Traduzido do artigo de James Dawson para o jornal The Guardian
Como alguém orgulhoso de ser uma Pessoa do Oceano (PdO) – por favor não se refira a mim como “sereio”, isso é tão politicamente incorreto – eu me importo, e muito, com a maneira como nós somos apresentados em livros infantis (e até mesmo adultos). Você pode virar os olhos e me chamar de esquerdista chorão o quanto quiser, mas esse é um problema que me acompanhou durante a infância.
Quando eu era um jovem, crescer no Mar do Norte era dureza. Havia muito poucos PdO com os quais eu podia me relacionar, então você pode imaginar como eu me sentia esquisito, uma aberração. Por muito, muito tempo, eu realmente pensava que era o único. Eu vivia isolado, eu vivia solitário.
Foi só quando eu me mudei para o Atlântico para frequentar a Universidade Aquática que eu finalmente percebi que havia outras pessoas como eu – centenas e centenas, para falar a verdade – mas, a essa altura, o dano já estava feito. Eu havia passado vinte anos me sentindo um anormal. Isso é algo difícil de superar, e eu acho que isso ainda me afeta.
Como um PdO adulto, eu tenho agora um orgulho imenso das minhas escamas reluzentes e da minha habilidade de respirar debaixo d’água, mas não consigo deixar de pensar como minha vida poderia ter sido muito mais fácil se eu encontrasse alguns modelos de comportamento nos livros. Assim como os humanos que têm pernas, eu cresci lendo uma variedade de livros paradidáticos e gibis. Nenhum deles apresentava personagens PdOs. Os poucos que existiam nos apresentavam de uma maneira muito estereotipada.
A questão toda é como representar com justiça um grupo minoritário. PdOs não são pessoas ruins; nós não somos depravados; nós não nos dedicamos a tentar afogar marinheiros com nossos poderes mágicos. As histórias que aumentam os mitos sobre nossa gente são ainda piores que a ausência de histórias.
Mais triste ainda é que, depois que A Pequena Sereia foi lançado em 1989 (caramba, agora eu me senti velho), muita gente parece pensar que a nossa história já foi abordada o suficiente para o resto da eternidade. “Não, nós não precisamos de mais livros sobre sereias”, dizem os editores, “isso JÁ DEU”. Olha, eu não acho que a vida da Ariel valha para todos nós. Sugerir que todos os PdOs passam o dia inteiro cantando e se vestindo com conchinhas é profundamente oceanofóbico.
As Pessoas do Oceano são exatamente iguais às Pessoas da Terra Firme. Nós temos uma gama de empregos, hobbies e interesses. Quando nós somos apresentados na literatura, as PdOs tendem a aparecer sempre nos mesmos papéis – na maior parte das vezes nós somos o melhor amigo ou o interesse amoroso de um personagem humano. É tão raro que nós sejamos os personagens principais, e mais raro ainda que a história seja contada do nosso ponto de vista.
Eu às vezes me pergunto se os autores ou diretores de cinema têm medo de escrever a nosso respeito. Será que eles pensam que nossas histórias não têm apelo para o público em geral? Que deprimente. Ou será que eles acham que não conseguem entender o que se passa conosco? Nós não somos alienígenas! Nós somos exatamente iguais a vocês, com exceção de uma coisinha. Como um PdO, espera-se que eu entenda como é ser um humano, ou simplesmente não tenha nada para ler.
A essa altura, você já entendeu onde isso vai parar. Como essa é a semana LGBT no site de literatura infantil do Guardian, eu recebi o convite para escrever algo já que sou um representante da comunidade LGBT e um autor que coloca personagens LGBT em seus romances. Eu gostaria muito de ser um sereio, mas, o que fazer, eu não passo de um homem gay. As coisas que eu acabei de escrever podem soar absurdas quando se referem a sereias, mas é bem próximo da minha realidade enquanto eu crescia numa cidade pequena.
Eu não sabia que gays existiam e, quando eu cheguei à puberdade, fiquei completamente perdido. Como eu desejo que houvesse um livro, um só que fosse, que apresentasse um personagem como eu – um cara adolescente normal, que calhava de ser gay. Eu ia gostar principalmente de um personagem que não fosse definido por sua sexualidade.
Os leitores adolescentes de hoje em dia são, em comparação, bem mais afortunados por terem modelos em que se espelhar, em livros escritos não apenas por mim, mas também por autores muito mais famosos como David Levithan, Patrick Ness e Cassandra Clare.
Em meus livros, eu opto por escrever personagens humanos e partir das similaridades antes de me preocupar com as diferenças. Nós todos amamos, odiamos, beijamos e brigamos da mesma maneira. Nós todos somos guiados pelos mesmos anseios. Nós todos rimos, nós todos choramos.
Eu tenho certeza que, se houvesse uma gama de pessoas como eu nos livros que eu lia quando estava crescendo, eu não me sentiria um anormal por tantos anos, como agora eu vejo que eu quase não sou. Em 2014, eu torço para que todos os jovens LBGT possam se ver na ficção e perceber que há um lugar para eles no mundo.