Pai gay confessa: “Eu tenho pavor do Dia das Mães”

Com a chegada do dia das mães, um pai gay conta como ajudar seu filho a não sentir a ausência de sua mãe biológica

por Marcio Caparica

Traduzido do post de Jon Raj para o Huffington Post

Eu tenho pavor do Dia das Mães.

Por que é que uma data que só serve para vender cartões me afeta tanto? Deve ser pela mesma razão por que eu sou um DJ tão vigilante quando estou no carro com meu filho, Sammy. Eu antecipo e censuro todas as músicas “maternais”. Falando a verdade, se dependesse de mim ele não ouviria nunca músicas sobre pessoas que sentem falta de suas mães, que precisam de suas mães, que anseiam por suas mães, ou que simplesmente não têm mães.

Fora do carro eu tenho uma atitude mais relaxada, já que nós todos vivemos num “Mundo de Mães”. Canções, comerciais, filmes… Seria uma batalha completamente inglória tentar evitar todas as referências a mães. E eu reconheço como é importante que o Sammy compreenda que há muitos tipos diferentes de famílias, e onde ele se encaixa nesse ecossistema.

Sete anos atrás Sammy entrou em nossa família via adoção aberta, o modelo de adoção em que a mãe biológica mantém contato com o filho que entregou aos pais adotivos. Eu estava lá na sala de parto – e foi o dia mais incrível da minha vida. Hoje, apesar de Sammy manter seu vínculo com sua mãe biológica, a distância de 5 mil quilômetros que os separa faz com que os contatos entre eles acabem se limitando a telefonemas e emails ocasionais.

Conhecer os pais biológicos pode ser um elemento importante para que filhos adotados entendam quem são e de onde vieram. Essa desmistificação permite que ele se desenvolva mais livremente, apesar de que a maneira como cada criança lida com isso e sintetiza essa informação é única. Sammy tem sido impressionante durante todo esse processo. Mas, para complicar ainda mais essa questão para ele, diferente de muitos outros filhos adotivos, nossa família não inclui uma mãe.

A lição de casa que Sammy trouxe semana passada pedia que ele preenchesse um formulário com algumas questões inofensivas: “O que você quer ser quando crescer?”, “Qual é a sua cor favorita?”, “Qual é a matéria na escola que você gosta mais?”, “Você se preocupa com alguma coisa?”.

“Você se preocupa com alguma coisa?” Nem tão inocente assim. Sammy escreveu que ele se preocupa com sua mãe biológica. Ele se preocupa muito com ela, supondo que ela não deve estar muito bem se ela não teve como cuidar dele. Meu filho é muito sagaz e tem muita empatia – muito mais do que a maioria das crianças com a mesma idade.

Semana passada a professora dele me ligou para perguntar como eu gostaria de lidar com o Dia das Mães na escola. “Eu adoraria que ele fosse cancelado!” foi a primeira coisa que eu pensei. Mas eu não quero ser o estraga-prazeres – o pai que cancelou o Dia das Mães. Então eu apenas sugeri que a professora posicionasse todo o furor da confecção dos cartões como algo para “uma mulher especial da sua vida” ou Dia das Mães. Ele poderia fazer um cartão para sua mãe biológica se quisesse, ou para uma de suas três avós.

Ontem à noite, quando eu fiz essa sugestão para o Sammy durante o jantar – esse é o tipo de conversa que a gente tem – a primeira reação dele foi fazer um cartão para mim, “Você é o meu pai e a minha mãe!”. É claro que eu fiquei comovido, mas eu sei que ele teria que processar essa situação toda muito mais, e que ele não passaria alheio por essa data.

Sim – eu fico inseguro por não poder preencher todos os papéis na vida dele. Não importa o que eu faça – dê um beijo quando ele se machuca, cante canções de ninar, prepare o jantar, jogue bola, abrace-o quando ele está assustado – eu nunca vou chegar a realmente ser a mãe dele.

Outro dia eu me peguei numa situação meio “clandestina”, infiltrado na Liga das Mães. Como um pai gay, eu tenho a rara possibilidade de adentrar o domínio delas. Ao contrário dos outros pais héteros, elas permitem que eu entre em seu mudo. Eu posso conversar com as mães sobre seus desafios, suas esperanças, seus desejos, suas frustrações, seus filhos, e, é claro, seus maridos.

Mas ter um passe de visitante é uma coisa – ter uma carteirinha para o clube é outra. Como disse uma mãe muito sincera, “Você nunca vai ser uma mãe”. Isso doeu.

Por que eu não posso ser uma mãe? O que eu não tenho (além das coisas óbvias, claro)? Talvez a resposta seja simples: o ponto de vista de uma mulher para compartilhar com meu filho.

Apesar de não termos uma mãe em nossa família, o que nós temos são os pontos de vista das muitas mulheres em nossa vida que o amam: a avó New Yorkie, a avó Buci, a avó Tanya, a tia Zimi, sem falar das muitas mulheres maravilhosas em sua escola, no templo, na minha empresa, e na vizinhança. Cada uma dessas mulheres traz algo especial para a vida do Sammy – algo que eu não sou capaz de oferecer.

A única coisa que ele talvez ainda não tenha é um pai que aceite que o Dia das Mães é uma data linda – um dia para celebrar as mulheres em nossa vida. Mas eu estou me esforçando para resolver isso! E eu sou tão grato pelo que eu e Sammy temos. Então, para todas as mulheres incríveis que estão por aí: feliz Dia das Mães!

p.s.: Eu mal posso esperar pelo Dia dos Pais. Isso é outra história!

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3 comentários

Rodrigo

Gostei muito do artigo. Cresci sem a presença do meu pai ou outra figura masculina na minha vida e isso realmente faz falta, mesmo com minha mãe tentando ter o papel de mãe e pai ao mesmo tempo. É preciso muita coragem e maturidade para saber que não importa o tamanho do seu amor, você não pode assumir todos os papeis familiares possíveis, e que mesmo assim isso não significa que sua família tenha menos valor.

Caio

É um pouco complicado este contexto. Mas na minha visão, o pai não deveria se preocupar tanto com esta data que de certa forma não pode ser comemorada em sua família, visto a ausência de uma mulher para cumprir o papel de mãe. No entanto, ele e seu companheiro já cuidam e suprem todas as necessidades de seu filho, que é o que importa. O filho vai ter que aprender a entender isso, de que não é preciso ter uma mulher diretamente na vida dele para que ele tenha uma família. E já que ele tem contato com a mãe biológica, que com ela possa desfrutar de uma companhia feminina.
Não sei, mas acho que os filhos adotivos só deveriam ter um contato com os pais biológicos só depois de grandes e já terem passado um bom tempo convivendo com os adotivos, para entenderem que os verdadeiros foram aqueles que o criaram. Acho que a convivência conjunta pode confundir as crianças. E sinceramente, exceto em alguns casos, acho um desrespeito com os pais adotivos que são os verdadeiros pais, terem que correr atrás dos biológicos, porque o filho jovem quer saber quem eles são, dando a entender que tudo bem, ele foi criado com carinho, mas é o sangue que determina quem é sua família de verdade.

Joaquim Passos

Belo texto! Saindo um pouco do lado Gay, sou adotado e tenho essa mesma ligação como o Sammy tem com a mãe biologica… Diferente dele, não a conheço, mas tenho a curiosidade. Acredito que isso sempre ira existir, tanto em casais heteros como homoafetivos. Imagino como deve ser tenso para o pai dele, mas acredito que é algo que o tempo vai moldar para os dois.

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