideia muito comum no interior do Brasil e, segundo relatos que ouço, no mundo muçulmano, de que apenas os passivos são gays.

Ah, mas se nem esses gays se aceitam, por que nós deveríamos aceitá-los? Ora, “esses gays não se aceitam” em geral porque foram ensinados a não se aceitarem, a acharem que seu lugar na sociedade está limitado ao submundo dos terrenos baldios e dos clubes de sexo. Portanto, a homofobia que emana de um homossexual enrustido lhe foi propagada pela sociedade homofóbica em que vivemos. E isso nada tem ver com o que seu pastor acha e propaga como verdade absoluta. Aliás, desconfie sempre que alguém lhe vier com “verdade absolutas”. Einstein já desconstruiu essa ideia há algum tempo.

Portanto, quem quiser desqualificar esta tese está ignorando todos estes fatos apurados junto ao delegado e pegando apenas trechos da história, especialmente aquele do suposto bilhete encontrado na boca do rapaz, que a polícia revelou serem sacolas plásticas. Aliás, nós temos que, cada vez mais tomar o triplo de cuidado ao compartilhar esse tipo de informação sem apurar, especialmente quando a ânsia de culpar alguém (neste caso toda a comunidade evangélica) for grande demais. Não que eu não ache que evangélicos demonizem homossexuais. Sim, especialmente os mais histéricos, que associam a homossexualidade a possessão demoníaca e que chegam até a propor o apedrejamento de homossexuais, como acontece em uma igreja do Harlem, nos Estados Unidos. No entanto, acho importante que cada vez mais, como diz a Bíblia, separemos o joio do trigo e procuremos dialogar e trazer para o nosso lado os verdadeiros cristãos que rejeitam esse tipo de cristianismo terrorista.

Sobre a questão dos negros racistas (e dos brancos que não se acham racistas), muita gente vai entrar aqui e dizer: “ah, mas isso é uma questão de gosto”. Eu não acho. Não acredito que em uma população de sete bilhões de pessoas não haja um negro que não vai lhe ser atraente. E não acredito que você seja capaz de se negar a uma investida de um cara como o Idris Elba ou de uma mulher como a Iman por qualquer motivo que não seja racismo. Não acredito que você se negue a sair com o efeminadíssimo do Jake Shears dos Scissor Sisters por outro motivo que não seja misoginia.

Acho que só vamos melhorar como humanidade quando chegarmos à conclusão de que #somostodosracistas #somostodosmachistas #somostodoshomofóbicos, mesmo quando achamos que não por sermos “esclarecidos”. E digo isso porque estamos submersos em uma cultura de racismo, machismo e homofobia que, desde a infância, molda nossos comportamentos. Portanto, todos um dia iremos nos deparar com esses sentimentos em pequenas atitudes, quando por exemplo atravessamos a rua com medo ao vermos um negro se aproximar ou quando rirmos do gay efeminado que anda rebolando ou quando chamarmos de vagabunda qualquer periguete que desfila de microssaia pela vida. Quando isso acontecer, apenas pare e pense.

Apoie o Lado Bi!

Este é um site independente, e contribuições como a sua tornam nossa existência possível!

Doação única

Doação mensal:

17 comentários

Aderson

Uma pena ainda termos de gastar o tempo de uma boa escrita como a sua para escrever coisas tão óbvias. Apenas achei um pouco generalista demais sua interpretação sobre os gostos pessoais, não que os exemplos dados por você não existam, mas acho que não da para generalizar. Será minha eterna fé no ser humano? Rs

Mateus R.D.

Texto preciso, claro, e para dizer que suas palavras não configuram verdades absolutas, pelo menos aproximam-se quase totalmente delas. E eu me incluo (e confirmo) tudo o que dizes (não sou assumido nem assumo curtir negros). Abraço a todos.

Marcos

Texto confuso!
O que me chamou a atenção é o fato de o autor asseverar que o criminoso era homossexual.
Impossível afirmar isso. O fato de eu transar com um homem não me torna homossexual.
Antes de me descobrir, saí algumas vezes com mulheres e isso não me tornou HT, ou tornou???
Acredito que existe sim muitos HT’s que transam com homens e não são gays…
Acho que foi o caso com esse rapaz…
Coitado!

Pedro

James, seu lindo. Primeiramente, queria dizer que você é um mar de cultura e respeito ao próximo no meio de tanta gente maluca e superficial que encontramos no nosso mundo. Adoro os seus textos, sempre analíticos e com pontos de vista claros. Desejo que continues o ótimo trabalho por muitos anos. É um prazer vir aqui e acompanhar o lado bi.

Com relação a esta matéria, será que poderíamos ser considerados ginofóbicos por não gostar pepeca? Talvez seja um pouco pesado pensar assim. Todos temos preferências na hora H, podendo ser negros, brancos, ruivos, gordos, magros. Mas a vontade que dá é de nos auto-classificar talvez como resposta a essa crescente violência que observamos, exemplificada no caso da matéria. Quanto ao Jake Shears, minha nossa que bom partido! Podia ter voz de gato miando, usar meia calça, sapato lady gaga que eu casaria já. Joga “negros bonitos” no google. Fico que nem a marrom: são negões de tirar o chapéu, não posso dar mole se não eles créu.

Caio

As leis de proteção são criadas para defender humanos dos próprios humanos. Afinal não são os bichos os responsáveis por nos atacar por motivo unicamente de ódio intencional, ou que não por coação ou autoproteção. Isso a sociedade como um todo deveria entender. Não se deve avaliar todos os indivíduos de um grupo de maneira conjunta, mas sim individualmente, apesar dos padrões existirem.
E não concordo com todo seu texto, pois a parte onde diz que não sentir atração por determinado grupo humano significa que há um preconceito não dá para ser generalizada. Se você pensa assim tudo bem, mas eu não.

Jack

Sua opiniao sobre pessoas que nao tem preferencia/atracao por certas etnias é infundada. Digamos no caso de uma pessoa que so gosta de negros, isso nao significa que esta se atrai por todos os negros da face da terra. Claro que o racismo existe, mas a atracao pessoal de cada individuo é o que determina a ‘questao de gosto’. Dizer que isso é racismo é no minimo um exagero.

Sergio

Engraçado vcs criticarem o #somostodoshomofobicos quando vocês acham a coisa mais normal do mundo gays se chamarem de viados e boiolas. Não se esqueçam, apesar de combaterem homofobia, vocês ainda não se libertaram completamente dela!

James Cimino

Oh, really? Genial sua conclusão, já que este texto trata exatamente sobre isso. Sobre usarmos os termos bicha e viado, vai procurar algo sobre ressignificação, que já publicamos aqui também, depois c volta e conversamos.

Sergio

Oh, yeah! Vá ler o texto que fala sobre síndrome de estocolmo onde a vítima oprimida passa a coadunar com a visão do opressor. Pesquise no google (Doll Test) e veja o vídeo que mostra crianças negras ego-distônicas rejeitando bonecas igualmente negras como elas. A ego-distonia dessas crianças é idêntica à dos gays que se rejeitam e banalizam xingamentos! Por último, (como vc já deve estar sabendo) veja a campanha contra homofobia que o grêmio está realizando para igualar os gritos preconceituosos de “bicha” com os de “macaco”, igualando a homofobia ao racismo.
Depois nós conversamos.

Sergio

E pra dizer que não falei de ressignificação, ela não se aplica a xingamentos violentos homofóbicos até porque a desprogramação das significações homofobias, principalmente quando somos submetidos a novos estereótipos caricatos e hipotéticos como os termos: gayzista, hetereofobia, #odiogay, sem contar a relação criminosa que alguns religiosos insistem em fazer entre a homossexualidade e a pedofilia. Daí eu te pergunto, como é possível descontruir a ideia de que gays não são uma ameaça à família, que não devemos ser inferiorizados se nós mesmos usamos os mesmos nomes que o opressor? Você ignora os avanços que o movimento negro tiveram com a criminalização do racismo? Hoje as pessoas são presas e o assunto ganha a atenção da mídia. Veja a torcedora do grêmio que foi afastada do cargo. Esse avanço só acontecerá com os LGBTs quando a homofobia for criminalizada. Antigamente, o próprio mussum fazia piadas racistas que o associavam a macaco. Hj isso é crime. Como teremos a criminalização da homofobia se nós mesmos não nos damos o respeito?

Sergio

Só corrigindo o parágrafo anterior para que faça sentido:

“E pra dizer que não falei de ressignificação, ela não se aplica a xingamentos violentos homofóbicos até porque a desprogramação das significações homofóbicas esbarram nos novos termos estereotipados e caricatos que os homofóbicos criam como: ditadura gayzista, hetereofobia, #odiogay, sem contar a relação criminosa que alguns religiosos insistem em fazer entre a homossexualidade e a pedofilia.”

Sergio

Complementando, recentemente o Pelé deu uma declaração minimizando os xingamentos racistas, atitude que lembra muito como nós gays estamos dando pouca importância aos xingamentos homofóbicos e, consequentemente, a crimininalização da homofobia.

Pelé:
“Se eu fosse querer parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todos os jogos iriam parar. O torcedor, dentro da animosidade, ele grita. Acho que temos que coibir o racismo, mas não é em lugar público que vai coibir. Quanto mais atenção der para isso, mais vai aguçar”.

Comments are closed.