O que os rolezinhos e o movimento gay têm em comum

A tentativa de criar soluções “iguais, mas separadas” e os efeitos da visibilidade unem esses fenômenos sociais

por Marcio Caparica

Cada vez mais eu me convenço de que a visibilidade é a maior arma para que se provoque mudanças.

No dia 22 de janeiro saiu uma nota na Folha de S.Paulo em que Nabil Sahyon, presidente da Alshop (Associação dos Lojistas de Shopping) pedia que o poder público construísse espaços alternativos para os jovens de periferia:

Lojistas querem que Estado construa ‘rolezódromos’ em SP

O presidente da Alshop (Associação dos Lojistas de Shopping), Nabil Sahyon, pediu ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) a criação de espaços de lazer na periferia da cidade para conter os chamados rolezinhos.

Os dois de reuniram na segunda-feira (20) para tratar do assunto. “O governador garantiu que vai disponibilizar espaços adequados para que esses jovens possam reivindicar o que quiserem”.

Os rolezinhos são encontros de jovens marcados pela internet que reúnem diversas pessoas principalmente em shoppings. O encontro, segundo os próprios organizadores, não tem a intenção de protestar e sim de promover a integração entre os jovens.

“Todos são bem-vindos, mas a entrada de milhares de pessoas ao mesmo tempo compromete a segurança desses estabelecimentos. Pode haver um acidente e o shopping será responsabilizado. Shopping não é lugar de baile funk”, disse Sahyon.

De acordo com a proposta da Alshop, os espaços poderão ter shows e podem ser patrocinados por grandes lojas dos shoppings.

A associação terá, na semana que vem, uma reunião com o ministros Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) e Marta Suplicy (Cultura).

A nota em si não explica o que a Alshop quer dizer exatamente com “ser patrocinado por grandes lojas dos shoppings”, mas o “rolezódromo” do título passa a ideia de que, já que eles querem tanto passear em shopping, por que a gente não faz um shopping separado pra ver se de repente eles não saem das nossas vistas?

É a famosa filosofia do “iguais, mas separados”, que já foi vigente explicitamente nos EUA e na África do Sul, e que vive enrustida na vida do brasileiro. Uma tentativa cordial de manter uma parte da população longe das áreas “nobres” da cidade.

Quando a ideia de que os gays têm o mesmo direito ao casamento que os héteros ganhou força, muitos vieram com a ideia da união civil. “É igualzinho a um casamento”, se argumentava, “na prática vocês vão ter os mesmos direitos, só não vai ter esse nome porque, né, casamento… é casamento.” Igual, mas diferente. Igual, mas separado. Igual, mas um casal hétero não sonha em reunir as famílias para celebrar sua união civil de véu e grinalda. Isso é coisa de viado. Casais “normais” têm casamento, os gays têm um casamento de segunda classe.

Mas o STJ decidiu que isso era uma discriminação que não fazia sentido, e, depois de ter equiparado a união estável de héteros e gays em 2011, em 2013 acabou com a distinção do casamento civil entre casais homoafetivos e os casais heteroafetivos. Acabou o casamento de segundo escalão, quaisquer pares de seres humanos podem oficializar seu casamento, e a civilização não entrou em ruínas por causa disso.

Agora nosso estimado presidente da Alshop vem propor que se criem espaços para a juventude pra lá do rio (usando um termo do excelente artigo de Leandro Beguoci), na esperança de que eles permaneçam por lá. Um espaço que seja lugar de baile funk, porque shopping “não é”. É quase que nem um shopping, só que, olha que legal, mais perto. É igual, mas separado.

Os organizadores dos rolezinhos já disseram repetidas vezes que os encontros não são protestos, e não são mesmo. E mesmo assim conseguem mais mudanças sociais que muitos protestos na Paulista (dos quais sou muito a favor, vou frisar). Porque, tornando-se visíveis, mostrando-se para frequentadores e lojistas de shopping, comunidades e imprensa, os rolezeiros se tornaram “emergência nacional” (a ponto de convocar reuniões de ministério – tantos mortos por homofobia não conseguiram causar essa reação). Capaz de logo conseguirem ganhar espaços de lazer do outro lado do rio, algo que certamente não estava na lista de prioridades do governador Geraldo Alckmin.

Os rolezinhos não são atos de protesto, mas são atos políticos. Assim como é um ato político cada vez que um casal homossexual anda de mãos dadas na rua, troca um carinho numa fila, se apresenta como tal numa escola, e enfrenta junto as resistências da família. Como é um ato político não se envergonhar pela maneira como anda, se veste ou se expressa ou não pedir desculpa por pegar quem (ou quantos) quiser. Não são atos de protesto. Mas são ações que aos poucos mudaram a sociedade. Milhões de pequenas contribuições diárias que mudaram a maneira como são vistos os homossexuais.

Então, de minha parte, espero que, mesmo depois que os bairros mais distantes ganharem seus espaços de lazer, a galera continue se organizando para baixar nos shoppings. Afinal eles têm tanto direito de ocupar o espaço e fazer barulho quanto a juventude que cresceu comendo Sucrilhos. Visíveis, eles podem ganhar muito mais que os “rolezódromos”. Já funcionou para os gays, vai funcionar para todos.

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3 comentários

Lécio

A ideia dos rolezinhos é juntar uma galera legal e… dar um rolê pela cidade. Será que a construção de shoppings na periferia vai mudar os hábitos da galera que curte rolezinho?

Expandir oportunidades para os locais mais afastados é uma excelente ideia, é necessário, urgente até. Não pra ficar cada um na sua, mas para ampliar o acesso mesmo.

É uma pena que o que motive os donos da grana seja o pensamento segregacionista, e não o direito das pessoas de terem centros comerciais e opções de lazer perto de suas casas.

ROBERTO

Discordo totalmente da sua opinião.

Em primeiro lugar, como vc mesmo chama de iguais mais separados, você esta sendo bem claro, que se tratada de um preconceito racial, pois tal filosofia foi aplicada aos negro.

Já que é contra esta filosofia, vc deve ser contra as cotas, que nada mais é do que por em prática tal filosofia certo?

Comparar o rolezinho com o movimento gay, é ao meu ver totalmente sem nexo, pois pelo jeito que faz a coisa, daqui a pouco vai estar falando que o movimento dos sem tetos é igual ao movimento gay, e por ai vai.

Bom, nisto vc tem ração, não é um protesto, é uma forma dos “cabeças” do movimento terem visibilidade política, tando que acabaram de se afiliar.

Desculpa, mas novamente não concordo quando se diz que não se pode envergonhar do jeito que as pessoas andam, falam ou se vestem, isso é tolir a liberdade das pessoas, os gays são os primeiros a fazer isso, e todos aplaudem.. pensar que não se deve fazer isso é ser hipócrita, é querer que os outros mudem, enquanto seu mundo fica intocável.

As pessoas tem sim o direito de ir e vir, mas desde que saibam como fazer, não se recrimina a população que ela vai ao Shopping e sim do jeito que se vai, qualquer bando de pessoas que chegar berrando e fazendo algazarra tem que sim ser contida. Isso chama-se educação e não liberdade.

As pessoas estão confundindo liberdade com libertinagem, culpar a classe média por ter medo do que possa a vir acontecer, é mais uma vez castrar toda e qualquer liberdade da classes mais altas.

Se vive em uma sociedade extremamente violenta, onde se tem medo do vizinho que mora ao lado, e sabemos, infelizmente que em sua maioria bandido vem de uma classe mais pobre, não que todos sejam, mais em sua maioria.
E falo de bandido que mata, que assalta, e não dos de colarinhos brancos.

Por isso é mais do que normal ter medo e receio sim, do que possa vir a se tornar estes tal rolezinhos.

Marcio Caparica

– No Brasil não existe essa distinção clara entre preconceito racial e social.
– Não sou contra cotas porque elas são maneiras de tentar amenizar injustiças históricas contra uma população que já nasce em desvantagem.
– Não faço ideia de quem você esteja dizendo que são os cabeças dos rolezinhos nem a que partido/movimento/sei lá eles se afiliaram.
– Tanto no seu comentário de se tolher a liberdade da classe alta em prol da classe baixa, ou das pessoas que agem de um jeito “deseducado” porque incomoda os “educados”, você não se importa de restringir as ações e, portanto, a liberdade dos outros.
– Matar realmente é pior que roubar. Agora, não vejo como você pode achar que o roubo dos colarinhos brancos seja mais aceitável que os roubos dos pobres.
– Felizmente os rolezinhos vão continuar acontecendo (ou não) independente da sua vontade.

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